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4.1 Uma visão de conjunto

4.1.8 CHAT: Um exemplo de interacções profícuas

Em chat, o programa no qual os alunos afirmaram sentir-se mais à vontade, as interacções foram produtivas e frutíferas. Com efeito, os alunos discutiram e reflectiram sobre o texto que deveriam ordenar e verificou-se que os aprendentes usaram a “própria reflexão, ou seja a capacidade de julgar e de corrigir, acompanhada da capacidade de experimentar e de explicar decisões com vista à sua fundamentação e verificação dos resultados” (Barbeiro, 2003:74).

É curioso verificar que a riqueza das interacções não está directamente relacionada com a correcção dos textos obtidos após o exercício de ordenamento textual. Com efeito, algumas das díades tiveram discussões em que confrontaram posições e chegaram a consenso, tendo as discussões sido ricas no que se refere à metacognição quanto à estrutura do texto argumentativo. Contudo, as mesmas díades nem sempre apresentaram textos onde a coesão e a coerência de organização dos elementos textuais são uma constante.

Refira-se a título de exemplo a díade 5. No início da discussão constata-se uma riqueza de estratégias do domínio locutório, elocutório e perlocutório, na medida em que um dos alunos interpela directamente o outro (nesta situação, de muitas outras formas não poderia ser, uma vez que estão os dois num espaço restrito a discutir on-line) com a intenção comunicativa expressa de o aconselhar e questionar para o levar a reflectir.

“a10 a10d5> Já escolhes-te o 1º?

<a9 a9d5> não / tou a achar isto um cadito complicado

<a10 a10d5> pensa assim.. / como é que começa um texto? / não é logo c argumentos / né?

<a9 a9d5> achas q o primeiro é o 1/ yap

<a10 a10d5> é com algo introdutório / eu n acho que seja a 1 / :s <a9 a9d5> eu acho q é 4 / o q achas?

<a10 a10d5> por um lado acho que seja / por outro acho que o 7 tb fazia sentido (D5)”

Os mesmos alunos, na ordenação textual, conseguem uma parte bem organizada. Por exemplo, neste excerto verifica-se que estes alunos, ao contrário de outros, utilizaram indicadores semânticos evidentes para a ordenação textual: “ A ideia… é hipócrita e cínica. Hipócrita porque… Cínica, porque…”

“4 A ideia de que os famintos do mundo podem ser alimentados se for permitido aos gigantes do sector agrícola do Norte fornecer culturas geneticamente modificadas é hipócrita e cínica.

5 Hipócrita porque esta ideia está ainda muito longe de ser aplicada na prática.

6 Cínica, porque os agricultores pobres não têm possibilidade de comprar as sementes caras e porque os países que as desenvolvem não possuem os meios institucionais para lidarem com os riscos consideráveis que elas envolvem.” (D5)

No entanto, noutros segmentos do texto a díade não ordenou os parágrafos da melhor forma. No excerto que a seguir se transcreve é notória a incoerência que existe entre o 13º e o 14º parágrafos. Com o efeito, os dois últimos parágrafos são uma enumeração do enunciar de intenções, mas nada introduz esse momento. Haveria de existir um parágrafo prévio que as anunciasse.

“12 Um nível considerável de subnutrição existe mesmo nos “países desenvolvidos”, devido aos maus hábitos alimentares.

13 Esta situação existe apesar de o fornecimento global de alimentos ter crescido mais rapidamente do que a população nas últimas décadas.

14 Não delegar a responsabilidade por 800 milhões de famintos e subnutridos para23 algumas poucas empresas do sector agrícola.

15 Em vez disso, criar e proporcionar o ambiente político que permita aos pobres alimentarem-se e apoiar as muitas abordagens de sucesso já em prática para a produção sustentável.” (D5)

No texto há recursos que poderiam ter sido utilizados e que teriam outro cabimento no excerto em análise, como por exemplo: “Alcançar a segurança alimentar implica…”; “os exemplos … veiculam uma mensagem … clara para a tomada de decisões”; “Uma esperança real reside nas iniciativas que envolvem directamente os agricultores do Sul”. Sem dúvida haveria outra harmonia e congruência entre estas duas ideias do texto que assim se apresentam discrepantes e desconexas. Um dos factores que concorre para isso é o parágrafo 14 começar com uma asserção formulada na negativa e conter um verbo substantivado (com um eventual valor perifrástico), que se apresenta semanticamente como uma frase sem sentido, no contexto no qual os alunos a inseriram.

Nestas trocas de impressões e discussões há constatações curiosas que se prendem com o tipo de interacções que os alunos privilegiaram nas suas trocas verbais on-line. Tratando-se da negociação de como deveriam ordenar o texto é normal que interacções do tipo dar opinião e monitorizar o trabalho apareçam isoladas com mais de cem incidências no cômputo geral como se pode verificar no quadro 4.12. São categorias

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que se prendem com a própria organização do trabalho e com as tomadas de posição subsequentes a tarefas desta índole.

Quadro 4-12 Interacções por categoria e aluno

categorias A1 A2 A3 A4 A5 A6 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 TOTAL

DO 11 5 16 4 14 14 15 11 3 5 7 5 14 10 134 C 9 10 7 5 4 10 9 6 5 1 7 4 4 4 85 D 5 1 6 1 1 4 3 5 1 1 2 0 3 0 33 Q 8 6 5 5 4 2 8 4 4 4 3 2 5 6 66 PE 3 3 1 1 2 0 1 2 5 0 2 3 3 5 31 EP 9 4 2 1 0 5 0 6 5 2 11 6 3 0 54 J 6 2 10 2 4 6 0 0 3 2 4 4 3 1 47 N 14 6 4 4 5 6 7 10 2 1 5 5 4 3 76 Co 2 1 1 0 1 1 0 0 1 0 3 0 2 0 12 MT 18 4 9 4 14 13 8 9 5 6 2 8 9 10 119 ARP 5 1 2 2 6 12 3 10 2 4 1 1 3 1 53 ARO 0 0 0 3 1 0 0 0 1 0 0 0 0 0 5 PA 0 0 0 0 3 1 0 6 1 2 9 3 0 1 26 DA 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 1 2 0 1 7 VE 0 0 0 1 0 3 1 0 3 0 0 0 0 0 8 PC 1 1 0 0 0 4 2 2 1 0 1 0 0 0 12 S 5 1 0 0 2 3 1 2 1 2 2 2 1 0 22 FT 1 0 0 0 1 2 0 6 3 2 0 2 1 0 18 SV 4 2 3 0 1 2 6 8 5 0 1 2 1 0 35 NC 0 0 0 0 3 3 0 1 1 0 2 3 1 1 15 TOTAL 101 47 66 33 66 92 64 89 53 32 63 52 57 43 858

De salientar que nestas categorias há díades em que os alunos se distanciam um do outro por um deles apresentar uma incidência bastante maior que o colega em enunciados opinativos ou de regulação do trabalho, constatando-se, por conseguinte, que nalgumas díades, como é o caso da primeira ou da segunda, um dos alunos assume nitidamente uma posição de liderança, tendo o outro papeis nos quais adopta atitudes em que prevalece a explicação ou justificação. Tal é o que se verifica em relação ao aluno 2 da díade 1 e em relação ao aluno 4 da díade 2. Noutras díades, como a terceira ou a oitava, os papéis são perfeitamente equilibrados.

Considerando ainda as categorias isoladas como mais utilizadas, foram também muito recorrentes as categorias concordar e entrar em negociação, seguindo-se-lhes as categorias formular questão e explicar procedimentos. Aparecem ainda com alguma expressão categorias como apresentar justificação e avaliar e regular o próprio trabalho.

Importa verificar que a categoria discordar tem pouca expressão. Uma justificação plausível será a de que, por uma questão de comportamentos de netiqueta julgados adequados, os alunos preferem não demonstrar explicitamente o seu desacordo, optando por dar opiniões, não forçosamente consentâneas com as dos colegas, ou questionar e pedir explicações para levar o colega ao conflito cognitivo resultante e/ou conducente à reflexão e confronto que tornam a argumentação mais válida e fundamentada (Andriessen et al, 2003; Weinberger et al, 2005).

Gráfico 4.8 Ocorrências por interacções

Frequência por categorias

DO MT C N Q EP ARP J SV D PE PA S FT NC PC Co VE DA ARO

O gráfico 4.8 mostra as categorias que mais se destacam, apresentando o gráfico 4.9 os mesmos resultados com maior visibilidade em relação ao número de vezes em que ocorreram.

Gráfico 4.9 Categorias ordenadas por ocorrências Categoria ordenadas 0 20 40 60 80 100 120 140 DO M T C N Q EP J ARP SV D PE PA FT NC PC S Co VE DA ARO categorias oc or nc ia s

Há categorias entre as menos recorrentes que merecem uma referência. A categoria NC (não classificada) refere-se a enunciados muito específicos que exprimem claramente uma ordem, uma dúvida, um pedido de desculpas. Alguns exemplos são as interacções 18 da aluna A5, 144 da aluna A6, ou 17 da aluna A16. Estão relacionadas com a monitorização do trabalho mas têm um âmbito mais específico, ou seja, corresponderiam a categorias emergentes só durante a análise, como por exemplo: apresentar dúvidas, pedir desculpa.

Por outro lado, importa também realçar que num trabalho desta índole as categorias PC e VE acabam por ter alguma expressão. Veja-se o excerto que se segue:

“<a5 a5d3> agora temos que tentar xegar a uma conclusão / vê a minha proposta24 <a6 a6d3> eu acho que a tua ordem está fixe

<a5 a5d3> pois mas temos que xegar a uma conclusão <a6 a6d3> fica a tua/ está bem estrorurada

<a5 a5d3> eu tenho algumas coisas trocadas em relação a ti / fica a minha? <a6 a6d3> e para além do mais a minha está muito parecida

<a5 a5d3> então mas não queres refutar a tua / ?

<a6 a6d3> não vale a pena/ .... / a tua está bem / entre a tua e aminha a tua é que está melhor encadeada / acho que tens razão na ordenação / que fizes te do teu texto / manda a tua

<a5 a5d3> está bem / beijo então / vou mandar / desculkpa a confusão

<a6 a6d3> e podes dizer que em grupo achamos que a tua era a mais credivel e que para além disso durante o trabalho fomos discutindo as nossas ideias”

Como se pode verificar, os alunos estavam pressionados pelo tempo e pela tarefa em si, mas mesmo assim, desenvolveram um ciclo de trocas e interacções em que é notória a preocupação em valorizar o trabalho do par. A aluna A5 demonstra alguma insegurança em relação ao seu trabalho, mostra precisar de mais tempo antes de considerar o trabalho pronto para enviar, mas o colega fornece-lhe constante retroacção positiva. Há outros casos em que essa retroacção ainda é mais evidente, como acontece na díade 6. Ressalta que estes alunos se sentem mais pressionados pelo tempo mas, seja por que motivo for, na última intervenção transcrita, o aluno A11 demonstra ao colega a sua confiança nele sem qualquer pejo e com toda a transparência.

“<a12 a12d6> pelo que me disseste eu concordo com a tua associação de ideias.... <a11 a11d6> eu também / não temos tempo

<a12 a12d6> terceiro escolhia o 8

<a11 a11d6> temos que ir embora... / lol / TEMOS QUE IR EMBORA... / envia que tens feito / confio me ti...”

No excerto da díade 5 que se segue, o aluno A10 apresenta exemplos ricos pela variedade de que se reveste, neste caso, o conceito de promover a confiança.

“<a10 a10d5> vá vamos enviar <a9 a9d5 >mandamos axim?

<a10 a10d5> ternh a certeza k esta bm / pk agr faz todo o sentido n achas?? <a9 a9d5> axo q sim

<a10 a10d5> há ligação entre todas as frases anteriores e as seguintes / quer em ligação quer no proprio sentido

<a9 a9d5> concordo... :)” (ver nota 16)

Com efeito, ao afirmar “ternh a certeza k esta bm” o aluno pretende reforçar a sua opinião junto do colega. Mas ao proferir a apreciação que faz não se refere a um interlocutor especifico, não interpela o colega, não usa nenhum deíctico, não modaliza o discurso na 2ª pessoa. Ou seja, é como se estivesse a falar alto, para se ouvir e convencer também a si próprio.

Este tipo de modalização do discurso compreende-se de acordo com os resultados do trabalho da díade referente a esta tarefa. Com efeito, como se vê na parte deste capítulo dedicada à análise das interacções em CHAT, estes alunos começam bem o exercício de ordenação textual, com lógica e coerência, mas no final há incongruências que decorrem da precipitação com a qual os alunos finalizaram o trabalho, o último desta sessão.