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Formação e desenvolvimento profissional diante dessa realidade

5.2. Possibilidades do professor frente à realidade educacional e política da formação docente

5.2.2. Formação e desenvolvimento profissional diante dessa realidade

pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional”. A formação continuada é um dos caminhos mais importantes, se não o mais importante, no que se refere ao desenvolvimento profissional do professor. Mas, somente o investimento pessoal, a motivação e o compromisso com o desenvolvimento profissional não asseguram ao professor a possibilidade de “estar em formação”.

Há diversos outros fatores, presentes na vida profissional do professor, que interferem no modo como ele se compromete com sua formação e desenvolvimento profissional, tais como as mudanças educacionais deflagradas pela implementação de políticas públicas e as pressões externas decorrentes das transformações sociais e da evolução das tecnologias. Esses fatores, de naturezas distintas, podem privilegiar as possibilidades de formação docente, ao mesmo tempo em que podem potencializar o desenvolvimento profissional do professor.

Ao refletirem sobre o impacto das mudanças educacionais no contexto da escola, os sujeitos da pesquisa evidenciam em seus depoimentos, a preocupação com a própria formação continuada, entendendo-a como condição necessária para “acompanhar as mudanças do

mundo”. Sublinham, ainda, que mudanças no que se refere à apropriação do uso das tecnologias causam desconforto e insegurança entre os professores, como mostra <E5>.

Excerto 05

QT-02: Tecnologias de Informação e Comunicação no Contexto Social e Educacional Questão 4 – E o professor, como tem encarado as mudanças na sociedade e na escola? O papel desse profissional precisa mudar frente a essa nova realidade? Justifique.

Andréia: Com bastante dificuldade, o novo assusta nos deixando inseguros. Precisamos nos

trabalhar, ir à procura do “novo” através de cursos de formação, cursos a distância e tudo mais que nos for oferecido, ou que temos que ir em busca.

Sérgio: A mudança, o novo gera desacomodação. Muitos encaram como necessidade,

oportunidade e desafio pedagógico. Outros resistem e teimam em remar contra a maré [...] É urgente e necessário que os professores usem as tecnologias, não para ilustrar um conteúdo novo com o “verniz da modernidade” e sim para criar novos desafios didáticos.

Sandra: Com “medo” de não conseguir acompanhar estas mudanças e colocá-las em

prática. O papel do professor com certeza precisa mudar, e, para isso ele necessita de uma formação continuada que o ajude a mudar sua prática pedagógica introduzindo as TIC.

Cláudia: A maioria dos colegas tem encarado essa mudança de muito mau grado, pois não

conhecem e me parece, não estão interessados em conhecer, pois todas as mudanças geram conflitos e as vezes tiram o nosso tempo livre para estudar, então isso pode ser ruim no ponto de vista de alguns. Mas o profissional que quer continuar trabalhando precisa conhecer e fazer uso dessas ferramentas. Questionário aplicado em julho de 2007

As falas de Andréia e Sandra, exibidas em <E5>, revelam o modo como o professor da rede pública de ensino tem encarado a presença das tecnologias no contexto da escola e a possibilidade de incorporá-las na prática de sala de aula. Essa mesma visão foi apresentada por Sofia, Marina e Rejane em diferentes momentos de interlocução. De acordo com as falas dessas depoentes, o “novo” (referindo-se ao uso do computador) gera medo, insegurança nos professores, e a formação continuada é o caminho que pode levá-lo a preparar-se para aceitar e apropriar-se desse “novo”.

Aspectos como insegurança e medo, relacionados à presença das tecnologias no contexto da escola e à incorporação das mesmas na prática docente, têm dificultado mudanças na escola, pois implicam na imersão do professor em uma zona de risco, tal como propõe Penteado (1997). Além disso, considero que isso tem se constituído em obstáculo para a mudança da cultura e prática docente na escola pública, visto que levam o professor a recusar- se a vivenciar práticas formativas baseadas no uso desses recursos.

No depoimento de Sérgio há um aspecto diferente, que diz respeito à visão dele com relação ao “novo” e a mudança da prática. Para ele a “mudança, o novo gera desacomodação” e muitos professores “encaram como necessidade, oportunidade e desafio pedagógico”. Essa mesma visão foi evidenciada por Melissa, Clara e Pedro.

Esse modo de encarar a presença da tecnologia no âmbito da escola, entendendo-a como um desafio e uma oportunidade de desenvolvimento profissional, foi destacado no trabalho de Penteado (2004). Para essa autora o uso de tecnologias na escola pode levar o professor a expandir suas idéias matemáticas, bem como buscar desenvolver novas formas de trabalho pedagógico em sala de aula, isto é, desenvolver dinâmicas de aprendizagem diferenciadas com os alunos.

Já o depoimento de Cláudia e parte da fala de Sérgio indicam que há, entre professores da rede pública, pouca aceitação no que se refere à incorporação de novos recursos à prática, pelo fato de não os conhecerem. O aspecto forte desse depoimento é a questão da falta de comprometimento com prática educativa, a “acomodação” dos docentes em relação ao novo e à mudança, que foi manifestada em diferentes momentos das discussões no bate-papo.

Os depoimentos apresentados em <E6> mostram que há entre professores da rede pública do RS uma reivindicação por melhores condições de trabalho, em que eles reclamam da carga horária e da falta de tempo para participar de ações formativas. Porém, os próprios sujeitos da pesquisa admitem que esse “discurso”, muitas vezes encobre a “acomodação”, o desinteresse de muitos professores com a prática.

Excerto 06 Chat de 08/09/07

(09:48:43) Pesquisadora fala para Todos: Questão: como conciliar isso [a formação continuada e a implementação de mudanças na prática] com a carga horária a ser cumprida pelo professor, que é máxima?

(09:55:23) Pedro fala para Todos: se o problema maior é a carga horária, o que dizer então dos professores que tem pouca carga horária e não fazem nada para mudar, será que o problema está na carga horária?

(09:56:05) Melissa fala para Todos:acho que um dos maiores problemas e a falta e comprometimento com a educação.

(09:56:12) Sérgio fala para Todos:Há casos e casos. Tem professor preocupado em se atualizar para tornar as aulas atrativas, mas tem alguns que acha que o básico é suficiente. (09:56:12) Sofia fala para Todos: aí o problema está no professor ele simplesmente nao quer mudar

(09:57:01) Andréia fala para Pedro:[...] as vezes a acomodação é o maior problema

(10:00:22) Clara fala para Todos: E a nossa classe é muuuuuuito afetada por esse tipo de profissional, e é por isso que o magistério é tão desvalorizado!

Essa “acomodação”, vou chamá-la assim, mascara diversos problemas que permeiam o contexto da escola pública. Primeiramente, assinalo que não há nesses espaços uma cultura de mudança, isto é, quando o professor chega à escola, geralmente, ele é instruído de como deve trabalhar, como lidar com questões de sala de aula, que livros didáticos podem ou “devem” ser utilizados, entre outras coisas. Não lhe perguntam, entretanto, como ele gostaria de trabalhar, que projetos poderia desenvolver com os alunos das séries que lecionará, que experiências poderia compartilhar com os outros professores e que materiais, recursos considera adequados ao ensino dos conteúdos da sua área do conhecimento. Ou seja, ao chegar à escola o professor precisa adaptar-se às regras estabelecidas, à cultura existente e à hierarquia que rege as relações nesse contexto, devido a qual sua “voz” não é ouvida.

É coerente ressaltar, entretanto, que apenas “dar voz” ao professor recém chegado à escola ou ao professor que busca inovar, não assegura mudança na cultura escolar. É preciso, também, haver concordância, parceria, colaboração, incentivo e, principalmente, clareza do que se busca por meio da prática educativa e que todos “trabalhem” em favor desse objetivo.

Em contrapartida, quando algum professor experimenta, propõe uma prática educativa diferente ou faz algum trabalho pedagógico interessante, usando tecnologias, por exemplo, há colegas que o criticam e o recriminam, argumentando que “os alunos estão deixando de

aprender o conteúdo, que é o que a escola deve ensinar” (Professora SC, novembro de 2007), pois mudanças em termos da prática pedagógica em matemática, não são bem aceitas

por alguns professores. Esse aspecto evidencia o papel da cultura escolar na prática promovida pelo professor (DAYRELL, 1996).

Outro aspecto que inviabiliza o desenvolvimento profissional do professor no contexto olhado nessa pesquisa é a desvalorização do trabalho docente. O Rio Grande do Sul tem assumido uma das primeiras posições no ranking nacional dos menores salários pagos aos professores da rede pública. Com isso, os docentes precisam expandir a carga horária de trabalho, por meio de convocações (ampliação da quantidade de horas-aula) e contratos emergenciais (contrato de trabalho em que não há vínculo efetivo com o ensino público, podendo ser rompido a qualquer tempo pelo professor ou pelo Estado), restando pouco ou nada de tempo para investir em sua formação e desenvolvimento profissional. O trecho destacado no excerto subseqüente corrobora essas considerações.

Excerto 07 Chat de 08/09/07

(09:48:43) Pesquisadora fala para Todos: Questão: como conciliar isso [a formação continuada e a implementação de mudanças na prática] com a carga horária a ser cumprida pelo professor, que é máxima?

(09:49:56) Sérgio fala para Todos: a carga horária do professor é um problema muito sério (09:51:43) Sofia fala para Clara: mas como fugir da carga horária Clara???somos concursados com uma carga horária para cumprir

(10:52:51) Melissa fala para Pedro: Sabe Pedro, já estou me reoganizando em meus gastos, pois [...] tenho que trabalhar igual uma louca para suprir todos os meus gastos e isso faz com que eu fique sem tempo para pensar em meu aperfeiçoamento docente.

A desvalorização do trabalho docente no Rio Grande do Sul é agravada com as novas medidas educacionais impostas pelo Estado. No início de 2008, visando reduzir gastos com a educação, determinou-se a redução das horas de planejamento incluídas na carga horária total do professor, transferindo-as para a carga horária de sala de aula. Além disso, promoveu a

enturmação, comentada no capítulo 3 da tese. Com essas medidas minimizam-se as possibilidades de haver momentos de interação entre os docentes no interior das escolas, ao mesmo tempo em que o aumento do número de alunos por sala de aula expande o trabalho extra-classe do professor (correção de provas e trabalhos, elaboração de pareceres etc.).

No conjunto das mudanças destacadas no parágrafo anterior, outra medida político- educacional foi estabelecida. “Priorizando” o desenvolvimento dos alunos, a Secretaria Estadual de Educação do RS determinou que somente serão aceitos certificados de participação em curso de formação continuada, exigidos para a avaliação anual do professor, cujas atividades tenham sido realizadas em dias não-letivos, como período de férias, ou aos

sábados (à tarde). Essa medida veio complementar a determinação que oficializou o compromisso do Estado e da escola com a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno, na qual a prática docente em sala de aula prevalece sobre quaisquer outras atividades escolares ou ações formativas.

Considero que as medidas indicadas no último parágrafo minimizam, quando não extinguem as possibilidades do professor buscar formação, pois além de ter direito a descanso e férias, as ações formativas, cursos, seminários, entre outros, geralmente são promovidos em dias úteis, ao longo do calendário letivo. Além disso, obrigar o professor a participar de atividades formativas aos domingos e em períodos de férias, evidencia a desvalorização do professor no contexto das recentes políticas públicas do Estado e a despreocupação com a qualidade da educação promovida no Rio Grande do Sul.

Sobre isso penso que algumas contradições no âmbito das diretrizes públicas de formação de professores no Estado gaúcho podem ser superadas, na medida em que os resultados de pesquisas apontem à necessidade de políticas favoráveis à qualificação da educação, ao mesmo tempo em que os professores e a sociedade em geral pressionem o poder público a criar e implementar essas novas políticas.

Contrariando as evidências da dificuldade de promover a formação e o desenvolvimento profissional docente em função da realidade política e educacional mostrada nessa subseção, os sujeitos da pesquisa enfatizam a necessidade do professor estar em formação continuamente, visto que essa é uma exigência da sociedade atual. Ao mesmo tempo esses profissionais demonstram interesse e preocupação com a própria formação, principalmente em relação à apropriação do uso pedagógico das tecnologias, conforme mostrado em <E8> e <E9>.

Excerto 08 Chat de 08/09/07

(09:48:43) Pesquisadora fala para Todos: Questão: como conciliar isso [a formação continuada e a implementação de mudanças na prática] com a carga horária a ser cumprida pelo professor, que é máxima?

(10:41:31) Débora fala para Pedro: Concordo com você. É fácil reclamar e não fazer nada, o professor têm que se privar de certas coisas, deixar um tempo para estudar, pesquisar e meter a cara, se der errado tenta novamente. Acredito que não há aprendizado sem erros, [...], podemos trabalhar técnicas diferentes, buscar sugestões até que dê certo.

(10:41:31) Sérgio fala para Todos: Temos sempre que buscar um tempo para o aperfeiçoamento, pois quando a gente quer realmente algo e se propõe a realizar, conseguimos!

A preocupação com a formação profissional docente foi destacada, novamente, em outro momento da discussão, cuja questão geradora buscava evidenciar as concepções desses professores sobre formação continuada e sobre a possibilidade de incorporação de tecnologias na prática de sala de aula, conforme ilustra o excerto seguinte.

Excerto 09 Chat de 08/09/07

(09:59:55) Pesquisadora fala para Todos: Questão: de acordo com Lyotard “a unica chance que o homem tem para conseguir acompanhar o movimento do mundo é adaptar-se a complexidade que os avanços tecnológicos impõem a todos indistintamente”. Comente relacionando com a discussao sobre formacao continuada de professores.

(10:01:54) Melissa fala para Todos: Temos que estar em constante busca, eu particularmente, acho que tenho muito a buscar, estou repensando tantas aulas dadas, preciso ter um tempo para buscar muitas informações.

(10:04:58) Andréia fala para Todos: trabalhamos com adolescentes, temos que inovar, “acompanhar o movimento do mundo”, sem adaptação tecnológica estariamos fora... (10:51:55) Sofia fala para Pesquisadora:acho q demanda consciência tbém, consciência q somos educadores, q não podemos parar no tempo, q fazemos prte de uma sociedade e que temos nossa parte a fazer

A respeito da preocupação com a formação continuada, manifestada pelos sujeitos da pesquisa, principalmente no que se refere ao uso pedagógico das tecnologias, considero que no caso de alguns professores pode estar relacionada a interesses intrínsecos, razões pessoais e, também, comprometimento com a prática de sala de aula. Mas, conforme ressaltam Galindo e Inforsato (2007) e Rodríguez (2004), as mudanças introduzidas na legislação educacional brasileira, incluindo a exigência de que os professores busquem formação continuada, priorizam adequar os sistemas de ensino às reformas educativas neoliberais, tendo por justificativa a necessidade do desenvolvimento da educação em relação ao contexto mundial.

Em síntese, o compromisso, a preocupação com o desenvolvimento profissional, muitas vezes se insere no movimento dos discursos oficiais, que preconizam a necessidade do professor “estar” em contínua formação para acompanhar as transformações do mundo e o desenvolvimento científico e tecnológico. Quando Andréia afirma “temos que inovar,

‘acompanhar o movimento do mundo’, sem adaptação tecnológica estaríamos fora...”, o compromisso com a formação, que deveria estar associado à prática, é dissolvido no discurso da necessidade de inovação para corresponder às transformações, a evolução do mundo, revelando a contradição que permeia a questão da formação de professores no Brasil. Discurso semelhante foi encontrado nos depoimentos de Melissa, Marina, Rejane e Sérgio em diversos momentos do Curso.

Em outras palavras, a preocupação dos professores com a formação continuada e, também, com a formação tecnológica, não está diretamente relacionada com seu compromisso com a prática promovida em sala de aula e com o desenvolvimento dos alunos, mas, principalmente, é resultado de pressões externas da sociedade e das políticas públicas. Com isso, muitas vezes o discurso do professor sobre a necessidade de estar em formação acaba reproduzindo discursos oficiais ou chavões.

Além disso, em interlocuções informais os sujeitos da pesquisa manifestaram indignação com a falta de apoio e incentivo dos gestores escolares com relação à formação docente. Muitos professores são impossibilitados de participar de atividades formativas ou eventos na área de educação, pois não há quem os substitua em sala de aula. Como no projeto político pedagógico das escolas e na legislação estadual gaúcha a prática pedagógica prevalece sobre atividades formativas ou reuniões administrativas, os professores são impedidos de afastar-se das atividades de sala de aula, caso a escola não disponha de profissionais para substituí-los sem prejuízo ao desenvolvimento dos alunos. E, como as escolas não mais dispõem de professores substitutos, devido às mudanças político- educacionais no Estado, o docente é impedido de buscar ações e práticas formativas que favoreçam o desenvolvimento profissional docente.

Conforme destacado nessa subseção, as possibilidades do professor da rede pública do Estado gaúcho buscar programas de formação continuada, priorizando o desenvolvimento profissional docente, são limitadas. Em contrapartida, o professor, pela fala dos sujeitos da pesquisa, está consciente da necessidade de buscar subsídios, vivenciar experiências formativas que lhe permitam desenvolver novas práticas. Com isso e assumindo que as tecnologias podem favorecer novas práticas educativas, cabe questionar: diante da realidade apresentada, quais são as perspectivas desses professores em relação à formação para uso pedagógico das tecnologias?

5.2.3. Perspectivas em relação à formação pedagógico-tecnológica em