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4. DESCRIÇÃO DO MODELO LÓGICA OPERACIONAL DA SECURITIZAÇÃO

4.6. Cessão de crédito perfeita e acabada (true sale)

Conforme ROMERO (2008), cessão de crédito pode ser conceituada como o negócio jurídico de natureza contratual através do qual o credor transmite a um terceiro o crédito que detém em face do devedor, juntamente com os acessórios e garantias inerentes ao crédito76. Acrescenta ROMERO que se trata de um negócio bilateral (eis que não depende propriamente da anuência do devedor, sendo celebrado entre credor e o terceiro- cessionário), causal (em relação a um negócio jurídico subjacente77), consensual (no sentido de que seu aperfeiçoamento depende em regra do acordo de vontades, e não da entrega física do documento), gratuito ou oneroso, que não requer forma especial. Nesse particular, pontua a mesma autora que a formalização em instrumento visa atender a regras estatuídas nos artigos 227 do Código Civil e 401, 402 do Código de Processo Civil, no sentido de que incumbe à parte interessada provar ao menos através de “começo de prova escrita” a existência de contratos com valor acima de dez salários mínimos. Outrossim, o documento escrito e seu registro justifica-se como forma de garantir sua eficácia frente a terceiros (art. 288 do Código Civil e art. 129, 9º da Lei de Registros Públicos).

A efetiva cessão de crédito é peça chave das operações de securitização, pois implica a segregação do risco da originadora em relação ao risco da carteira. Para que tal objetivo se concretize, a cessão deve ser efetiva e incondicional, a fim de conferir ao investidor a segurança jurídica necessária para investir numa operação, no sentido de que o crédito lastreando a operação será ao final pago para o veículo emissor do título, e não para terceiros credores. Daí a importância que o jargão true sale adquire numa operação desta natureza, refletindo o conceito de venda perfeita e acabada do crédito ao investidor (direta ou

76 “Código Civil, art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus

acessórios.”

indiretamente, através de um veículo) e que, em caso de quebra, seus ativos não serão afetados.78

Importante notar que a lei atual exige a notificação do devedor quanto à cessão para que esta produza efeitos contra o mesmo (art. 290). Algumas vezes, isso pode ser impraticável ou de difícil implementação, de forma que, em operações de securitização, é comum o uso de mecanismos como: i) a inserção de uma cláusula já no contrato de financiamento prevendo a posterior cessão do crédito, e ii) a concentração da cobrança dos créditos num mesmo banco, que se encarregará de transferir o dinheiro para a conta do adquirente dos créditos, no caso o veículo de propósito específico. Nesse segundo caso, o devedor cumprirá sua obrigação da mesma forma como originalmente planejada, sendo que o banco cobrador se encarregará de fazer as transferências devidas, conforme instruções a ele passadas – sendo o caso, fazendo uso de contas vinculadas.

Numa operação típica de cessão de crédito, em regra, o cedente responde pela existência do crédito, não propriamente pela sua quitação, conforme art. 295 do Código Civil79. Na hipótese de se vir a constatar a inexistência do crédito cedido, portanto, cabe ao cedente restituir o que entregara ao cedente acrescido de correção monetária, sendo que a doutrina e jurisprudência dividem-se quanto à obrigação do cedente em arcar adicionalmente com perdas e danos80. De toda forma, como mencionado acima, pode a operação prever a

78 ROMERO elenca três requisitos para a cessão de crédito: i) que um negócio jurídico adjacente estabeleça a

transmissão da totalidade ou parte do crédito; ii) que não exista vedação legal no caso específico; e iii) que inexista ligação do crédito, pela natureza da prestação com a pessoa do credor. Em relação ao segundo ponto acima, pode-se citar como exemplo a vedação contida no art. 34, III, IV e V da Lei 4.595/64, que veda a concessão de créditos e adiantamentos (inclusive via cessão de créditos) a companhias securitizadoras com as quais a Instituição financeira mantenha vínculos. Aqui, verifica-se novamente a importância da desvinculação do veículo de securitização em relação ao originador. Outro exemplo de “incedibilidade” seria, nesse caso de ordem objetiva, o de alienações de ativos por parte de companhias em falência ou recuperação judicial sem consentimento dos credores. De qualquer forma, a regra geral estatuída no art. 286 do Código Civil é a de que qualquer crédito pode ser cedido, inclusive créditos futuros ainda não constituídos.

Conforme ROMERO (p.161): “desde que cumprido o requisito da determinabilidade do crédito, a cessão de créditos futuros é possível. Tal requisito se prende ao fato de que a cessão de créditos futuros consiste em um negócio de disposição e não meramente obrigacional. Como é cediço, em se tratando de negócios de disposição, incide o princípio da especialidade. Por determinabilidade, deve-se entender não a eficácia do negócio constitutivo do crédito no momento da cessão ou a determinação do devedor, mas apenas a probabilidade consistente de uma futura constituição do crédito, que poderá ser definido(especialidade) por referência a tal constituição posterior e até mesmo pela descrição de contatos futuros, desde que suficientemente individualizados.”

79 Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao

cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

80 Nesse sentido, discute-se se a responsabilidade pela infração ao art. 295 seria oriunda da vedação ao

enriquecimento sem causa, regrado no art. 884 do Código Civil, ou a teoria da dissolução do negócio, prevista no art. 475 do Código Civil.

coobrigação do originador/cedente e de terceiros pela satisfação do crédito cedido, a fim de reforçar a qualidade de crédito da operação.