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6 Campo teórico-metodológico da pesquisa.

5. Keying atos performáticos são momentos de ruptura do fluxo normal de comunicação, momentos sinalizados (ou keyed) para marcar o evento da performance, para chamar a

6.2.2 Competências em comunidades de performance

Para alguns autores que trabalham com os estudos de performance, como Richard Bauman (1992, 1990), Charles Briggs (1988), Del Hymes (1972), e Richard Schechner (2002), a performance é um campo de análise da estética e, consequentemente, do virtuosismo humano. Conforme vimos, para Bauman, fazer uma performance envolve assumir responsabilidade para a competência, exibindo talento e técnica para falar e agir de maneira apropriada frente a um público que o avalia (Bauman,1977, 1990, Briggs, 1988). Desse modo, o virtuosismo está vinculado sempre à uma platéia que avalia o performer. O conceito de

competência também está associado à fala e aquisição de linguagem (Briggs,1986). Tais conceitos usados por Bauman (1977) e por Briggs (1988) se originam do conceito de competência lingüística, nos termos do sociolingüista Dell Hymes (1972: 19), como um virtuosismo no uso da língua. Segundo Bauman and Briggs (1990), para Dell Hymes

performance consiste em uma autorizada exposição da competência comunicativa. Nesse

sentido, a autoridade do narrador coloca-se como fundamental nas análises de performance. Hymes enfatiza a autoridade do performer, a que está baseada, pelo menos em parte, no conhecimento, habilidade e direito para controlar o recentramento dos textos valorizados num determinado grupo.

Segundo os autores acima a relação entre platéia e performer é um os aspectos centrais na produção de uma performance, o que permite sugerir que como nas teorias de performance a relação “estetizada/gestual” com o outro (e eu diria, consigo mesmo) é fundamental.

A competência comunicativa, conceito desenvolvido por Dell Hymes (1972) em reação ao conceito de competência linguística e performance de Chomsky40, aponta para a força ilocucionária. Dell Hymes (1972) define competência comunicativa como a capacidade cultural dos falantes para compreender e produzir enunciados adequados a intenções diversas de comunicação em comunidades de fala concretas. Expandindo o conceito de competência para além do conhecimento linguístico (a gramática) e defendendo a habilidade do uso da língua, Dell Hymes inclui componentes sócio-culturais e psicológicos que interferem no uso da linguagem. A competência comunicativa deveria incluir, além do conhecimento lingüístico, a habilidade de uso da linguagem (Bauman, 1992:42), implicada nas normas sociais e culturais que regem os usos linguísticos, determinando a adequação ou inadequação dos atos comunicativos. Baseado nesses argumentos de competência, Hymes define comunidade de

fala, um importante conceito entre os sociologüistas, e o traz para o uso na antropologia.

Segundo Hymes (1984) os membros de uma comunidade lingüística partilham, ao mesmo

40 Para Chomsky, o conceito de competência linguística distingue-se da performance linguística efectiva do

conjunto dos falantes de uma dada língua, porque a infinidade das possibilidades contidas na competência linguística opõe-se à natureza finita das performances, limitadas pelas capacidades da memória. Esses impedem, por exemplo, a produção/interpretação de frases infinitamente extensas. Embora Chomsky reconheça que essa diferença vem do fato que algumas performances dos falantes não derivam somente da competência linguística, mas baseiam-se no conhecimento do mundo e na prática das relações sociais humanas, para ele, o conceito de competência está associado à gramática. Nos seus trabalhos mais recentes, como Knowledge of Language (1986), Chomsky usa já expressões como “sistema de conhecimento” (system of knowledge) ou l- language em substituição do conceito de competência.

tempo, de uma competência de dois tipos: um saber lingüístico e um saber sociolingüístico, ou ainda, um conhecimento conjugado das normas gramaticais e das normas de emprego.

A definição de comunidade de fala de Hymes supera outras definições como a de Labov e Bloomfield, entre outros. Diferentemente de Labov, para Hymes (1972) e Gumperz (1982), o compartilhamento de normas não implica respeito ao comportamento de avaliação dos falantes frente às variáveis lingüísticas, mas sim às normas sociais e pragmáticas que presidem a interação e afetam diretamente a interpretação da fala pelos falantes. Um conceito que também tenta superar o conceito de comunidade de fala como comunidade lingüística no sentido de Labov, é a “comunidade de prática”41. Introduzido na sociolingüística nas pesquisas de linguagem e gênero inicialmente por Eckert & McConnel-Ginnet (1992), para Wenger (1998), o engajamento mútuo (mutual engagement) é o primeiro aspecto fundamental da prática, o que garante coerência à uma comunidade. “Practice resides in a community of people and relations of mutual engagement by which they can do whatever they do”. (Wenger, 1998: 73).

Muito embora entenda que o conceito de “comunidade” não parece adequado para um estudo nas sociedades complexas42, onde circulam uma variedade de valores e práticas bastante

heterogêneas, considero produtivo pensar que existe entre os performers e sua audiência, uma série de regras e códigos sociais compartilhados que incluem conhecimento de competências. Aproveitando, assim, o conceito de “comunidade de fala” de Dell Hymes, e o de comunidade de prática de Wenger (1998), considero que o grupo de performers, que compartilham noções de competência em performances e desafiam-se nelas, podem ser definidos como “comunidades de performance”. Nessa, se incluiriam aqueles que compartilham noções de

41 Cumpre assinalar que para compreender a definição de comunidade de prática, é necessário situar a noção de

prática: “the concept of practice connotes doing, but not just doing in and of itself. It is doing in a historical and social context that gives structure and meaning to what we do. In this sense, practice is always social practice”. (Wenger, 1998: 47).

42 A idéia de “comunidade” parece bastante polêmica, especialmente por causa dos estudos de comunidade, os

que marcaram presença no Brasil nas décadas de 40 e 50, caracterizados enquanto projetos de levantamento e análise de longo alcance, visando futuras intervenções dos governos federal e estaduais. A metodologia dos estudos de comunidade surge nos anos 20, nos Estados Unidos, tendo como marco o trabalho de Robert Lynd e Helen Lynd, que, em 1929 empreenderam uma pesquisa em uma “pequena cidade” do estado de Missouri/EUA. Não dão conta, porém, do fato de que "as relações culturais estão submersas em relações de poder " e, como tais, dizem respeito a realidades mais amplas, estruturadas em torno de relações de classe e baseadas em mecanismos de desigualdade e dominação. Ver, a respeito, Josildeth da S. Gomes. "A educação nos estudos de comunidade no Brasil. Educação e Ciências Sociais." Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais - CBPE. Ano 1, Nº. 2, Rio de Janeiro, agosto de 1956, vol. 1.

competência em performance, especialmente os que fazem e entendem minimamente dos vários tipos de expressões que fazem parte do repertório do grupo e sua audiência de modo geral, mas também os que participam na definição dessas regras e códigos, especialmente porque os avaliam.

Neste contexto, busco explicitar o que é um bom performer para o grupo, e como compartilham essas regras. Para analisar competências, é preciso entender em que gênero elas se incluem e como o grupo entende e performa tal gênero, em que sentido está sendo enquadrado no exato momento em que acontece. Sendo sempre um determinado gênero socialmente construído pela linguagem e configurado pelo contexto sócio-histórico em que é engendrado (Bauman and Briggs,1990), não podemos nos ater nas performances, propriamente ditas, mas pensar em que contexto elas se instauram e como são acionadas por quais sujeitos.