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Capítulo 3 – Estrutura da responsabilidade civil

3.3. Dano

3.3.4. Espécies de dano

3.3.4.1. Danos patrimoniais e danos não patrimoniais

3.3.4.1.2. Danos não patrimoniais

Conforme já mencionado, o dano não patrimonial também é chamado de

dano extrapatrimonial ou dano moral. No direito brasileiro, consagrou-se a terminologia

dano moral por ser a utilizada pelo legislador constitucional e infraconstitucional, que, nesse aspecto, sofreu influência do direito francês206.

203 Cf.: GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz, Lucros cessantes – do bom-senso ao postulado normativo da

razoabilidade, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011.

204 COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p. 547; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, op. cit.,

332.

205 Cf. JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa, op. cit., p. 378; SANSEVERINO, Paulo de Tarso

Vieira, op. cit., p. 184-185.

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Diversamente, na Alemanha, na Itália e também em Portugal, a terminologia adotada pelo legislador é dano não patrimonial207. Essa preferência justifica-se porque, em boa técnica, “dano moral” designa “o dano que atenta contra o conceito que a coletividade tem da pessoa, isto é, que viola elementos valorativos (ou virtudes) da pessoa, como ser social”208, referindo-se apenas, portanto, às afetações negativas de uma das parcela de posições jurídicas subjetivas localizadas no hemisfério não patrimonial da esfera jurídica dos sujeitos de direito. Assim, considerada a esfera jurídica da pessoa natural, ficariam excluídas, por exemplo, as lesões à integridade física e psíquica.

Os danos não patrimoniais, segundo já afirmado, constituem afetações negativas de posições jurídicas localizadas no hemisfério não patrimonial dos sujeitos de direito. Não há um rol taxativo de danos não patrimoniais, pelo contrário, na sociedade contemporânea, com o progresso científico e tecnológico, surgem novos direitos subjetivos (por exemplo, direito à identidade genética209) e, consequentemente, novos danos podem ser ocasionados. É possível, contudo, condensá-los, como o faz a doutrina brasileira em alusão à classificação dos direitos da personalidade proposta por Rubens Limongi França210, na tripartição: danos corporais ou físicos, danos psíquicos ou intelectuais e

danos morais211.

A grande discussão que existiu sobre os danos não patrimoniais foi a atinente a possibilidade de serem ressarcidos. E isso se deu porque, de fato, os danos não

207 Conferir, por exemplo, no BGB, §§253 e 847 (der nicht Vermögensschaden ist); no Código Civil

italiano, artigo 2.059 (danno non patrimoniale); no Código Civil de Portugal, artigo 496º (danos não patrimoniais).

208 NORONHA, Fernando, op. cit., p. 559. Esse conceito de dano moral de Fernando Noronha baseia-se

no conceito de direito moral proposto por Carlos Alberto Bittar, para quem direitos morais são aqueles “respeitantes a atributos valorativos (ou virtudes) da pessoa na sociedade (o patrimônio moral, compreendendo: a identidade; a honra; as manifestações do intelecto)”. Os direitos da personalidade, 3ª ed. revista e atualizada, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1999, p. 17.

209 ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinellato e, Reprodução humana assistida: aspectos civis e

bioéticos, tese apresentada ao Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo para concurso de livre-docência, 2000.

210 De acordo com Rubens Limongi França, os direitos da personalidade podem ser classificados em:

direito à integridade física, direito à integridade intelectual e direito à integridade moral. O autor assevera:

“Evidentemente, esses Direitos não são estanques, senão, pelo contrário, por vezes participam de mais de um grupo, como o Direito à Imagem, que nos parece tanto de natureza moral como física. Não obstante, assentada esta base, os Direitos da Personalidade podem ser especificados dentro de uma classificação correspondente à sua natureza dominante”. Direitos da Personalidade: coordenadas fundamentais, in Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 567, janeiro de 1983, p. 09-16; Manual de direito civil, v. 1, 4ª ed. revista, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1980, p. 411-412.

211 Ainda que nem todos os direitos não patrimoniais sejam direitos da personalidade, esta classificação

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patrimoniais não permitem “uma verdadeira e própria reparação ou indemnização”, porque não são suscetíveis de avaliação pecuniária212.

No ordenamento jurídico brasileiro, o debate perdeu força com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, dentre os direitos e garantias fundamentais, elenca expressamente a indenização por dano moral (artigo 5º, inciso V).

A doutrina que defende a reparação dos danos não patrimoniais – hoje majoritária, pelo menos no Brasil – justifica-a com base na ideia de que, embora não seja possível encontrar um preço que corresponda ao valor do bem violado, deve-se propiciar à vítima alguma compensação pelo dano sofrido, devendo o montante de indenização guardar “razoável relação de equivalência com a extensão dos prejuízos extrapatrimoniais sofridos pela vítima”213.

Tem-se aqui, é verdade, uma mitigação do princípio da reparação integral dos danos, que “busca colocar o lesado em situação equivalente à que se encontrava antes de ocorrer o ato ilícito”, que, de resto, até mesmo em sede de danos patrimoniais, é “uma utopia, pois dificilmente se alcançará a inteira reparação de todos os prejuízos sofridos pela vítima, o que é feito de forma apenas aproximativa”214.

Hoje, o sistema jurídico brasileiro enfrenta nova controvérsia envolvendo os danos morais, porém desta vez não para negar sua existência, mas para determinar se sua função limita-se à reparação da vítima, ou se comporta também a punição do ofensor. Esse assunto, em razão de sua importância, será analisado mais detalhadamente no capítulo 4.

212 COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., p. 549.

213 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, op. cit., p. 272-273. Maurício Bunazar observa: “é o sistema

jurídico que confere ao julgador as balizas (por exemplo, artigo 944, caput e parágrafo único do Código Civil) para determinar como o responsável anatematizará o dano-prejuízo injusto. Tais balizas podem ser mais precisas, como ocorre no dano patrimonial; ou mais tênues, no caso do dano moral. Porém, de forma alguma se pode confundir uma baliza tênue com ausência de baliza. O que há no caso do dano moral ou do dano ambiental extrapatrimonial, por exemplo, é uma maior discricionariedade do juiz na apreciação da existência e extensão do dano, o que, conseqüentemente, repercutirá na forma e/ou montante da indenização”. Taxonomia da sanção civil: para uma caracterização do objeto da responsabilidade civil, in Revista Juris da Faculdade de Direito, Fundação Armando Alvares Penteado, v. 5, janeiro a junho/2011, São Paulo, FAAP, 2010, p. 41.

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