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Conceito e características gerais dos títulos de crédito

3. OS TÍTULOS DO AGRONEGÓCIO E SUA APLICAÇÃO EM OPERAÇÕES

3.1. Conceito e características gerais dos títulos de crédito

Nos termos do art. 887 do Código Civil, título de crédito é o documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido. Sua função essencial é a circulação do respectivo valor. O título de crédito representa o crédito e faz prova do direito ao mesmo, de tal forma que, desde que atendidos os requisitos previstos em Lei, esta lhe conferirá o atributo da exigibilidade. Daí a grande importância que o instrumento adquiriu na sociedade capitalista moderna. Conforme RIZZARDO (2006):

“A função primordial dos títulos de crédito está justamente em representar uma obrigação que prima pela liquidez e certeza, a ser prestada para o credor. Expressa o crédito, bastando por si mesmo para impor a exigibilidade, e encontrando-se, normalmente, desvinculado de discussões sobre sua origem. O título dá ao crédito qualidades tais que afastam dúvidas sobre sua idoneidade. Mas também constitui um meio de mobilizar o crédito, ou torná-lo circulável, indo de uma pessoa para outra, através de endosso ou cessão. Esta, sem dúvida, uma das maiores vantagens que proporciona o título.”

De fato, ao circular junto a terceiros estranhos à relação negocial primitiva, o título permite que os credores se recapitalizem no mercado, mediante a cessão do crédito para terceiros, em operações como o desconto bancário, a faturização e a securitização, as quais, como regra, prevêem o abatimento de uma taxa de desconto sobre o valor pago ao credor cedente em relação ao valor expresso no título.

As principais características dos títulos de crédito são: a literalidade (no sentido de que o título vale pelo que nele está escrito), a cartularidade (no sentido de que o documento, a cártula, é indispensável para o exercício do direito), a autonomia e a abstração (da obrigação nele contida em relação ao negócio que o originou e das pessoas que dele participaram). O termo título de crédito tem uma conceituação próxima à de valor mobiliário, mas com este não se confunde. Conforme NORONHA (2004), “enquanto o conceito de título de crédito é, fundamentalmente de caráter doutrinário, o de valor mobiliário, ao revés, assume a característica de ser tipicamente legal”, sendo disciplinado pela lista taxativa da Lei 6.385/76. DE LUCCA44, apud NORONHA, destaca que, sob o prisma de sua função econômica, os títulos de crédito mobilizam o crédito a partir de negociações singulares com a emissão de títulos cambiários ou cambiariformes representativos dessas operações concretizadas, ao passo que os valores mobiliários mobilizam o capital das sociedades emissoras mediante a dispersão dos títulos perante a coletividade de investidores. Em outras palavras, os títulos de crédito incorporam direitos individuais e singulares, ao passo que os valores mobiliários têm uma natureza de maior fungibilidade, com vocação para distribuição em massa.

O título de crédito confere ainda ao credor sensíveis vantagens em termos de agilidade para a recuperação de créditos inadimplidos. Em conformidade com o art. 566 do Código de Processo Civil45, de posse de um título de crédito vencido, o credor pode propor desde logo uma ação de execução, procedimento em que serão tomadas as medidas expropriatórias para saldar a dívida. Nesse caso, os devedores são citados para pagar (no caso de execução por quantia certa) ou para entregar a coisa devida (no caso de execução por entrega de coisa certa). Caso pretendam os devedores discutir a validade e extensão da dívida, em tese, devem previamente apresentar garantias, as quais ficarão indisponíveis até o término do processo. Sem um título de crédito, caberá ao credor propor ação de conhecimento para obter o reconhecimento da certeza e exigibilidade do seu crédito, hipótese em que o devedor será citado para se defender, sendo que somente após o regular desenvolvimento do processo, em posse de um julgamento procedente, é que o credor poderá iniciar os

44 DE LUCCA, Newton. As bolsas de valores e os valores mobiliários. In: Revista do TRF-3, São Paulo, v.35,

p19-38, jul. a set. 1998.

45 Art. 566. Podem promover a execução forçada: I - o credor a quem a lei confere título executivo; (...)

Art. 567. Podem também promover a execução, ou nela prosseguir: (...) II - o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos; (...)

procedimentos de execução. Esta longa e incerta etapa é, portanto, pulada pelos credores que detenham títulos de créditos, o que pode lhes representar a economia de vários anos de litígio para a recuperação do crédito, além dos dissabores e prejuízos inerentes. A questão é assim comentada por RIZZARDO:

“O crédito existe por si, podendo carecer do documento, ou título que o exterioriza. Todavia, sem o documento que contenha os requisitos necessários, desguarnece-se de certas garantias, dificultando a sua exigibilidade. Não fica o credor impedido de procurar o recebimento, o que se pode fazer através de uma ação de rito ordinário. Já a materialização em título aperfeiçoa a sua existência e introduz garantia na imposição do pagamento. É, pois, o título a exteriorização do crédito, conferindo-lhe a lei certas vantagens para exigir a adimplência da obrigação nele contida.”

De fato, pela sistemática introduzida pelas recentes reformas no processo civil, procedimentos em fase de execução conferem uma posição muito privilegiada aos credores. Particularmente, em casos de execução por quantia certa, fica o devedor exposto ao risco iminente de congelamento eletrônico de suas contas bancárias, tendo em vista o crescente uso pelos tribunais da chamada “penhora online”.

Essas características conferem uma maior agilidade e segurança aos direitos creditórios instrumentalizados na forma de títulos de crédito, características estas de fundamental importância dentro da dinâmica dos negócios celebrados no agronegócio moderno, sobretudo quando se pretende usar tais créditos em operações estruturadas junto ao mercado financeiro e de capitais. Tais estruturas requerem um alto grau de confiabilidade e previsibilidade dos fluxos de receitas, podendo ser inviabilizadas por incertezas e fatores de risco.

3.1.1. A circulação dos títulos de crédito

Os títulos de crédito distinguem-se em 3 categorias quanto a sua forma de circulação: os ao portador, os à ordem e os nominativos. Ao portador são os títulos que não contêm a denominação do beneficiário/credor, de forma que sua transferência se dá pela entrega física (tradição). Já os títulos à ordem e os nominativos contém a indicação do beneficiário, sendo no primeiro caso na própria cártula e no segundo nos livros do emissor, em conformidade com o art. 921 do Código Civil.

Em relação aos títulos nominativos, RIZZARDO (2006) pontua que o propósito do registro dos títulos nominativos nos livros do próprio emitente é assegurar a garantia da sua inviolabilidade. RIZZARDO (p.57) ainda esclarece que “diferentemente do título nominal, o

nominativo não requer que se decline o nome da pessoa a quem se destina, sendo suficiente o mero registro no livro do emitente. A sua perda não tem grande importância, posto que a propriedade e a titularidade se comprovam por meio do registro próprio.” É em função dessa maior segurança conferida pelos títulos nominativos que os valores mobiliários tendem a assumir a forma de títulos nominativos, tal como é o caso dos novos títulos do agronegócio, particularmente o CDCA, a LCA e o CRA, título no qual está fundada a operação estudada neste trabalho.

A transferência dos títulos ao portador opera-se mediante a entrega (tradição) do título ao cessionário (art. 904 do Código Civil). Já os títulos à ordem operam-se através de endosso, exarado no próprio título (art. 910), ou termo de cessão (art. 919). Da mesma forma, a transferência dos títulos nominativos pode ser feita via endosso ou termo de cessão, que deve constar no registro do emitente (art. 922).

Importante notar que, em regra, o endosso pode ser com ou sem cláusula de responsabilidade, sendo que na primeira hipótese o proprietário endossante se coobriga solidariamente pelo pagamento do título. No segundo caso, sua responsabilidade resume-se à existência da dívida, não pelo seu adimplemento.46

A coobrigação do cedente pelo adimplemento dos créditos cedidos não consiste, portanto, numa pré-condição para a transferência dos títulos, mas a coobrigação pode de qualquer maneira ser estipulada por acordo entre as partes interessadas. Essa mesma lógica é encontrada no art. 296 do Código Civil, que trata de cessões de crédito em geral, conforme comentado no tópico 4.5.4. à frente. Isso há de conferir a necessária flexibilidade legal e operacional para que estruturas de securitização sejam moldadas de acordo com as necessidades e conveniências do caso concreto.

46 Curioso notar que, em se tratando de títulos à ordem, se o endosso não especificar se há ou não

responsabilidade do endossante, a regra estatuída no Código Civil é a de que não há a responsabilidade automática dos endossantes, disposição que é repetida na Lei 8.929/94 no tocante às CPRs e na Lei 11.076/04, no tocante ao CDA/WA. Para os títulos nominativos agrícolas da Lei 11.076/04 (CDCA, LCA e CRA) e os títulos agrícolas do Decreto-Lei 167/67 (notadamente as Cédulas de Crédito Rural), aplicam-se as regras cambiárias do Decreto 57.663/66 (Lei Uniforme em matéria de Letra de Câmbio e Notas Promissórias), no sentido de que, “o endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento da letra.”