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4. DESCRIÇÃO DO MODELO LÓGICA OPERACIONAL DA SECURITIZAÇÃO

4.7. Espécies de veículos

Como exposto, para reforçar a segregação de riscos da carteira dos ativos securitizados em relação à empresa originadora/cedente, as operações de securitização podem servir-se de um veículo independente (legal e operacionalmente) para intermediar a relação entre a originadora e os investidores.

Nos EUA, o VPE pode ser constituído de três formas diferentes: corporation (figura equivalente à sociedade anônima), partnership (semelhante à sociedade de responsabilidade limitada) e o trust81. Diferentemente, no Brasil o veículo pode ser alternativamente uma companhia securitizadora (sociedade anônima) ou um fundo de investimentos (condomínio), particularmente os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios - FIDCs82.

Fundos de investimento são uma comunhão de recursos, direitos e obrigações mantidos e administrados em regime de condomínio pelos investidores. Apesar de ganharem CNPJ, não têm propriamente personalidade jurídica e, portanto, não podem falir. Assim, é um administrador quem age em seu nome, assumindo obrigações e exercendo direitos por conta e ordem do primeiro, inclusive para a compra e venda dos títulos a serem securitizados.83 Os FIDCs são uma espécie de fundo de investimento criada pela Instrução CVM 356/01, a qual deve aplicar no mínimo 50% de seu patrimônio em recebíveis, estando sujeitos a um regramento que favoreceu sua maior utilização em operações de securitização (em detrimento das companhias securitizadoras instituídas em 1997 pela Lei 9.514/97). Entre tais

81 Trust é uma figura do direito anglo-saxão, inexistente no sistema brasileiro. Conforme ROSENTHAL e

OCAMPO: “A trust is an unincorporated entity generally created under state law by a depositor contributing property to be held by a trustee pursuant to a written trust agreement between the depositor and the trustee. The depositor may be the beneficial owner of the trust property, or the ownership of the property may be conveyed to third parties. The trustee is responsible for managing the trust property on behalf of the beneficial owners.”

82 Em algumas situações, os Fundos Multimercados (FIM) podem apresentar-se como alternativa aos FIDCs

para a securitização de recebíveis, já que esses fundos podem adquirir títulos privados. No entanto, esses fundos possuem algumas peculiaridades que o tornam menos flexíveis do que os FIDCs na estruturação de operações, destacadamente a impossibilidade de criação de classes diferentes de cotas. De outro lado, os FIMs emergem como potenciais compradores dos títulos emitidos em operações de securitização, inclusive cotas de FIDCs e CRAs.

83 Os Fundos de Investimento podem ser constituídos sob a forma de condomínios abertos ou fechados. No

primeiro caso, os investidores podem pedir o resgate de suas cotas a qualquer momento, enquanto que, no segundo, apenas ao término do prazo do fundo ou de sua liquidação.

características, pode-se citar a estrutura relativamente mais leve do ponto de vista de custos operacionais e a neutralidade tributária, que será melhor detalhada no tópico 4.8.

Conforme destaca UQBAR (2009), diferentemente do que ocorre nos CRIs, no CRAs e nas debêntures, as cotas de FIDCs não representam propriamente um investimento em renda fixa. É comum que as cotas sênior tenham um parâmetro fixo de rentabilidade discriminado no prospecto de distribuição, o que todavia não representa uma promessa ou garantia de que a cota atingirá tal rentabilidade, mas sim uma referência (benchmark) de remuneração dos investidores dessa cota. De toda forma, dependendo de como a operação for estruturada, pode-se conseguir um grau razoável de certeza de que tal parâmetro será atingido.

Em se tratando de CRIs e CRAs, o veículo, como exposto acima, seriam as companhias securitizadoras, que são constituídas sob a forma de sociedades anônimas (SAs). Essa peculiaridade confere um tratamento jurídico e fiscal diferenciado em relação aos FIDCs, a começar pela responsabilidade limitada dos acionistas até o valor das ações (o que não ocorre em regime de condomínio) e pela maior liberdade para negociar suas ações e valores mobiliários, sem afetar a estrutura da sociedade.

Para fazer emissões públicas, a companhia deve ter capital aberto, de forma que o veículo fica sujeito à disciplina da CVM, garantindo maior nível de transparência na gestão e nas demonstrações financeiras. Já para emissão privada de valores mobiliários, o veículo pode ser uma SA fechada. Em qualquer hipótese, no estatuto da empresa deve ser determinado que o objetivo social é a emissão e colocação de certificados de recebíveis imobiliários (art. 3º da Lei 9.514/97) ou do agronegócio (art. 38 da Lei 11.076/04).

A Lei. 9.514/97 confere à companhia securitizadora a faculdade de instituir regime fiduciário sobre os créditos que lastreiam cada uma de suas emissões (art. 9º da Lei 9.514/97), de maneira que os fluxos de caixa de cada pacote de recebíveis sejam alocados em um “patrimônio separado”, dedicados exclusivamente ao pagamento dos títulos (CRI ou CRA) da respectiva emissão, mantendo inclusive demonstrações contábeis independentes. Assim, torna-se possível que um mesmo veículo faça diversas emissões, sem que o risco de uma emissão (e dos respectivos recebíveis-lastro) afetem ou sejam afetados pela qualidade de crédito das demais emissões. Isso representa uma flexibilidade inexistente em FIDCs, que enfrentam algumas restrições para emissões através do mesmo veículo, notadamente a proibição de criar vinculações específicas de ativos a determinadas classes sobre partes do

seu patrimônio84. De outro lado, conforme destaca LUXO, os FIDCs apresentam uma estrutura mais leve, com custos administrativos e fiscais inferiores, eis que são tributariamente neutros.

Apesar disso, as securitizadoras apresentam algumas outras vantagens que podem compensar seus maiores custos operacionais, dependendo do caso. O primeiro ponto é que os rendimentos provenientes dos CRIs e CRAs estão isentos de IR quando os titulares são pessoas físicas residentes no Brasil, o que não ocorre com as cotas de FIDCs. Ademais, conforme BURANELLO (2009), no caso de emissões privadas, as securitizadoras apresentam a possibilidade de redução de custos e exigências regulatórias, notadamente em relação aos limites de concentração por emissor e por ativo e à possibilidade de aquisição de CPRs sem aval bancário ou seguro. De seu lado, os FIDCs deverão obedecer uma concentração máxima de 20% por devedor (o que pode ser flexibilizado em casos particulares) e manter uma aplicação mínima de 50% de seu patrimônio em recebíveis. As CPRs em princípio precisam de aval ou seguro, o que onera e engessa um pouco mais a estrutura.

Por fim, uma última diferenciação operacional imposta pela legislação diz respeito ao valor mínimo do investimento em cada um desses valores mobiliários (BINELLI). Para os CRIs e CRAs, há restrições regulatórias para emissões de títulos com valor unitário inferior a R$ 300 mil85, de tal forma que, na prática, este parâmetro acaba sendo o valor mínimo para aplicações. Já para os FIDCs, o valor mínimo para aplicações é R$ 25 mil86. O maior valor do investimento nos CRIs e CRAs restringe ainda mais a participação de pequenos investidores, em comparação com cotas de FIDCs87, apresentando-se assim como um tipo de investimento particularmente mais adaptado a pessoas físicas mais abastadas, via family offices e private banking – especialmente levando em conta os benefícios fiscais para pessoas físicas oferecidos pelos CRIs e CRAs.

84 Conforme Instrução CVM 356/01, art.12, § 4º, no caso dos FIDCs, “É vedada a afetação ou a vinculação, a

qualquer título, de parcela do patrimônio do fundo a qualquer classe ou série de cotas.”

85 Instrução CVM 414/04, Art. 6º - A distribuição pública de CRI de valor nominal unitário inferior a R$

300.000,00 (trezentos mil reais) somente será admitida para CRI lastreados em créditos com regime fiduciário, originados de imóveis com "habite-se" concedido pelo órgão administrativo competente, observado o limite máximo, por devedor, de 0,5% (cinco décimos por cento) dos créditos.

86 Instrução 356/01, art. 3º, IV.

87 O valor também relevante dos investimentos mínimos em FIDCs implica uma menor pulverização dos

Para contornar a restrição referente ao valor mínimo dos investimentos, os pequenos e médios investidores podem se associar em clubes de investimento (Resolução Bovespa 303/05), comprar cotas de FIC-FIDC e de fundos multimercados (FIMs), que podem funcionar de veículo para o investimento nos FIDCs, CRIs e CRAs. Afora tudo, tal solução provê os investidores com uma maior diversificação de sua carteira, já que as carteiras dos FIMs e FICFIDCs serão também composta por outros ativos.

Importante notar que, em 2006, entraram em vigor as Instruções CVM 442 e 443, que buscaram harmonizar as regras dos veículos de securitização, visando evitar a chamada arbitragem regulatória. A reforma também buscou melhorar a qualidade das informações disponibilizadas ao mercado, com a veiculação de estatísticas sobre inadimplência, perdas e pré-pagamento de créditos, num período de 3 anos anteriores à oferta.