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O cerco da cidade pelo campo/o cerco do campo pela cidade

OU QUEM PAGA AS CONTAS DO MILAGRE

ESNI ESG

4.2 O cerco da cidade pelo campo/o cerco do campo pela cidade

Edward Soja (1993, p.115) lembra que “a luta de classes precisa abarcar e se concentrar no ponto vulnerável: a produção do espaço, a estrutura territorial da exploração e dominação”. A derrocada da guerrilha, em 1974, não representou apenas sua derrota militar, mas o êxito de uma estratégia de controle territorial.

No cerne dessa estratégia, a informação. Como informa Gabeira (1978 apud KOSHIYAMA, 1984, p.82), os órgãos de informação dispunham de “alguns peritos em informação e literatura interditadas à maioria da população” que “conhecem as organizações, que lêem tudo que você diz, confrontando com tudo que já foi dito sobre a organização que

você pertence, vêem as contradições e devolvem em forma de bilhete com reorientação sobre como te interrogar, por onde insistir”.

Com base nessas leituras do index e dos documentos apreendidos a cada queda de “aparelho”, o establishment forjou uma conceituação de GRC. Como vimos, a esquerda armada sofria a influência da experiência chinesa de cerco da cidade pelo campo e a influência cubana do foco guerrilheiro. Ambas as táticas têm em comum o fato de se

Nas condições atuais do mundo e do Brasil, o caminho da luta armada libertadora do povo brasileiro é a guerra popular, fazendo a guerra de guerrilhas, construindo passo a passo o exército popular, criando bases de apoio, cercará as cidades pouco a pouco e, combinando a luta no campo com a luta nas cidades e a luta armada com as outras formas de luta, conquistará seguramente a vitória.

Outra era a avaliação tática da VAR-PALMARES (1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.345-347 passim), plena de componentes geoestratégicos/geopolíticos:

A guerra revolucionária é um processo global que comporta várias formas de luta e de organização, que se combinam e se complementam. Combiná-las, no tempo e no

espaço, implica determinar quais as principais e quais as secundárias [...] O aspecto

principal da guerra de guerrilhas está, pois, no campo, não porque os camponeses sejam a classe dirigente da revolução, mas porque aí se localiza o elo mais fraco do Estado burguês. A guerrilha urbana coexiste com o aparelho repressivo, uma atuando na superfície e outra nos subterrâneos da sociedade. A clandestinidade, indispensável à sobrevivência da luta urbana, impede a atuação contínua, ao contrário do que ocorre no campo, onde existem condições para a criação de um destacamento político-militar atuando contínua e abertamente. Aí o caráter determinante da guerrilha rural na atual etapa da defensiva estratégica.

Para essa organização, o Brasil era, ao fim da década de 1960, “um país extenso e desigualmente desenvolvido, de população rarefeita, onde é profundo o contraste entre as regiões rurais e urbanas, onde são marcantes as diversidades regionais”. Nessas condições geopolíticas, “não se trata de ganhar e conservar regiões que não podem ser defendidas. Ao contrário, cede-se terreno para durar no tempo e manter aceso o programa político revolucionário”. A barganha de espaço por tempo, proposta pela VAR-PALMARES, em 1969, ignora o fato de que não existe movimento sem território.

A VPR (1969 apud REIS FILHO; SÁ, 2006, p.297-298 passim) sistematizaria a posição já adotada na prática por essa e outras organizações. Nessa perspectiva, não se pode negar que “a cidade é o palco principal da vida econômica e política do país” e, se “não podemos transformar, na cidade e na fase inicial da luta, o apoio popular em força organizada”, há “formas de luta na cidade”. De fato, há que se considerar que “toda realidade nova exige novos conceitos e uma discussão em termos de conceitos que pertencem a uma realidade ultrapassada somente pode levar ao dogmatismo (com o conceito transpõe-se uma realidade ultrapassada) ou à confusão”.

O que essa organização constatava era a acelerada urbanização em série, desencadeada pelo regime, que colocara em prática os “princípios da teoria estratégica”, estabelecidos por Aron (1986, p.699):

O princípio da concentração das forças (evitar a dispersão); o princípio do objetivo (escolher um plano e cumpri-lo, resistindo às pressões adversas; da perseguição (perseguir vigorosamente as vantagens obtidas); da ofensiva (aproveitar a iniciativa, no momento oportuno, e explorá-la plenamente para forçar uma decisão); da segurança (proteger suas forças e linhas de comunicação contra um ataque-surpresa do inimigo); da surpresa (enganar o inimigo a respeito de nossas intenções); da economia de forças (empregar plenamente todas as forças disponíveis).

Assim, se como Becker; Egler (1998, p.144) apontam, “as políticas para a integração do território visaram à remoção dos obstáculos materiais e ideológicos à expansão capitalista moderna”, é certo que elas tinham uma contribuição a dar ao combate ao terror.

Assim, é compreensível o romantismo das esquerdas militaristas, que, ao criticar “a civilização capitalista moderna”, o faziam “em nome de valores e ideais do passado (pré- capitalista, pré-moderno)”95, buscando, no passado, elementos para a elaboração da utopia futura. As especificidades da urbanização brasileira (e a violência material e simbólica que desencadeou) levaram alguns setores sociais a identificar no urbano a modernidade da Revolução de 1964, o mal a ser combatido.

Há aqui o (re) conhecimento de que

[...] a especificidade mais fundamental do urbano provém da conjunção da nodalidade, do espaço e do poder. As cidades são aglomerações nodais especializadas, construídas em torno da instrumental ‘disponibilidade de presença’ do poder social. Elas são centros de controle, cidadelas concebidas para proteger e dominar, através [...] de ‘pequenas táticas do habitat’, mediante uma geografia sutil de recantos fechados, confinamento, vigilância, compartimentalização, disciplina social e diferenciação espacial (SOJA, 1993, p.186-187).

A construção de rodovias, ferrovias ou portos significou a redução dos custos de distribuição e a construção e expansão de refinarias, usinas siderúrgicas e hidrelétricas, a ampliação da oferta de insumos básicos. Esses investimentos maximizaram os lucros do capital, favorecendo a maior acumulação.

Em setembro de 1973, o presidente Médici sancionaria a Lei 5.917, estabelecendo o PNV, cujo objetivo essencial era “permitir o estabelecimento da infra-estrutura de um sistema viário

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integrado, assim como as bases para planos globais de transportes que atendam, pelo menor custo, às necessidades do País, sob o múltiplo aspecto econômico-social-político-militar96”.

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complementares; b) estrutura operacional, abrangendo o conjunto de atividades e meios estatais de administração, inclusive fiscalização, que atuam diretamente no modo rodoviário de transporte e que possibilitam o uso adequado das rodovias (Lei 5.917, Anexo, item 2.1).

O PNV (1973) materializou os ideais inscritos na DSN, do desenvolvimento como fonte de segurança interna e da integração nacional. Assim, aos olhos do regime autoritário, são, efetivamente, “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais”, na Amazônia Legal, as grandes rodovias, como a Transamazônica (BR-230), inaugurada em agosto de 1972. A idéia era rasgar a selva num percurso de oito mil quilômetros de pavimentação, no escopo da palavra da ordem: “integrar para não entregar”.

Nesse processo, o crescimento das atividades econômicas justificou novos investimentos em infra-estrutura que, por seu turno, possibilitaram nova expansão produtiva. A logística passou a ser entendida como “preparação contínua dos meios para a guerra97 – ou para a competição – expressa num fluxograma de um sistema de vetores de produção, transportes e execução” (BECKER, 1993, p.60).

Essas obras, apresentadas como “indispensáveis ao progresso”, necessárias para integrar regiões ou para assegurar o “crescimento da renda nacional”, tiveram forte choque sobre a estrutura espacial da economia, incrementando o comércio inter-regional, para todas as regiões brasileiras, aumentando-lhes o grau inter-regional (até então incipiente) de complementaridade. A rede de circulação de mercadorias cristalizou-se em grandes eixos rodoviários, que, delimitando a área de mercado integrada, convergiram para o Centro-Sul (Mapa 4).

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produtivas estratégicas) cristalizaram no espaço:

• A desconcentração, ampliação e diversificação das atividades industriais, com o surgimento de centros industriais diversificados e especializados.

• A modernização e capitalização do campo, com a constituição de complexos agroindustriais.

• As inovações organizacionais junto aos setores industriais, comerciais e de serviços, com destaque para a terciarização e para a constituição de grandes corporações empresariais.

• A ampliação de uma base técnica associada, primordialmente, aos transportes e às comunicações, que possibilitou a diversificação das interações espaciais, também associada à produção e distribuição de energia.

• A incorporação de novas áreas ao processo produtivo global e a refuncionalização de outras áreas, com destaque para as especializações regionais das atividades.

• Os novos padrões de mobilidade espacial da população; o aumento quantitativo e qualitativo da urbanização; e uma estratificação social mas ampla e complexa, gerando maior fragmentação social, ampliação das classes médias e aumento do consumo.

Com isso, ocorreu uma crescente complexificação funcional dos centros urbanos, intensificando-se a articulação entre centros e regiões, em novos padrões espaciais da rede e novas formas de urbanização. Eclodiu, destarte, um novo Brasil urbano, com radicais mudanças no conteúdo e nas formas de uso do espaço. Em poucas décadas, o Brasil apresentou um ritmo urbano extremamente dinâmico, devido à metropolização e à expansão e adensamento da estrutura urbana.

Em função da logística, o território foi reorganizado em novas “redes de circulação de mercadorias, distribuição de energia elétrica e de telecomunicações” que transformaram as “estruturas espaciais pretéritas” e construíram “formas adequadas ao processo de produção e gestão da empresa capitalista em sua fase avançada” (EGLER, 2001, p.48).

A criação de novas cidades, como pontas de lança ao longo das novas rodovias, atacava, duplamente, as organizações de esquerda armada. “Os guerrilheiros estavam fechados num círculo de giz, cada vez menor”, sintetiza Fernandes Júnior (2004, p.31). Um exemplo disso: a guerrilha do Araguaia, empreendida pelo PCdoB (Mapa.

O livro A guerrilha do Araguaia e seus mitos, elaborado pelo grupo TERNUMA (2007) é um tratado de geopolítica, que se fundamenta em documentos internos do PCdoB. De início, é questionada a localização geografia da tentativa de guerra popular revolucionária (na verdade, apenas um foco) na Região do “Bico do Papagaio” (SW do Pará, SE do Amazonas e N do atual Tocantins). Mesmo antes da infiltração de militantes do PC do B para a montagem da área (1966/1967), ela já fora objeto de ações esporádicas de Operações de Inteligência, em função de conflitos de terra potenciais (heranças de Trombas e Formoso) e indícios de provável atuação de organizações terroristas. A Operação Carajás, um exercício com tropa, efetuado em 1970, deveria ser um “verdadeiro alerta aos homens de bom senso”. Além de insana, a esquerda armada era “blanquista”98 e anti-marxista, posto que

[...] iniciar uma luta contra as Forças Armadas com 60 neófitos, sem noção de comando; com parcos conhecimentos militares e nenhuma convivência com a selva; em área circunscrita e sujeita ao cerco tático e estratégico; era caminhar para o destino inexorável - a derrota, uma mera questão de tempo. Aceitar a luta, em 1972, foi insanidade e ausência completa de uma análise marxista das condições objetivas e subjetivas do momento histórico em que se adentrava, com a fragorosa e certa derrota das OPMs, nas áreas urbanas; o começo das ações contra o próprio PC do B e o clima de euforia do “Milagre Econômico”, então vigente (TERNUMA, 2007, p.24).

Assim, o olho que controla o território vê a frustrada tentativa da montagem de três áreas de apoio periféricas, entre 1966 e 1972, em Goiás, Maranhão e Bahia. O exército popular estava completamente afastado do povo que pretendia representar: aderiram à guerrilha 11 camponeses, dos quais dois desertaram e um foi “justiçado”, com mais 30 colaboradores, em uma população de 20.000 habitantes, a luta teria 0,2 % de apoio popular99. Se a área que se pretendia atingir era bastante extensa (6.500 km²), ficava próxima a Marabá e São João do Araguaia (PA), a São Geraldo do Araguaia, Araguatins e Xambioá (GO). Contribuía para o

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Em todo o texto, é trivial o emprego de um jargão “marxista”.

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Apesar em 25 de maio, de 1972, o PCdoB criaria a ULDP, com um programa de 27 pontos, na busca de apoio da população.

isolamento da guerrilha o fato de o Exército oferecer mil cruzeiros por “paulista”100 capturado, dinheiro suficiente para a compra de um pedaço de terra (GASPARI, 2002).

Para manter o controle do território, novos assentamentos surgiam ao longo dos grandes eixos que avançavam à Amazônia, estabelecidos pela alta tecnificação da agropecuária. A dispersão urbana, segundo Egler (2001, p.43), aconteceu a partir da formação “de uma ampla frente urbana de interiorização correspondente às grandes capitais estaduais do centro-norte, que balizam a urbanização no interior como pontos de contato e intermediação entre as bordas da cidade mundial e áreas de avanço da fronteira” e da fronteira que incluiu centros regionais e locais que se constituíram na “base logística das frentes de expansão agropecuárias e minerais” e “o crescimento explosivo de pequenos núcleos dispersos vinculados à abertura da floresta ou a garimpos”, que se constituíram em “locais de reprodução da força de trabalho móvel, razão pela qual muitos são também efêmeros, deslocando-se com o movimento das frentes de povoamento”. Era o cerco do campo pela cidade.

Em um cerco tático e estratégico, no Natal de 1973, sob a chefia do CIE, as tropas entram na selva num movimento em arco para evitar fugas, no qual caem 23 guerrilheiros101. Um ano depois, a morte de 59 guerrilheiros e 10 moradores locais poria um ponto final na “aventura” maoísta no Brasil e marcaria o domínio do território-corpo sobre os corpos-território dissidentes da representação política hegemônica do Brasil Grande.

Em breve, modernos tratores apagariam quaisquer sinais dessa presença “estrangeira” nos solos pátrios. A expansão da fronteira agrícola contra o bioma cerrado das áreas centrais do Brasil, favorecida pela difusão da pavimentação rodoviária, impactaria, fortemente, a produção agropecuária de Goiás, do antigo Mato Grosso, do atual Mato Grosso do Sul, em que a área de lavouras temporárias e da produção de arroz e de soja alçaria taxas anuais superiores a 20% (CASTRO, 2002).

No âmbito do Plano, os GPIs afirmar-se-iam como alternativa estratégica à integração nacional e à alavancagem do Brasil na arena internacional102. Para a tecnoburocracia, o

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“Paulista” era o termo usado pelos habitantes locais para designar os militantes do PCdoB.

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Passarinho (2006) afirma que, em fins de 1973, o general Antônio Bandeira, que fora comandante da campanha do Araguaia, lhe procurou, dizendo que tinha “cinco rapazes arrependidos que queriam uma chance de se reintegrar” e que ele, como ministro da Educação à época, recebera no MEC, o que levanta a hipótese de que alguns desaparecidos políticos do Araguaia ainda estarem vivos e com nova identidade, graças à benemerência do regime com seus “filhos pródigos”.

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Velloso (1977) afirma serem cerca de 100 os grandes projetos em execução em insumos básicos e bens de capital, que, no período 1975-1980, com um investimento de mais de Cr$ 300 bilhões (a preços de 1976).

contato da população rural com as “modernidades”, libertaria seu espírito do atraso. Esses demandavam a devastação dos biomas (com destaque para o cerrado, dominante no interior do país) e a utilização em larga escala de insumos agrícolas, via de regra importados, com a concomitante geração de poluentes hídricos e atmosféricos. Ademais, a mecanização do campo, com a constituição dos CAIs, expulsou do campo enormes contingentes de trabalhadores rurais, rendeiros, parceiros e pequenos proprietários de toda a sorte, jogando-os às periferias urbanas, onde – pregava a ideologia vigente – havia melhores condições de vida e acesso à saúde, educação e empregos. Em decorrência, também, desses fluxos migratórios, no final da década de 1960, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural, chegando a 55,92% (IBGE, 1971).

Enquanto Estado e capital promoviam o surgimento de novas cidades, os grandes centros urbanos brasileiros não eram esquecidos. Eles foram alvo de toda uma geopolítica, destinada a controlá-los a serviço do capital. A própria transformação desses núcleos em metrópoles, outro ato do regime autoritário, visava à sua perda de autonomia e à minimização de suas contradições urbanas, cada vez mais acentuadas no período.

A delimitação das regiões metropolitanas brasileiras, de 1969, orientada por métodos quantitativos, obedeceu aos seguintes critérios: a) vida de relações entre os municípios; b) sucessão de eventos e fenômenos interligados por mútuas relações de causa e efeito e c) desigualdades intrametropolitanas. Três anos depois, o IBGE estabeleceria a “divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas” (FIBGE, 1972):

• Centros locais ou dos níveis 4a e 4b, que desenvolviam as funções de comercialização agrícola.

• Centros subregionais ou dos níveis 3a e 3b, que englobavam as funções dos centros locais e outras.

• Centros regionais ou dos níveis 2a e 2b, nos quais a atividade terciária passara a ter importância, ainda que se tratando de indústrias que atendiam mercados locais e regionais e à agroindústria.

• Submetrópoles regionais, que “no contexto da política devem atuar como centros de equilíbrio, com funções macrorregionais, apoiando a expansão e consolidação da fronteira agrícola através da ocupação territorial” (SMOLKA; LODDER, 1975, p.196), agindo como centros educacionais universitários e centros médicos desenvolvidos.

• Metrópoles.

O crescimento das regiões metropolitanas valeu-se, principalmente, do incremento imigratório, que ocorreu a taxas crescentes. Tais fluxos, interpretados como conseqüência de uma explosão demográfica, eram mero reflexo de uma forma autoritária de planejamento, com profundo impacto negativo sobre os padrões de vida urbana.

Nesse processo, a habitação tida como socialmente adequada apresentou-se como um componente fora dos custos de reprodução da força de trabalho, que deve dirigir seus parcos recursos para a aquisição de bens de consumo imediato, como alimentação, vestuário e transporte. Assim, a ocupação de áreas sem infra-estrutura urbana e de forma irregular estabeleceu o padrão de nossa urbanização e a periferização se agudizou em função do arrocho salarial, pois, como afirma Oliveira (1977, p.69), a expansão da economia brasileira no pós-1964 “tornou a exclusão um elemento vital do seu dinamismo”.

As migrações rurais punham à disposição da indústria massas crescentes de trabalhadores, que se somavam ao excedente de mão-de-obra dispensado pela indústria artesanal. Não obstante o aumento populacional e de força de trabalho urbana, continuou a imperar um estreito núcleo de trabalhadores fabris, em contraste com a crescente massa de subproletários e subempregados, que além dos desempregados, são caracterizados pela instabilidade econômica (KOWARICK, 1983). Em contato com esse setor “atrasado”, com o qual se confundia e interpenetrava em suas extremidades, a classe operária teria debilitada sua posição em relação com os patrões e com o Estado e obstruído o processo de construção de sua consciência de classe.

Para Marini (1986), isso levou à formação de um “proletariado virtual”, já que, para uma população carente de recursos e serviços, que subsiste à custa de pequenos expedientes ou da prestação de serviços domésticos, seria difícil assumir uma cultura proletária, e até mesmo urbana.

Apesar de enfraquecido, com a prisão e/ou morte de seus líderes, esse “proletariado virtual”, amparado pela Santa Madre Igreja, voltou a se organizar. Tal sua importância que uma das vertentes interpretativas da iniciativa da transição brasileira à democracia seria a de que a questão social, no final da década de 1970, tornara o Brasil uma panela de pressão prestes a explodir.

O próximo tópico discorre sobre a ação de novos (e antigos) sujeitos que, segundo Álvaro Moisés (1983, p.73), teriam “atingido a arena política geral de forma pouco palatável para o regime”.