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4. DESCRIÇÃO DO MODELO LÓGICA OPERACIONAL DA SECURITIZAÇÃO

4.2. Fatores de risco

Risco pode ser conceituado como o acontecimento futuro e incerto, quer quanto à sua ocorrência, quer quanto ao momento em que se deverá produzir, independentemente da vontade dos contratantes (CAMINHA, 2004) ou, conforme o festejado autor VIVANTE (188756), como um evento fortuito que influencia com a sua aleatoriedade as obrigações dos contratantes.

Conforme as Instruções CVM 356/01, 400/03 e 414/04, os prospectos de distribuições públicas de valores mobiliários devem advertir os leitores quanto aos riscos do investimento.

56 VIVANTE, Cesare. Il contrato de assicurazione. Milano: Editore-Librario della Real Casa, 1887, v.1 e v.3,

Adicionalmente, devem o regulamento do fundo ou o termo de securitização (no caso de companhias securitizadoras) identificar os principais riscos capazes de afetar o valor do investimento, bem como os mecanismos utilizados para a sua mitigação. Os códigos de auto regulação da ANBIMA a respeito de fundos e emissões públicas reafirmam essa diretriz, estabelecendo que os prospectos de emissões públicas devem conter informações suficientes, claras e precisas para a tomada de decisão pelo investidor a respeito dos riscos envolvidos, devendo conter descrições detalhadas pelo menos quanto aos seguintes riscos: resgate antecipado, de colocação parcial, mercado, crédito, liquidez, derivativos, além de outros riscos específicos da operação.

Conforme PINHEIRO, citando KOTHARI, CARNEIRO e GOLDFAJN57, os riscos transferidos aos investidores em operações de securitização seriam basicamente o seguintes:

Risco de Crédito: perdas oriundas do descumprimento do contrato pelo tomador e/ou da contraparte de um contrato, pelo downgrade do tomador do crédito, depreciação das garantias ou pelo simples atraso. Numa estrutura típica de securitização, sem coobrigação do originador ou de terceiros, esses riscos são inteiramente transferidos para o investidor. Na avaliação de risco de crédito feita pela agência de rating, será analisada a composição da carteira de créditos, levando em consideração fatores como: tipo de crédito originado, valor e características das garantias, relação LTV58, índice de endividamento dos devedores, histórico de inadimplência, taxa de pré-pagamento, custo de execução forçada, volume individual de cada crédito dentro da carteira, quantidade de créditos e grau de dispersão do risco da carteira.

Risco de preço ou de mercado: risco de variação do valor do ativo que lastreia o título. Conforme PINHEIRO, este risco existe em operações em que o ativo- lastro é existente, como no financiamento de veículo. Já na securitização de fluxos futuros, este risco não se aplica, pois o valor do crédito que lastreia a operação não é afetado, ao menos diretamente, pela oscilação de cotações de um outro bem. Nesta espécie de risco, incluem-se hipóteses de descasamento entre as taxas de juros oferecidas aos investidores e as taxas de juros que remuneram os recebíveis-lastro da operação.

57 CARNEIRO, Dionísio Dias; GOLDFAJN, Ilan. A securitização de hipotecas no Brasil. Rio de Janeiro. jun.

2000. Texto para discussão nº 426. PUCRJ. Disponível em: <www.econ.puc-rio.br/PDF/td426.pdf>

Risco de pré-pagamento: possibilidade de perda de receitas futuras, na hipótese de os recebíveis que lastreiam a operação serem quitados antecipadamente, com abatimento dos juros. Os regulamentos dos fundos de investimento costumam prever essa hipótese, criando mecanismos que possibilitem a compra de novos ativos para substituir aqueles que foram liquidados antecipadamente, garantindo assim um spread suficientemente alto para cobrir a remuneração dos investidores.

Risco de liquidez: risco de deficiência momentânea de caixa resultante do descasamento de entradas e saídas. CARNEIRO e GOLDFAJN59, apud PINHEIRO, também traduzem o termo como a dificuldade para o investidor se desfazer do título antecipadamente, tendo em conta a inexpressividade do mercado secundário. Normalmente, esse risco é administrado com a aplicação de parte do dinheiro captado em títulos públicos e outros ativos de maior liquidez, ou com uma “abertura de crédito” junto a uma instituição financeira. Para lidar com a questão, grande parte dos fundos de investimento são constituídos na forma de condomínios fechados, onde a saída dos investidores e a amortização somente pode ocorrer na data de vencimento, situação que torna os fluxos da operação mais previsíveis.

Risco de taxa de juros: risco de descasamento entre taxas de juros em operações em que os títulos de securitização e os ativos-lastro tiverem taxas diferentes – por exemplo quando uma delas é flutuante e a outra fixa. Esse risco pode ser trabalhado com um swap e outros mecanismos de reforço de crédito, como um spread excedente fixado em patamares considerados suficientemente alto para cobrir o descasamento entre ativos (recebíveis) e passivos (título de securitização).

Risco de taxa de câmbio: Trata-se de um risco associado à oscilação do preço de moedas presente em determinadas operações. Esse risco costuma ser mitigado com a incorporação de uma operação de hedge cambial à estrutura.

Risco operacional: riscos ligados aos processos e controles internos dos diversos agentes que participarão da operação, a começar pela originadora, que deve selecionar corretamente os ativos a serem cedidos. Os riscos operacionais estão

presentes na administração do próprio veículo securitizador e nas atividades dos diversos prestadores de serviço, especialmente aqueles que executam as funções críticas como: custódia, análise de atendimento dos critérios de elegibilidade e validação dos recebíveis a serem adquiridos, acompanhamento dos índices de concentração, cobrança e liquidação financeira das operações60. Esse tipo de risco tende a requerer maior atenção na medida em que as estruturas operacionais adotadas tornam-se mais complexas, tendo em conta a maior diversidade de tarefas e agentes envolvidos.

Risco de seleção adversa dos ativos a serem cedidos ao veículo, dando origem a um portfólio com características diferentes das planejadas.

Risco sistêmico: aqueles que não estão ligados particularmente ao originador ou aos recebíveis, mas sim ao ambiente operacional, associados normalmente a crises econômicas e políticas, e eventos que possam afetar indistintamente todo um setor da economia ou de uma região.

Outros riscos inerentes ao tipo de negócio desenvolvido pelo(s) originador(es) dos ativos a serem securitizados.

Em consulta aos prospectos das emissões mencionadas na tabela 3 (todas elas focadas em recebíveis do agronegócio), além dos riscos anteriormente listados, pode-se encontrar ainda menção às seguintes modalidades de riscos:

Risco de descontinuidade: O risco de descontinuidade relaciona-se à hipótese de liquidação antecipada dos títulos ou, na hipótese de uma carteira revolvente de recebíveis, de uma eventual dificuldade para se manter fluxos contínuos de cessão de créditos para a recomposição da carteira de ativos.

Risco de PL negativo: hipótese possível para FIDCS, cuja estrutura é de condomínio, ou seja, uma entidade desprovida de personalidade jurídica, que, portanto, não limita as responsabilidades dos quotistas. Numa situação extrema, além de perder o valor investido, os investidores podem, em tese, ser chamados a

60 A resolução CMN 3380/2006 elenca as seguintes espécies de riscos operacionais: fraudes internas e

externas, demandas trabalhistas, práticas inadequadas relativas a clientes, produtos e serviços; danos a ativos, risco de interrupção das atividades da instituição, falhas em sistema de tecnologia da informação, falhas na execução, cumprimento de prazos e gerenciamento das atividades, entre outras.

aportar recursos adicionais para saldar os compromissos do condomínio. Trata-se de uma hipótese muito remota, pois veículos de propósito específico das operações de securitização são, por natureza, estruturas leves que não devem assumir outras obrigações que não aquelas diretamente vinculadas à compra de recebíveis.

Riscos relacionados aos originadores: numa operação típica de securitização com a participação de um VPE para a segregação do patrimônio que lastreia a emissão, os riscos imediatos relativos à falência do originador estão naturalmente mitigados. Porém, dependendo da estrutura da operação, o nível de atividade econômica do originador pode influenciar na qualidade de risco dos títulos, como é tipicamente os casos da securitização de recebíveis não performados. O mesmo risco estaria presente ainda no caso de coobrigação do originador pelo adimplemento dos recebíveis cedidos ao VPE e no caso de a operação estar estruturada sobre créditos de curto prazo, onde a falta de um fluxo de créditos elegíveis para aquisição pelo veículo gera o risco de que a operação não consiga remunerar os investidores na taxa fixada. Nas operações estruturadas sob a forma de FIDCs especificamente, convém notar que as carteiras precisam contar com mais de 50% dos seus ativos aplicados em direitos creditórios, sob pena de liquidação antecipada.61

Riscos envolvendo derivativos: é comum que as operações de securitização autorizem a realização de operações com derivativos enquanto ferramenta de hedge de preços para mitigar os riscos de descasamento entre a carteira e os títulos de securitização, em virtude da variação de preços, taxas de juros e de câmbio da carteira e dos títulos de securitização. Dependendo das oscilações do mercado, o uso desses instrumentos pode, porém criar problemas de liquidez em casos de chamada de margem, ou mesmo implicar perdas, caso mal utilizados. • Risco de concentração geográfica: particularmente relevante em operações

fundadas em recebíveis agrícolas, onde uma catástrofe natural, surto de pragas ou doenças podem afetar simultaneamente a qualidade de uma grande parcela da carteira.

61 Como observado por PINHEIRO (p.51.), foi nesse contexto que os investidores do FIDC Parmalat decidiram

Riscos legais: nesse item, estaria contemplada a possibilidade de questionamento judicial da validade/eficácia dos títulos de crédito que lastreiam a operação, da efetiva cessão dos direitos creditórios para o VPE, risco de alterações do regulamento ou decisões relevantes que possam ser tomadas por deliberação da maioria dos investidores, políticas econômicas, invasões de terras vinculadas à operação, entre outros.

Importante pontuar que os riscos acima foram listados em caráter meramente ilustrativo, conforme referidos na bibliografia consultada. Não houve, pois o intuito de exaurir as diversas modalidades de risco envolvidos e nem de classificá-las em categorias e subcategorias.

Os principais riscos envolvidos em emissões públicas devem ser quantificados e classificados pelas agências de rating62, com o intuito de dar ao investidor uma dimensão

dos riscos do título através de critérios consistentes e padronizados, sem que o próprio investidor tenha que fazer uma análise completa das complexas estruturas. Assim, caberá ao estruturador, buscar desenhos e mecanismos de reforço de crédito que permitam otimizar o rating aos objetivos pretendidos. A proteção contra riscos torna-se assim um dos principais vetores do processo de estruturação de operações de securitização.

Nos tópicos seguintes, serão descritos os principais mecanismos incorporados às operações objetivando a gestão de tais riscos.