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Cena 3 – Batalha individual do Breakdance: Movimento que supera movimento

4 “Superar-se”: a importância da competência em performance

4.1 Cenas que revelam e desvelam suas competências: Competências em diferentes gêneros de performance

4.1.3 Cena 3 – Batalha individual do Breakdance: Movimento que supera movimento

Praça do Tacaruna. Final de tarde. Dia de breakdance. Muitos meninos disputando um lugar no encerado, uma espécie de tapete de plástico de grande proporção que possibilita aos dançarinos fazerem movimentos e manobras com mais segurança e agilidade. Cheguei do Bairro do Arruda e sentei num dos bancos da praça, observando a dinâmica entre os dançarinos.

O breakdance, dança urbana disseminada pelos principais centros urbanos do mundo, o

rap, e o grafite compõem a chamada “Cultura Hip-Hop”143, na qual o break representa a expressão corporal pela dança, o grafite, a arte plástica e o rap, a poesia e a expressão musical e verbal. Desde seu nascimento nos bairros discriminados dos EUA, o breakdance se apresenta hoje em inúmeros estilos, sendo especialmente apropriado e recriado por grupos de jovens de periferia, com uma proposta de estética própria, em que os “movimentos”, uma série de passos feitos em conjunto pelo B’boy ou B’girl (dançarinos do break) constituem-se num desafio corporal que envolve valores do grupo local e da “cultura Hip-Hop”. Algumas versões apontam o break como uma dança inventada pelos porto-riquenhos, através da qual expressavam sua insatisfação com a política e a guerra do Vietnã. Tem inspiração, entre outras

142Especialmente em eventos maiores, o profissionalismo, traduzido como competência, não falhar durante o espetáculo, faz parte das exigências dos promotores culturais e da própria ONG, que incentiva o grupo a dar o seu melhor no desempenho frente ao público. Veremos, no capítulo final, que o espetáculo Resistência/Resistence, por exemplo, prima e tem qualidade excelente.

143 A cultura hip hop, segundo os próprios participantes do movimento, seria formada pelos seguintes elementos: O rap, o graffiti e o break, e o DJ. Rap - rhythm and poetry, ou seja, ritmo e poesia, que é a expressão musical- verbal da cultura; Graffiti - que representa a arte plástica, expressa por desenhos coloridos feitos por grafiteiros, nas ruas das cidades; Breakdance representa a dança. O DJ representa o pensamento e a animação. Algumas versões, da qual muitos dos breakdancers e rappers que trabalhei são adeptos, indicam um quinto elemento, que seria o aspecto político do movimento hip-hop.

coisas, em movimentos de artes marciais, como o Kung Fu. Segundo esta versão, o break se alastrou, junto com as gangues de Nova York, que por volta do final da década de 60, respondia à opressão social com violência brutal. Era comum o confronto armado. Por tradição norte-americana, os grupos étnicos não se misturavam, formando gangues de hispânicos e gangues de negros, cada qual com seu código de grupo, o chamado tag (assinatura dos grafiteiros), e demarcavam os territórios com Grafites nos muros dos bairros de Nova York. Contudo, nos momentos de descontração, essas gangues dançavam o break.

Há uma concordância geral entre os breakdancers que a dança, como chegou ao Brasil, é uma mistura de diferentes gêneros de dança: o Up Rocking, criado pelos dançarinos Ruber Band e Apache, em Brooklyn (NY) entre 1967 e 1969; o Locking criado por Don Campbellock no final dos anos 60, em Los Angeles; o Popping criado por Boogaloo Sam, natural de Fresno (Califórnia). O popping144 ainda se mantém vivo nas ruas das grandes cidades e é conhecido como Old School. Finalmente temos o Breaking, desenvolvido pelos garotos do bairro do Bronx (NY) entre 1975 e 1976, nas festas de rua ao som dos rítmos latinos, soul, funk e jazz145. O breaking foi evoluindo, e se misturando com os demais estilos para o que hoje se reconhece no Brasil como breakdance, também chamado de New School do Break.

O break pode ser considerado na atualidade, um gênero de dança globalizado, já que se difundiu por inúmeras cidades no mundo como uma linguagem dos grupos de jovens de diferentes condições sociais, mas especialmente dos grupos de periferia e dos guetos. Durante minha pesquisa, pude assistir, com os dancarinos do Arruda, a vários filmes sobre batalhas de

break nos Estados Unidos, Japão, Coréia, e especialmente de outros estados brasileiros, como

São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, cujos estilos eram detalhadamente analisados pelos dançarinos. Cada país, cada grupo, ou se assim se pode dizer, cada dançarino dentro de um

144 O popping surgiu no início dos anos 70 e é a evolução de uma dança antiga, o Robot (cópia dos movimentos mecânicos de um robô). Mas o estilo ficou muito mais complexo; apropria-se de movimentos de ilusão, mímica, clown (palhaço), desenhos animados e dança indiana. Também foi inspirado por passos usados pelo cantor James Brown que ele mesmo chamava de Boogaloo (fazendo ondas pelo corpo). Boogaloo Sam (do grupo Electric Boogaloo, irmão de Popping Pete que atuou no filme Break Dance, no clipe Beat It de Michael Jackson entre tantos outros), eletrificou o Robot e somou ao Boogaloo de James Brown. Do Poppin' também surgiu um passo muito conhecido e usado por Michael Jackson, originalmente Back-Slide (deslizar pra trás), e Moonwalk como foi chamado por Michael, quando se desliza pra frente. Apesar de ser criado em Fresno, muitas cidades da região como Bakersfield, Sacramento e Compton, desenvolveram seu estilo e passos próprios no Popping. Isso ajudou a desenvolver a dança mais ainda. Grandes dançarinos da segunda geração, como Boogaloo Shrimp (Turbo no filme Break Dance) e Poopin' Taco (filme Break Dance) ficaram conhecidos no mundo inteiro por causa de suas inovações no poppin'. Muitos dançarinos da primeira geração como Poppin' Pete, Skeeter Rabit continuam na ativa até hoje e viajam o mundo passando o popping para as próximas gerações. Ver site. http://www.pcg.com.br/eblack/02.htm visitado em Janeiro de 2008.

grupo, cria seu próprio estilo de dançar. Tanto que um dos maiores desafios da dança é o dançarino desenvolver, dentro do estilo do grupo onde treina, um estilo próprio, desenvolvendo passos considerados como seus.

Voltando ao evento: terminado o período das aulas na Praça de Tacaruna, muitos dos meninos que treinavam, foram embora e apenas os mais instigados146 permaneciam, como de costume, até bem mais tarde. Aproveitando o encerado que ficara com um deles, dois meninos iniciaram um desafio147. Como deve ser em todo o desafio do break, os meninos seguiam os quatro fundamentos de movimentos corporais, que inspiraram seus passos dentro de uma performance de break, e pelo qual são avaliados, sejam estes: o top rock (preparação): são os passos iniciais da performance, feitas ainda quando o dançarino está de pé. Usando intensamente os pés, combinam passos de funk estilizados. A esse passo os garotos chamam gingado. O sequência seria passos classificados como footwork (trabalho dos pés): são movimentos que privilegiam os uso dos pés no solo, combinado com apoio das mãos; ao final o dançarino deve entrar com um freeze (congelamento) que se trata de movimentos rápidos com paradas repetidas e usado na finalização da performance do b’boy ou da b’girl. Além desses movimentos que compõem a dança, existem os power moves (movimentos de poder) que se referem normalmente a movimentos giratórios e continuados, acrobáticos. Giros, saltos, acrobacias e todos os movimentos de ginástica são incluidos aqui. Não é considerado parte da dança, mas é um dos momentos em que o performer tem mais liberdade para criar, misturar técnicas distintas; são movimentos de dificuldade e velocidade que somados à dança conferem mais competência ao B’boy ou a B’girl.

Muito embora os meninos e meninas do Arruda e Santo Amaro desenvolvam todos os passos da performance do break, fazem parte do que se chama de New School, ou seja, interpretam e praticam um break mais voltado para a criatividade, que aquele que se apegaria mais aos passos tradicionais do gênero chamado de Old School ou popping. Apesar de todo essa especialização dos movimentos, considera-se que o breakdancer é aquele que dança na batida do beat. No entanto, no julgamento do dançarino, é a sua capacidade de cumprir a sequência de passos e também de criar um estilo próprio que vai ser levado em consideração.

146 Termo bastante usado para referir-se a quem esta motivado para a batalha.

147 Termo usado pelos dançarinos para referir-se tanto a uma batalha formalizada de break, quanto para uma batalha que surge de um encontro de dois dançarinos que gostam de desafiar-se nas suas capacidades.

Como público no evento da batalha, os dois adolescentes têm alguns transeuntes curiosos que esperavam pelo ônibus, que furtivamente observavam e os colegas, também conhecedores da dança. Mato Veio (14), entrou no encerado e chamou Ítalo (13) com o olhar. Ítalo entrou também e os dois fizeram um cumprimento de mão. Ítalo saiu imediatamente e Mato Veio iniciou sua série de passos do break. Cumprindo as etapas exigidas na performance de break, cada um dos dançarinos iniciou sua performance com o gingado, passando para o

foot-work, acrescentam vários passos e manobras caracterizadas como free style e finalmente

fazem o fechamento com o freeze. Mato Veio tem grande habilidade no passo que chamam de “passa o pé”, em que o dançarino segura com a mãe esquerda o pé direito e passa o outro pé por dentro desse arco, sem cair ao solo. Esse passo, como muitos outros, exige rapidez e equilíbrio para que o dançarino não caia. Mato Veio faz repetidas vezes o mesmo movimento. Terminado esse passo, passa para giros de mão, para os

quais o dançarino lança-se no encerado apoiando-se em apenas uma das mãos, que vai ao solo. Mato Veio faz, então, os chamados “pulinhos de mão”, ou seja, nessa mesma posição, apoiado apenas numa das mãos, faz um movimento para cima de tal modo a tirar todo o corpo do solo, repetidas vezes, não deixando-se cair. Quanto mais vezes o dançarino for capaz de fazer esse movimento, tanto mais demonstrará sua força e sua capacidade de equilíbrio. MatoVeio faz uma série desses movimentos e, ao final, pula sobre os dois pés, caindo firmemente ao solo, olhando diretamente ao seu companheiro de batalha.

Ítalo não desvia os olhos dos movimentos feitos pelo companheiro durante o período que esse

permaneceu no encerado. Assim que Ítalo encontra diretamente os olhos de Mato Veio, que sinaliza com um freeze o final da

primeira parte da sua performance, entra gingando com seu próprio estilo. O gingado de Ítalo se diferencia do de Mato Veio por manter as pernas mais abertas, aproximando mais o centro do corpo ao solo. Depois passa para um foot-work, e para algumas das variações do freestyle. A performance de Ítalo se caracteriza pelos saltos acrobáticos. Aprendeu a dar saltos mortais desde bem pequeno, escondido de sua mãe, e gosta de usá-los na sua performance. Entra com

Ítalo ginga