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O cenário brasileiro no despontar das discussões sobre formação continuada docente

Ao mapear os grupos e linhas de pesquisa em formação de professores, Santos (2008a) comenta que as discussões sobre formação profissional docente despontaram no cenário educacional brasileiro nos anos 80, momento esse em que a educação nacional enfrentava graves crises – desvalorização da profissão docente, baixos salários, altos índices de repetência e evasão escolar –, evidenciando, portanto, algumas contradições.

Por outro lado, Tanuri (2008) considera que a importância da educação continuada, manifestada sob outras denominações – educação permanente, formação em serviço, capacitação profissional – “vem sendo ressaltada desde os anos sessenta, inserida em outros contextos sócio-políticos” (p.86). Entretanto, Leonor Tanuri corrobora Santos (2008a) ao afirmar que a ênfase na política de formação continuada dos profissionais da educação “insere-se no quadro das reformas educativas contemporâneas e das tentativas de se alinhar o professor às decisões e necessidades delas decorrentes, adaptando-o às exigências da sociedade globalizada” (TANURI, 2008, p.86).

De acordo com Tadeu dos Santos, a década de 80 foi assinalada por um movimento de mudanças em âmbito mundial, abrangendo a estrutura social, política e cultural das sociedades, que ditaram reformas educacionais em vários países do mundo sob a premissa da necessidade de adequar a educação às exigências sociais. No Brasil esse período foi marcado, por um lado, pela mobilização dos educadores e pela discussão sobre formação de professores e, por outro, pelo crescente achatamento dos salários dos professores e pelos índices alarmantes de fracasso escolar.

Portanto, o emergir da discussão sobre formação docente revela uma contradição, pois o movimento organizado pelos professores em defesa dos seus direitos e as iniciativas governamentais em favor de uma educação de qualidade tinham o sentido de superar os problemas da educação e não, necessariamente, qualificar a educação adequando-a às transformações do mundo (SANTOS, 2008a).

Contudo, entendo que a busca pela melhoria da educação por meio da formação, da certificação dos professores que exerciam a docência sem ter habilitação específica, contribuiu para desencadear um movimento de reforma da educação, ao mesmo tempo em que motivou reflexões e debates sobre a formação de professores e a realização de muitas pesquisas sobre esse tema, aspectos esses que sinalizam a superação da contradição apontada em Santos (2008a).

Analogamente, de acordo com Santos (2008a), a década de 90 traduziu-se em novas tensões educacionais. De um lado havia um movimento de desvalorização exponencial dos profissionais da educação, caracterizado por uma política de baixos salários e precárias condições de trabalho (estruturais, políticas e pedagógicas). Por outro, a incorporação da política de valorização profissional na Constituição Federal e a aprovação da Declaração

Mundial de Educação para Todos, em evento realizado em 1990 na Tailândia, representaram o marco de um novo tempo na educação. Segundo esse autor, embora esse documento previa mudanças nas condições de trabalho docente e sinalizava políticas à formação continuada, profissionalização, carreira e salários, no Brasil essas metas não foram priorizadas nas recentes diretrizes político-educacionais.

Posteriormente, em 1996 com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1998 com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Plano Nacional de Educação (PNE) em 2001, a discussão acerca da valorização profissional docente é retomada. Por meio dessas políticas, diversas iniciativas de formação continuada docente vêm sendo implementadas pelas secretarias estaduais e municipais de educação, como o Programa de Educação Continuada (PEC), promovido pela secretaria de educação de São Paulo e o Programa de Capacitação de Professores (PROCAP), realizado em Minas Gerais.

Além disso, as propostas de formação docente, elaboradas a partir de 1998, passaram a ser influenciadas pelas determinações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em particular pela concepção de formação e pela definição das atribuições da profissão professor presentes nesse documento. Conforme as diretrizes instituídas nos PCN, o papel do professor consiste em produzir, articular e planejar práticas educativas e mediar o conhecimento socialmente produzido. A formação continuada, por sua vez, é concebida como o processo que deve fornecer subsídios que auxiliem o docente a lidar com o multiculturalismo e as diferenças entre alunos, valorizando seus conhecimentos prévios, os quais devem servir como fonte de aprendizagem, de convívio social e ponto de partida à aprendizagem de conteúdos específicos (BRASIL, 1998).

A esse respeito Brzezinski (2002; 2006) comenta que nas políticas educacionais de formação de professores, apesar da educação básica ter tomado lugar central no discurso oficial, as ações governamentais exprimem a prevalência da lógica financeira sobre a lógica social, subordinando a educação à racionalidade da globalização econômica. Em decorrência disso, há uma desvalorização do papel social e cultural dos profissionais da educação, da própria educação, assim como há uma desordem nas estruturas das instituições responsáveis pela formação de professores.

Sobre isso Freitas et al. (2005) comentam que as exigências atuais, impostas à escola, decorrem do desenvolvimento das tecnologias e das transformações nos processos de trabalho e de produção da cultura, que têm exigido um novo papel da escola e do professor, pois a “educação e o trabalho docente, face a sua função social, passaram então a ser considerados peças-chave na formação do novo profissional do mundo informatizado e globalizado” (p.89). E mais, a sociedade de hoje requer dos sujeitos mais do que saberes e competências. Espera que sejam capazes de promover seu aprendizado contínuo e esse deve ser o papel da escola. Com isso, o professor é desafiado a aprender a ensinar de modo diferente do que lhe foi ensinado (FREITAS et al., 2005).

Embora as considerações destacadas no parágrafo anterior sinalizem mudanças em termos de valorização do professor e da educação no cenário nacional, penso que ao considerar a educação e o trabalho docente como “peças-chave” na formação do profissional do mundo globalizado, não quer dizer que o professor passou a ser valorizado. Mas, sim, que a sua função é crucial na reprodução e fortalecimento da racionalidade da globalização econômica, visto que ele precisa cumprir o papel de “formar” sujeitos com múltiplas habilidades e capaz de aprender continuamente. Na perspectiva dessa visão, um professor crítico, preocupado com seu desenvolvimento profissional e com a sua prática, pode não corresponder aos interesses da globalização e, por isso, as propostas de formação promovidas precisam ser superficiais e instrucionais, de modo que o professor não tenha possibilidade de refletir criticamente sobre a prática educativa escolar e seu papel na formação dos sujeitos.

Em suma, é nesse contexto sócio-político-cultural que as discussões acerca da formação continuada docente surgiram, mobilizando, portanto, novas e relevantes pesquisas. Em contraponto, Tanuri (2008) avalia que nos últimos anos muito se tem dito e escrito sobre formação de professores e sua centralidade nas reformas educacionais, mas parece não haver correspondência entre a produção teórica e as ações políticas e pedagógicas empreendidas. A consideração dessa autora sinaliza a contradição que permeia a questão da formação de professores no Brasil, pois embora haja interesse e iniciativas visando qualificar esses profissionais, as ações promovidas não têm produzido os resultados esperados.

Contudo, não há como desconsiderar que os estudos desenvolvidos revelam avanços e entraves das propostas de formação empreendidas, bem como sinalizam desafios e perspectivas às propostas futuras. Isso posto, entendo que a prática de pesquisa, em particular em formação continuada docente, deve e necessita ser precedida de um levantamento do conhecimento produzido sobre o assunto, visando favorecer novos entendimentos e apontar caminhos a esse processo.

2.3. As pesquisas em formação continuada de professores: algumas tendências