• Nenhum resultado encontrado

OU QUEM PAGA AS CONTAS DO MILAGRE

FRENTE 2: ADEUS ÀS ARMAS

4. COLOCANDO A CASA EM ORDEM

4.1 Esconder e assustar

Na “doutrina esguiana”, o Poder Nacional é apresentado como “a expressão integrada dos meios de toda ordem, de que dispõe efetivamente a Nação, para alcançar e manter, interna e externamente, os Objetivos Nacionais87”.

87

Uma idéia recorrente entre os revolucionários de 1964 era a de que a elite civil seria incapaz de compreender a real importância dos Objetivos Nacionais, o que redundaria em uma redução do Poder Nacional.

Figura 4 - Os Objetivos Nacionais Fonte: Renan (1978, p.37).

Iale Renan (1978, p.44-45) afirma que as características essenciais desse Poder são: • Eficácia: tem em mira produzir efeitos desejados.

• Instrumentalidade: é o instrumento de que dispõe a Nação para a conquista e manutenção dos Objetivos Nacionais, “empregado com vistas ao Desenvolvimento (fortalecimento e aperfeiçoamento do próprio Poder Nacional) e a Segurança (superar, neutralizar e diferir antagonismos e pressões)”.

• Integração: agrupa todos os meios de que dispõe a Nação.

• Relatividade: caracteriza-se por quatro aspectos: tempo; espaço (o Poder decresce na razão inversa das distâncias a que se aplica, na perspectiva

de Spykman); subjetivo (o valor aparente da imagem do Poder Nacional) e de comparação com outro Poder Nacional.

• Âmbito de atuação: é aplicado tanto no território nacional como no exterior, visando ao Desenvolvimento e à Segurança Nacionais.

O mesmo autor, esguiano de formação, discorre sobre os fatores adversos ao Poder Nacional, que ficariam afetos à Política Nacional de Desenvolvimento, a qual cabe superá-los, mas são acompanhados pela Política Nacional de Segurança, como medida preventiva, pois muitos deles são Antagonismos potenciais.

Os antagonismos apresentam-se como “uma atividade deliberada, intencional e contestatória à consecução e manutenção dos Objetivos Nacionais” (idem, p.74). Esses dispõem de vontade, mas não possuem a capacidade de produzir efeitos, logo não têm Poder para se anteporem à conquista dos Objetivos Nacionais, estando afetos à Política Nacional de Segurança, à qual cabe neutralizá-los.

Figura 5 - Óbices ao Poder Nacional Fonte: Renan (1978, p.75).

A dualidade fatores adversos/antagonismos reproduz a visão conservadora de que as idéias comunistas só poderiam ganhar a disputa ideológica em uma sociedade miserável.

O meio de solapar a ameaça do comunismo era transitar aceleradamente da forma subdesenvolvida para um capitalismo desenvolvido. A antiga crença das classes dominantes, de que com a miséria social os comunistas poderiam manipular as massas, infiltrando-se no seio delas e contrariando a índole nacional, regada a moderação, manifesta-se revigorada no calor e tragicidade da Guerra Fria, com uma novidade: o nacionalismo exacerbado ou “getulismo de massas” também se converte em inimigo interno (RAGO FILHO, 2001, p.160).

Duas conseqüências adviriam dessa concepção: a) a modernização conservadora apresentar-se-ia o caminho seguro para solapar a ameaça do comunismo e b) os estratos mais pobres da população deveriam ser preventivamente “acompanhados”, c’est-à-dire, criminalizados pela pobreza de que são vítimas. Dessa forma, “as três fontes e as três partes constitutivas” do pensamento militar brasileiro, em sua versão dominante a partir de meados dos anos 1950, foram o pensamento autoritário desenvolvimentista, a DSN e a geopolítica.

Os Antagonismos que dispõem de alguma capacidade, denominam-se Pressões. Verificamos, assim, que as Pressões dispõem de vontade e alguma capacidade de produzir efeitos, logo possuem algum Poder. Contudo, quando têm uma capacidade de tal ordem, que pode ameaçar seriamente os Objetivos Nacionais, são os mesmos denominados de Pressões Dominantes. Do mesmo modo que existem Fatores Adversos com potencialidade de se transformarem em Antagonismos, existem inúmeros Antagonismos que são Pressões em potencial (RENAN, 1978, p.74). É nesse contexto que o “inimigo interno” reapareceria na Constituição de 1967, modificando o significado original de segurança nacional, constante na Constituição de 1946. Tal segurança passava a ser externa e interna, incluindo a prevenção/repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva. Indagado os grandes problemas do CIE em sua época, o general Coelho Netto afirma que não era o MDB, nem os sindicatos, “eram grupos comunistas radicados em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, nessas cidades principais” (COELHO NETTO, 1993, p.31).

O Decreto-lei 898/69, que instituiu, em 29 de setembro de 1969, a nova LSN, afirmava que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional”. Essa segurança seria definida como “a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos”. Para a LSN, a segurança interna diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no país. A guerra revolucionária seria o conflito interno, geralmente inspirado em uma ideologia, ou auxiliado do exterior, que visaria à conquista subversiva do poder pelo controle progressivo da Nação.

A preservação da segurança nacional demandaria “medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva” (BRASIL, 1969, Art. 1º-3º). O conceito de guerra psicológica adversa encontra-se na LSN como o emprego “da propaganda, da contra- propaganda e de ações nos campos político, econômico, psicossocial e militar, com a

finalidade de influenciar ou provocar opiniões, emoções, atitudes e comportamentos de grupos estrangeiros [...] contra a consecução dos objetivos nacionais”.

O conceito de guerra psicológica baseia-se na ideologia de que o povo brasileiro é ordeiro e pacífico e, como tal, deve-se manter, sendo afastado da influência de doutrinas exógenas e imorais. Gisálio Cerqueira Filho e Gizlene Neder (1978) demonstram que toda a História do Brasil remete a esse discurso da classe dominante, que tem a integração/conciliação como componentes ora explícitos, ora latentes que buscam cooptar dadas parcelas dos grupos dominados, pela concessão de certas vantagens diferenciais ou pela coerção. Esses autores denunciam violência implícita presente no uso ideológico da idéia de conciliação para mascarar a violência presente nas relações sociais de produção.

Heleno Fragoso (1978), analisando a aplicação da LSN, afirma que as questões mais importantes na perspectiva do processo são as da eliminação da tortura (que, via de regra, ocorre durante os 10 dias de incomunicabilidade estabelecidos na Lei), na fase do inquérito, e a da igualdade das partes, na fase judicial. Esse jurista aponta outros senões legais:

• A LSN afirma que o comício, o desfile ou a passeata constituem propaganda subversiva, ou seja, “manifestação do pensamento tendente a conduzir os destinatários da mensagem a convencimento que leve à prática de determinada ação perigosa para a segurança do Estado” (idem, ib., p.244).

A exclusão do habeas corpus.

• A prisão cautelar imposta por delegados da polícia política estadual e inspetores da PF e não por encarregado do inquérito, em flagrante ilegalidade.

A exclusão do sursis.

O Art. 23 do Decreto-Lei 898 estabelecia pena de reclusão de 8 a 20 anos para quem tentasse “subverter a ordem ou estrutura político-social vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo”. O artigo seguinte definia pena de reclusão de 12 a 30 anos para quem promovesse “insurreição armada ou tentar mudar, por meio violento, a Constituição, no todo ou em parte, ou a forma de governo por ela adotada”, pena agravada para prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo.

Já o Art. 25 afirmava que quem “praticar atos destinados a provocar guerra revolucionária ou subversiva” está sujeito a pena de reclusão de cinco a 15 anos e, advinda a guerra, prisão perpétua, em grau mínimo, e morte, em grau máximo. Ao contrário das LSN anteriores, o

fórum eleito para julgar os inclusos na nova lei não era civil: após o IPM, as sentenças eram estabelecidas por auditorias militares. No combate à subversão, o papel da informação se torna, progressivamente, mais relevante.

Figura 6 - O ciclo da informação. Fonte: ESG (1986, p.37).

O Manual da ESG mostra a indissociabilidade entre os órgãos de informação e os de planejamento. São os planejadores que devem colocar as demandas aos órgãos de informação, a quem caberia o planejamento, a reunião, o processamento e a difusão da informação aos planejadores que, ao usá-la, geram novas demandas de informação. O governo valia-se,por conseguinte, do aparato formado pelo SNI88, CIEX, CENIMAR, CISA e pelo complexo DOI- CODI (Figura 7).

88

O SNI foi inspirado na experiência americana desenvolvida pelo National War College. O DOI era subordinado, em termos, à 2ª Seção – Informações – clássica em todo estado-maior de grandes unidades – brigadas, divisões e exércitos – e nos grandes comandos – regiões militares. Já os CODIs eram organizações informais, combinadas com a participação de membros das três forças – Exército, Marinha e Aeronáutica – para o planejamento e a eventual coordenação do emprego dos meios de cada uma delas conforme o efetivo disponível e a área sensível – área portuária, aeroportos, instalações industriais, distúrbios de rua, etc.

Em 1969, sob a égide do AI-5, o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar e a Lei de Organização Judiciária Militar, normatizaram os órgãos de segurança, autorizando-os a ordenar e executar a prisão de qualquer pessoa.

AG. REG. SNI – Agências do SNI EME EMA EMAe EMFA FA 2 - 2ª Seção - EMFA CIE CENIMAR