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Chave conceitual explicativa para o perfil diferenciado dos pentecostais

2.3 Panorama das religiões no Brasil

2.3.3 Chave conceitual explicativa para o perfil diferenciado dos pentecostais

Acredita-se que os fiéis pentecostais respeitem e obedeçam mais os preceitos religiosos pelo caráter minoritário da religião, cujos integrantes tendem a se vigiar e controlar mutuamente (MARIANO, 2013). O caráter minoritário da religião evangélica contribuiu para a conformação do sectarismo e ascetismo religioso, em especial dos pentecostais. O fato de o pentecostalismo ter se constituído no Brasil como seita em contraposição à Igreja Católica estruturou uma visão de mundo e um comportamento moral diferenciado e uma coesão comunitária (MARIANO, 2013; FRESTON, 1993). Dessa forma a chave conceitual seita-igreja pode ser usada para justificar o

conservadorismo dos pentecostais. No intuito de explicar esta chave- conceitual será abordado o paradigma igreja/seita de Troeltsch (1987).

Para o autor, a igreja é uma organização fundamentalmente conservadora e que tem a pretensão de ser universal, ou seja, deseja abarcar a totalidade das pessoas. Ela incorpora o Estado e as classes dominantes, determinando uma ordem social por meio de uma moralidade média ao manter relações relativamente boas com o mundo. Uma igreja reivindica a posse exclusiva da verdade divina, entretanto deseja salvar a todos. Possui uma elite eclesiástica que promove uma mediação do indivíduo com Deus e adota a idéia da Graça Sacramental, em que a salvação depende da concessão da graça pelo sacerdote. O ritual do batismo da criança, por exemplo, permite que o indivíduo passe a fazer parte da igreja ao nascer. Entretanto a igreja gera diferentes graus de compromisso religioso em seu interior, incluindo laços fracos entre a igreja e os fiéis (FRESTON, 1993).

A seita nasce do cisma com alguma igreja e tem a expectativa de transformar o mundo, rejeitando a ordem social. É formada por um grupo relativamente pequeno e coeso de pessoas, que aspira a perfeição interior e defendem a obediência, promovendo um ideal de comportamento. Dessa forma, a seita não aceita o total das massas, mas apenas as pessoas religiosas qualificadas. A seita enfatiza a separação entre o Reino de Deus e os interesses e instituições seculares. Para a seita, a salvação depende do esforço e mérito individual e a relação entre o indivíduo e Deus é direta, sem mediação. Os membros da seita convertem-se de forma voluntária e se relacionam às classes dominadas (MARIANO, 2013; TROELTSCH, 1987; SANTOS JUNIOR, 2004). A liderança se estabelece por critérios carismáticos com pouco treinamento formal. Dos adeptos é exigido um alto nível de participação no grupo e suas vidas são rigorosamente controladas pela liderança (FRESTON, 1993).

Os protestantes tradicionais surgiram como seita no Brasil, em oposição à igreja católica. Entretanto, após o surgimento do pentecostalismo, adquiriram um caráter de denominação, passando seu status de seita para os pentecostais. A denominação surge em um contexto de pluralismo religioso e é o oposto da idéia de igreja/seita, pois não reivindica um monopólio, mas se vê como uma denominação da verdadeira igreja, ou seja, não reivindica a

legitimidade exclusiva e acomoda-se à sociedade. Geralmente a denominação promove uma integração social dos fiéis e os adeptos tendem a pertencer a uma classe média. Possuem um nível de comprometimento menos intenso que na seita (FRESTON, 1993).

Dessa forma, os pentecostais assumiram o status de seita em oposição a igreja católica e os protestantes tradicionais adquiriram um caráter de denominação. Já os neopentecostais oscilam entre seitas e denominações, o que os torna menos rígidos comportamentalmente em relação aos pentecostais (TROELTSCH, 1987; FRESTON, 1993). Isso porque os neopentecostais se formaram coexistindo juntamente com os pentecostais e tradicionais e apesar de não pretenderem ser a única expressão verdadeira da religião evangélica, se considera a melhor e mais correta maneira de vivenciar a religião. Assim como nas seitas, os neopentecostais também possuem a adesão voluntária e a possibilidade da exclusão do membro que esteja em desacordo com algum dos elementos teológicos, litúrgicos ou morais. Estes dão bastante ênfase ao louvor e são mais flexíveis teologicamente, não permanecendo estáticos na doutrina como são os pentecostais. Distingue-se também quanto aos “usos e costumes” menos rígidos, como na denominação (BRAZ, 2013; NIEBUHR,1992; MARIANO, 1999).

Assim, o comportamento diferenciado dos pentecostais pode ser explicado por seu caráter de seita que promove uma ascese comportamental e a própria moralidade sexual mais rígida que nas igrejas e denominações, influenciando a vida de seus fiéis de forma mais restritiva. Entretanto, mesmo dentro do pentecostalismo, algumas vertentes vêm abrandando seus traços sectários nas últimas décadas (MARIANO, 1999).

Em suma, o padrão familiar parece ser diferente entre mulheres pertencentes às religiões católica e evangélicas no Brasil. No geral, é possível dizer que variáveis ligadas às características sociodemográficas dos indivíduos, tais como escolaridade, raça/cor de pele, situação de domicílio e localização (rural x urbano) podem afetar suas escolhas em relação ao padrão de formação familiar, bem como a filiação religiosa e sua influência na vida dos fiéis. Dessa forma, o padrão de formação familiar por categoria religiosa pode ser influenciado pelas variáveis sociais e demográficas citadas acima,

tornando-se necessário uma análise do efeito líquido da religião nas variáveis de análise, isto é, controlando as características socioeconômicas.

O próximo capítulo trata da teoria dos mecanismos de influência da religião na vida dos fiéis.

3. Marco teórico

Este capítulo apresenta os mecanismos de influência da religião na vida de adolescentes americanos organizados por Smith (2003) a partir de trabalhos já existentes na área. Apesar da teoria ter sido criada para explicar como as religiões de forma geral influenciam o comportamento de adolescentes americanos, ela também pode ser aplicada a outros grupos etários e diferentes religiões, bem como outras regiões, como o caso do Brasil. Neste estudo ela será utilizada para analisar a influência das religiões católica e evangélica no padrão de formação familiar de mulheres entre 20 a 29 anos.

A teoria aborda como os diferenciais nos princípios de moral, ensinamentos e mecanismos de coação adotados por diferentes religiões podem influenciar diretamente a vida dos fiéis. Neste estudo, serão analisados possíveis diferenciais no comportamento nupcial de católicas e evangélicas. A religião também pode influenciar indiretamente a vida dos fiéis por meio de formação de competências e laços sociais e organizacionais (SMITH, 2003; VERONA, 2010).