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Securitização e a crise do mercado hipotecário norte-americano

A chamada crise do subprime eclodida nos EUA no final de 2007 colocou em discussão a confiabilidade das operações de securitização, ao evidenciar que a livre circulação de títulos de securitização pode disseminar riscos decorrentes de problemas na estruturação e no apreçamento desses títulos, notadamente em mercados pouco regulados e transparentes.

Diversos autores investigaram a questão nos últimos anos, atribuindo o evento a uma série de fatores. PULINO, citando ENGLAND (2006)33, destaca que a crise eclodiu após um crescimento anormal da comercialização de papéis de pior qualidade no mercado

imobiliário, notadamente os assim chamados subprime e os Alt-A34. A participação desses títulos no mercado de títulos privados (private label) norte-americano teria aumentado de 41% para 76% apenas entre 2003 e 2005. Citando BIS (200735), GREEN e WATCHER (200736), PULINO explica o fenômeno destacando fatores como: a distorção de incentivos aos originadores de MBS, cuja remuneração advinha do volume de operações empreendidas, a crescente pressão competitiva nesse segmento de mercado, expectativas excessivamente otimistas quanto à evolução do mercado imobiliário e a desatenção das agências de rating ao aspecto sistêmico do risco de crédito no subprime.

Em artigo publicado em janeiro de 2008, MIAN e SUFI, da Universidade de Chicago, atribuíram a culpa pela crise principalmente aos riscos morais dos originadores. Eles destacaram que, a partir de 1996, com maior intensidade a partir de 2001, o número de hipotecas aprovadas para operações de crédito nos EUA aumentou mais em regiões onde a taxa de renda e emprego estavam em declínio, ao passo que o volume de crédito aos chamados bons pagadores permaneceu estável. O fator novo a explicar o paradoxo seria a desintermediação bancária, que teria tornado os originadores (bancos e construtoras) menos comprometidos com a análise da qualidade dos ativos, já que os riscos seriam transferidos aos investidores, tendência que ganhou grandes proporções dentro do contexto verificado à época, de pouca regulamentação e intensa concorrência.

O coro de críticas à securitização foi engrossado em fevereiro do mesmo ano pela prestigiada revista The Economist37, que disparou: “Quebrando o link entre aqueles que analisam o crédito do tomador (os cedentes) e os que arcam com os custos em caso de inadimplência, a securitização levou a créditos frouxos, que tanto abasteceram quanto derrubaram o mercado imobiliário norte-americano”. Para manter clientes e aumentar participação no mercado, agentes de mercado teriam flexibilizado as regras de concessão de empréstimos.

34 Os Mortgage Backed Securities (MBS) do tipo subprime tinham como lastro empréstimos a pessoas físicas

com elevado risco de crédito, seja porque não tinham renda compatível com as prestações, seja porque não apresentaram documentação demonstrando o contrário, seja pela existência de um histórico recente de inadimplemento. (TORRES FILHO, Ernani Teixeira. Entendendo a Crise do Subprime. Visão do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, v. 44, p. 1-9, 2008. apud PULINO, 2008). Os MBS do tipo Alt-A englobam uma categoria intermediária entre o prime e o subprime.

35 BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENT. Working group of the Committee on the global financial

system. The role of ratings in structured finance: issues and implications. Basileia, 2007.

36 GREEN, Richard K., WATCHER, SUZAN M. The housing finance revolution. [s.1] 2007. Disponível em:

<www.kansascityfed.org>

O consultor em finanças estruturadas Chuck Spraings38, todavia, pondera que, apesar de a desintermediação ter induzido os originadores a terem menos cuidado, isso não significa que a securitização seja um mal em si, pois a história mostra que mesmo instituições financeiras recorrentemente incidem em erros semelhantes. Ele defende que teria sido a ocorrência predatória entre emprestadores a principal responsável por esticar os limites de crédito. A mesma posição é defendida por PULINO (2008, p.45): “os incentivos e a assimetria de informações revelados pela crise não são específicos à securitização: essas são questões comuns em todas as áreas do domínio econômico. Não há nada que deponha contra a securitização em si nesse contexto.”

Jayme Bartiling39, diretor de finanças estruturadas da agência Fitch Rating, ressalta um grande diferencial do mercado brasileiro em relação ao norte-americano, consistente no fato de que aqui o originador costuma subscrever os títulos subordinados, deixando as seniores para os investidores. Assim, uma emissão inapropriada resultará mais tarde numa espécie de efeito bumerangue. Carlos Alberto Rabello40, superintendente da área de registro da CVM, faz uma outra ponderação: “No Brasil, a estrutura de securitização ainda é muito primitiva do ponto de vista do risco. Portanto, essa leniência na hora da concessão do crédito não existe.”

De fato, no atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, ainda se nota uma relevante resistência dos investidores aos produtos ligados à securitização, notadamente FIDCs, CRIs e CRAs, sendo visível sua cautela na apreciação desses papéis. PULINO (2008, p. 45) destaca o seguinte quanto a esse aspecto da realidade brasileira:

“O estoque de recebíveis com baixo risco de crédito (prime) no setor imobiliário e em outros setores mal começou a ser explorado e as altas taxas de juros na economia inibem o apelo de ativos de alto risco. Nessas condições, parece inexistir campo fértil para securitizar empréstimos de baixa qualidade.”

Sob esse enfoque, portanto, acreditamos que os agentes de mercado e instituições regulamentadoras brasileiros, sobretudo apoiando-se na experiência adquirida com a crise americana, estejam aptos a prosseguir na condução do processo de desenvolvimento dessa indústria no país, promovendo a transparência e impedindo a contaminação do mercado financeiro por riscos sistêmicos associados aos papéis de securitização.

38 Mesma fonte. 39 Mesma fonte. 40 Mesma fonte.

3. OS TÍTULOS DO AGRONEGÓCIO E SUA APLICAÇÃO EM OPERAÇÕES