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OU QUEM PAGA AS CONTAS DO MILAGRE

FRENTE 2: ADEUS ÀS ARMAS

3. A REVOLTA DOS BAGRINHOS

3.3 Revoluções em caleidoscópio

Tudo isto padeceram os semeadores evangélicos [...] Houve missionários afogados, porque uns se afogaram [...]; houve missionários comidos, porque a outros comeram [...]; houve missionários mirrados, porque tais tornaram os da jornada [...] mirrados da fome e da doença, onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas brenhas matou somente a sede com o orvalho que lambia das folhas. [...] Não me queixo nem o digo, Senhor, pelos semeadores; só pela seara o digo, só pela seara o sinto. Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas por amor de vós mirrados; afogados sim, mas por amor de vós afogados; comidos sim, mas por amor de vós comidos; pisados e perseguidos sim, mas por amor de vós perseguidos e pisados.

Para Boaventura de Souza Santos (2005, p.25), reforma e revolução são as “duas grandes vias da mudança social sancionadas pela modernidade ocidental”. Na acepção marxiana, a revolução é um momento histórico de brusca transição de uma situação econômica, social e política para outra. Uma revolução socialista, assumida na perspectiva do trabalho, implicaria, numa orientação metapolítica, ir além do capital e do Estado.

Lukács (1989, p.125) sustenta que Marx transfigurou a dialética hegeliana em “álgebra da revolução” ao se ater à totalidade e assumir que “somente a classe, por sua ação, pode penetrar a realidade social e transformá-la em sua totalidade, passando de “classe em si” a “classe para si”. A totalidade é a sociedade de classes e o que dá forma ao seu conteúdo, a negatividade das relações de classe. Para Marx, só há uma teoria correta: a que reproduz a consciência de uma prática que objetiva mudar o mundo.

A revolução socialista não é uma contingência histórica, mas depende de uma gama de condições objetivas e subjetivas. Tais condições tornam-se revolucionárias, todavia, “somente se apreendidas e dirigidas por uma atividade consciente que vise à meta socialista”, posto que “não há a mínima necessidade natural ou inevitabilidade automática que assegure a transição do capitalismo ao socialismo” (MARCUSE, 1978, p.288-289).

Prado Júnior (1966) menciona outro componente dos processos revolucionários: as mudanças que os impulsionam concentram-se em um período histórico relativamente curto. Essas rápidas alterações demonstram, efetivamente, que o ritmo da História não é uniforme, nele se alternando períodos de relativa estabilidade e aparente imobilidade, com outros de bruscas mudanças nas relações sociais. Haveria, portanto, um tempo cronológico e um revolucionário, o que permitiria entender porque a tomada revolucionária do poder pelo proletariado não estava colocada nas Teses de Abril, seis meses antes dos “dez dias que abalaram o mundo72”.

Outra era a concepção de revolução dos conspiradores de 1964. Ao contrário da rápida movimentação das peças do tabuleiro político, a “gloriosa” buscou cessar todo o movimento, em decorrência do medo da burguesia nacional, tanto dos “deserdados da terra”, quanto dos “centros imperiais”. Sua “autêntica” revolução apresentara-se como uma “renovação regeneradora”, com vistas a assegurar a estabilidade social e política, necessária à aceleração do desenvolvimento capitalista, uma intervenção em nome da ordem. Nessa perspectiva, ao

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invés das opções “táticas”, defensivas, dos socialistas e comunistas, a burguesia agiu estrategicamente, promovendo uma revolução das técnicas da contra-revolução (FERNANDES, 1975).

Nesse sentido, ainda que os generais-presidentes, em nenhum momento, abdicassem de se denominar revolucionários, o “intelectual orgânico” do ancien régime, Passarinho (1999, p.2), afirmaria o oposto: “A rigor, o movimento militar de 64 foi uma contra-revolução”. Também para Fernandes (1975), foi contra-revolucionária a ruptura da legalidade consubstanciada na Constituição de 1946, que possibilitou a conversão do Estado em eixo da recomposição do poder econômico, social e político da burguesia, frente ao processo de autonomia política que o movimento operário ganhava em contraposição à ideologia do nacional-populismo.

O primeiro general-presidente, Castello Branco (1964, p.13), afirmara que, em 1º de abril de 1964, ocorrera

[...] uma Revolução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições, e decisivamente, apoiada nas Forças Armadas, traduziu a firmeza das nossas convicções e profundidade das nossas concepções, convicções e concepções que nos vêm do passado e que deveremos transmitir, aprimoradas, às gerações futuras.

Outro general-presidente, Costa e Silva, comparara a “Revolução de 1964” à Revolução Gloriosa da Inglaterra e à Revolução Francesa, dos séculos XVII e XVIII. E, nos termos dessas revoluções liberais, afirma que não cometeria “a injustiça de considerar todos os que divergem do Governo da Revolução como sequazes de ideologias fanáticas, fundada no ódio entre as classes, na deificação do estado totalitário, no imperialismo agressor da soberania dos povos” (COSTA e SILVA, 1967 apud RAGO, 1998, p.164).

No cerne da discussão, colocada pelos revolucionários de 1964, estava uma velha disputa entre marxistas: o caráter da revolução brasileira. Envoltos em longas discussões sobre o tema, os marxistas (em especial, os do PCB, “esta espécie de Academia de Letras, cuja única função consiste em se reunir”73), não se perceberam que “a revolução faltou ao encontro”74.

A disputa de projetos revolucionários iniciara-se na década de 1920 e se encontra em uma fase de grande fermentação quatro décadas depois, impulsionada pelas dissidências do PCB. O III Congresso do PCB, de 1928 deliberara que a revolução brasileira seria “democrática,

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Carlos Marighella (1979, p.129).

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agrária e antiimperialista”, posicionamento que reproduzia os debates sobre a questão colonial e nacional dos congressos da IC, e que, atravessando três décadas, foi ratificado no IV Congresso, de 1954.

Nessa perspectiva, tratava-se de garantir a primeira etapa da revolução, capitaneada pela burguesia brasileira, garantindo a independência do país frente ao imperialismo, a realização do desenvolvimento industrial e a superação do latifúndio e dos restos feudais, com a reforma agrária, o que abriria o caminho para uma longínqua etapa socialista.

A “gloriosa” ceifaria todas essas ilusões. A resolução política do CC/PCB, de maio de 1965, afirma:

Também falsa era a perspectiva, que então apresentávamos ao Partido e às massas, de uma vitória fácil e imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em relação ao setor da burguesia nacional que estava no Poder, tornaram-se evidentes. Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da revolução brasileira, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado. É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da ação das cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido (PCB, 1965 apud RAMOS, 2006, p.2)

Antes da autocrítica, porém, a crítica à proposta de aliança do proletariado com a burguesia nacional progressista, ao eixo centrado na luta nacional e antiimperialista e à possibilidade de se chegar a mudanças radicais através de “reformas” daria origem a diversas outras organizações com distintas concepções de revolução e de intervenção na luta de classes.

Fernandes (1975), ao afirmar que a burguesia nacional, em decorrência da persistência de estruturas coloniais e neocoloniais e da aliança com o imperialismo, não se propôs as tarefas históricas das revoluções nacional e democrática, de modo que as classes trabalhadoras teriam que desencadear a revolução burguesa no país, reproduz uma das vertentes da questão, que exacerbaria a diáspora marxista no Brasil.

As formulações revolucionárias, elaboradas nessa conjuntura de acirramento das contradições, comportaram as mais variadas propostas estratégicas e táticas. A Figura 3 reproduz a árvore genealógica da esquerda brasileira, tal como se apresentava na década de 1970.

dissidências: os COLINA; a VPR (integrada também por elementos do MNR); o POC, resultante da fusão da ORM-POLOP com a Dissidência Comunista do Rio Grande do Sul. Do POC, abalado pela repressão e por disputas internas, surgiria a OCML-PO, da qual se destacaria a Fração Bolchevique e tendência Combate do POC75, formada no exterior e que não conseguiria se implantar no Brasil.

• A AP que daria origem ao PRT e, após sua conversão ao maoísmo, à AP-ML, da qual a maioria dos quadros se integraria no PCdoB.

• PCdoB, fruto da luta política no interior do PCB, que daria origem ao PCdoB-AV, de onde sairia o MRT, e ao PCR.

• Ainda do PCB, já no pós 1964, surgiriam as diversas Dissidências Regionais e a Corrente. A dissidência gaúcha se integraria à ORM-POLOP para formar a POC; a de São Paulo ingressaria na ALN; a DI-GB assumiria o nome de MR-8, nome do grupo carioca liquidado pela repressão em 1969. A Corrente daria origem ao PCBR e à ALN, da qual surgiria o MOLIPO76.

• O trotskismo, representado pelo Movimento Estudantil 1º de Maio, mais tarde convertido em OC-1º de Maio.

Além dessas cinco matrizes, esses autores destacam as experiências do MAR e da VAR- PALMARES, resultante da fusão de grupos provenientes da ORM-POLOP, MNR, AP e PCB77.

Antonio Ozaí Silva (1998) afirma, que, embora divergentes quanto à tática e às formas de luta, organizações que se pretendiam muito distintas, como o PCB, o PCdoB e o MR-8, compartilhavam a mesma concepção etapista do processo revolucionário e a mesma

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Em 1971, o POC-Combate, rejeitaria essa tradição, aderindo à IV Internacional, trotskista.

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Essa organização formou-se em Cuba, criticando os métodos da ALN. Seus trabalhos iniciais, incluindo o jornal Cruzeiro do Sul, foram desmantelados em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Goiás, morrendo assassinados quase todos os seus militantes, entre 1971 e 1973.

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Não é pretensão deste trabalho dar cabo da riqueza organizativa desse período, haja vista as inúmeras pesquisas em História Social que têm se dedicado a tal tema.

concepção marxista-leninista do partido de quadros. Assim, essa esquerda teria muito pouco de nova.

Outra seria a perspectiva de Reis Filho e Sá (2006, p.25), para os quais a “nova esquerda”, efetivamente, se distinguiu da práxis do PCB, à medida que reivindicava, “no mínimo, plena e completa independência orgânica e política frente à burguesia”e concluírem pela “total falta de vocação revolucionária da burguesia política, [...] um mito inventado pelos partidários das reformas de base”, entre os quais o PCB. Ademais, era comum a interpretação da economia brasileira como vivendo um processo irreversível de estagnação.

Para Jorge Castañeda (1994, p.43), “o problema estava na incapacidade dos comunistas para influir ou unir à esquerda”: o PCB seria “demasiado radical e pró-soviético para deixar de assustar [...] a comunidade brasileira de negócios, a classe média e os Estados Unidos; mas moderado e prudente em excesso para controlar e orientar os setores radicalizados da esquerda política altamente polarizada do Brasil78”.

Os que saíram do PCB, no pós-1964, como Marighella, que chegara a ser deputado pelo Partido, advogavam a necessidade imediata da luta armada, sem abrir mão, porém, da concepção nacionalista e antiimperialista da luta. Para seus críticos, e dissidentes, o Partido seria verticista (trabalhara a cúpula do movimento sindical – CGT, CNTI, PUA – , sendo de criar e manter OLTs); tendo “uma direção pesada, com pouca ou nenhuma mobilidade” e “corroída pela ideologia burguesa”, nada mais poderia fazer pela revolução (MARIGHELLA, 1979, p.129).

Marighella, morto a tiros, em 4 de novembro de 1969, no bairro dos Jardins, em São Paulo, foi a versão nacional do Che, alguém que trocara “o conforto pequeno-burguês do lar pela misteriosa clandestinidade da luta junto ao povo”79. Em abril de 1967, o grupo liderado por ele formaria o embrião do AC/SP e alguns militantes seriam treinados em tática de guerrilha em Cuba em setembro desse ano. Esse apoio cubano teria sido articulado na conferência de fundação da OLAS, da qual Marighella participaria sem o aval do CC/PCB, a que ainda estava ligado. Em abril de 1968, o AC/SP lançaria o primeiro número do jornal O Guerrilheiro, em que Marighella estabeleceria as três fases principais para a implantação e o

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De novo, colocar-se-ia a posição das peças no tabuleiro internacional: a disputa sino-cubano-soviética sobre o caráter da revolução e o método empregado para alcançá-la e o olhar vigilante da “baleia”.

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A fala de Alfredo Sirkis (1998, p.123) refere-se a todos “os carbonários” que, como ele, submergiram na ação armada contra o regime autoritário.

sucesso da guerra de guerrilha: 1º - planejamento e preparação da guerrilha; 2º - lançamento e sobrevivência da guerrilha; e 3º - crescimento e sua transformação em guerra de manobra80.

Do AC/SP, surgiria a ALN, que, no próprio nome, buscava a associação simbólica com a ANL, sustentando, mesmo, muitas das bandeiras de sua precursora, tais como a luta antiimperialista e antilatifundiária, todavia não se tratava mais de uma política de alianças, mas de uma ação direta. Tal ação não tinha como objetivo precípuo a revolução socialista, priorizando a libertação nacional, luta em que deveriam engajar-se todos os “patriotas” que se colocassem contra o regime.

A ALN, defendendo a estratégia da tomada do poder pela via do “terrorismo revolucionário”, teria vencido no ponto em que outros fracassaram, conseguindo a adesão de parcelas significativas de estudantes e de religiosos. Em 1967, o AC/SP teria, segundo Reinaldo Guarany (1984), cerca de 6.000 membros, entre militantes, simpatizantes e apoios, nas principais cidades do país, dos quais 250 em luta. Uma das explicações para essa “enorme audiência” da Ação encontra-se em sua recusa do centralismo. O militante não precisava esperar orientação de um poder centralizado, qualquer um que se considerasse capaz de “formar um grupo para fazer ações expropriatórias que o fizesse. Os grupos e as ações, assim, se multiplicariam. A centralização emperraria a organização, que, ao contrário, deveria ser ágil” (ROLLEMBRG, 2003, p.70).

Aqui surge a grande “inovação”, representada pela ALN: ela propunha a guerrilha urbana como tarefa tática para alavancar a tarefa estratégica da guerrilha rural. As cidades forneceriam os como meios de propaganda política, de obtenção de fundos (“expropriações”, como os assaltos a bancos, em que se especializaria), de recrutamento de quadros para a guerrilha e de ataques estratégicos ao inimigo. Para a ALN, a revolução brasileira tinha que se apoiar na (não que ser realizada pela) classe operária e, conseqüentemente, “focar-se” em São Paulo.

Interessa-nos ver, na ALN, elementos que, mais tarde, seriam relevantes nas greves da década seguinte e nas organizações dela derivadas, como o dominicano frei Betto81, que

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Nesse momento, três frustradas tentativas de reação armada ao regime, impulsionadas pelo MNR, já tinham ocorrido: a) a Guerrilha de Três Passos (março de 1965), comandada pelo ex-coronel Jefferson Cardin Osório, que, partindo de Três Passos-RS, rumo ao Mato Grosso, foi dispersada a tiros, em Cascavel-PR, pelo Exército; b) a Guerrilha de Caparaó, na fronteira entre Minas Gerais e Espírito Santo (abril de 1967), cujos 22 guerrilheiros foram presos antes de dispararem o primeiro tiro; c) a do Bico do Papagaio, no atual Tocantins, cujos 20 militantes debandaram em agosto, quando o jornalista Flávio Tavares, organizador do movimento, foi preso.

chegara a ser preso por seu envolvimento com a guerrilha, e que, em 1980, fazia a “guarda episcopal” de Lula da Silva no momento de sua prisão.

Mas a “esquerda católica” não militava apenas na ALN. De fato, militara muito antes da ALN. Até 1964, cerca de “90% dos militantes políticos, ou eram católicos ou tinham pai e mãe católicos, tinham saído do cristianismo”82. Segundo Cândido Mendes (1966), ela estaria na JUC, movimento de universitários católicos da classe média e da própria burguesia; no dinâmico movimento estudantil das PUCs; na sindicalização rural impulsionada pelas dioceses nordestinas; no MEB e na AP, organização formada por ex-membros da JUC. A AP tornou-se uma das três maiores organizações de esquerda com aproximadamente 3.000 membros, dos quais alguns eram líderes na educação popular, no trabalho sindical e na organização camponesa.

Fortemente marcada pela origem humanista-cristã, “a Ação Popular via a revolução como o único meio de resolver os problemas da sociedade” e “realmente estabeleceu uma tradição de humanismo radical dentro do catolicismo brasileiro que continuou depois de o próprio movimento ter abandonado suas origens católicas” (MAINWARING, 1989, p.85-87 passim). De fato, na política de “proletarização através da integração na produção”, desenvolvida pela AP entre 1968 e 1970, que levou à transferência de inúmeros quadros universitários para o campo e para as fábricas, era visível essa marca.

Roniere Amaral (2006) levanta a interessante tese de que a revolta contra a dominação tecnocrática, tanto do messianismo humanista quanto do humanismo messiânico, baseou-se no “roubo do futuro” imposto pelo tecnologismo. O primado do presente, estabelecido pela tecnocracia militar, apresentava-se como obstrução da ação, parte da vita activa.

Mas o grande espaço de recrutamento dos grupos armados da “nova esquerda” era o movimento estudantil. A ALN distribuiria boletim83, na passeata dos 100 Mil, que se seguiu à morte do estudante Edson Luís Souto, pelas forças da repressão, em março de 1968, que reeditaria a lei de Talião: “somente o sangue pagará o sangue” e lançaria a palavra-de-ordem “Pátria ou Morte!”.

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Segundo Emiliano José (1997), além do próprio frei Betto, tornaram-se militantes da ALN os freis Fernando de Brito, Oswaldo Rezende, Yves Lesbaupin, Magno José Vilela e Luís Felipe Ratton.

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Segundo Herbert de Souza (1978), nesse momento, dos 150 mil estudantes universitários, cerca de 20 mil participavam de associações católicas.

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Mas a radicalização já estava presente entre os estudantes, que reivindicavam ampliação das verbas e vagas nas universidades, ocasionando freqüentes conflitos de rua. Seus líderes “faziam um discurso articulado, com princípio, meio e fim” que afirmaria não se tratar apenas de “lutar contra a polícia”, mas de “participar num combate muito mais amplo e mais complexo que era o combate pelo socialismo” (GABEIRA, 1979, p.52). Vladimir Palmeira diria, na ocasião, ser a favor da violência quando, em um processo longo, chegasse a hora de pegar nas armas. Aí, nem a Polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura, poderá deter o avanço do povo”.

Os dados levantados pelo Projeto BNM84 demonstram que 57,8% dos implicados em processos por ligação com organizações armadas urbanas pertenciam às camadas sociais intelectualizadas. Tais dados fundamentam a tese de Reis Filho (1989, p.184) de “elites sociais intelectualizadas, com alto nível de instrução, muito jovens, do sexo masculino, residindo em algumas – e poucas – grandes cidades, formam a ampla maioria dos militantes.

Ao contrário de muitos críticos a posteriori do que seria o aventureirismo inconseqüente dessas organizações, Reis Filho e Sá (2006) indicam os elementos sociais, políticos e conjunturais que promoveram tal fragmentação:

a) A desmoralização e dispersão do movimento popular “vencido” pelo golpe de 1964 e seu “endurecimento” pós-1968.

b) A desorganização dos partidos frente ao golpe levou ao desencanto com a discussão teórica.

c) O privilegiamento da empiria favoreceu a emergência de grupos auto- suficientes em âmbito regional ou municipal, que entendiam que a prática reaglutinaria as esquerdas.

d) A influência da Revolução Cubana e da Chinesa, que difundiam a idéia de que o dever do revolucionário era fazer a revolução, e não perder tempo em discussões inócuas.

e) A média de idade dos militantes da Nova Esquerda era de 20-22 anos, o que implicava uma violenta rejeição das tradições.

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Wright (1989) informa que o projeto se iniciou a partir de carta de D. Paulo Arns ao secretário do Conselho Mundial de Igrejas em 21 de agosto de 1979. Nesta carta, D. Paulo afirmava que “a atual ‘abertura democrática’ poderá oferecer a única oportunidade de acesso ao referido material” (abundante documentação que consubstancia 15 anos de repressão, em centenas de processos).

f) A clandestinidade dificultava os contatos políticos e as reuniões.

g) O cerco da polícia política que desencorajava ou abreviava as discussões. h) O ritmo desigual das lutas internas.

i) Os microcentros de poder em cada organização não se interessavam por processos de reunificação.

Araújo (1967, p.91) afirma que a divisão das esquerdas é mais principesca do que pressupõe a maioria de suas avaliações:

A falta de unidade tão cantada e lamentada entre as esquerdas não decorre […] das formas de luta, do desacordo que haja a respeito da forma preferencial. Decorre do conteúdo da revolução, do que fazer, do problema do poder, do programa enfim. Isso é o que nos separa. […] A tese, muito difundida, da disputa sem princípios da liderança, apenas acoberta as diferentes posições de clase assumidas pelos membros da nossa esquerda.

A consciência de que, quanto mais divididas, mais frágeis eram, levou essas organizações a agirem em frentes armadas, reunião de duas ou mais organizações para realizar ações de maior envergadura (como os seqüestros de diplomatas estrangeiros), que passaram a ser prática corrente de quase toda as siglas, à medida que a repressão avançava. Dadas as enormes