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1 A EDUCAÇÃO PARA OS AGRICULTORES NO CONTEXTO DA ESCOLA E DA EXTENSÃO

2.1 A agricultura camponesa

2.1.2 Chayanov e a economia camponesa

Alexander Chayanov é um importante representante da corrente de pensamento conhecida na Rússia no início do séc. XX como Escola de Organização da Produção, caracterizada por orientação teórica não-marxista na abordagem da questão camponesa. A teoria de organização da unidade econômica camponesa de Chayanov possui base em estudos anteriores desenvolvidos a cerca das economias de produção familiares russas, neste mesmo período. É nesta teoria que fundamenta-se a ideia de que a família trabalha não para prioritariamente acumular capital, mas sim para preencher as necessidades fundamentais dos seus membros, ficando o acumulo capital para um segundo plano. Chayanov se propõem a analisar a organização dessa atividade econômica levando em consideração que a unidade familiar geralmente não contrata força de trabalho externo, possui uma dada extensão de terra e os meios de produção, sendo que as vezes é compelida assalariar-se em ofícios rurais não agrícolas. Considerando a ausência do trabalho assalariado e a não acumulação de capital, Chayanov classifica a unidade econômica camponesa como não capitalista. A dinâmica da relação consumo-produção em uma unidade familiar explica seu incremento na consideração do número de trabalhadores da família, números de consumidores e da necessidade de consumo, que justificariam a expansão dos cultivos.

Chayanov alerta que para entender um simples conceito de organização da unidade de exploração doméstica camponesa independente do sistema econômico no qual esta inserido, inevitavelmente, deve-se fundamentar na compreensão de sua essência organizativa no trabalho familiar. Ele adverte também que o conceito de família, no modo camponês poucas

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vezes coincidem com o conceito dito biológico, gerando ai uma série de dimensões econômicas e domésticas.

Chayanov considera que cada modo de produção necessita de teorias regionais diferenciadas. Pontes (2005) analisa que para Chayanov o trabalho do camponês tem como finalidade a satisfação de suas necessidades, sendo que neste caso, a lógica da análise marginalista é inaplicável, visto que para o camponês a noção de utilidade marginal decrescente do trabalho se defronta com a noção de satisfação de suas necessidades.

Ao resgatar Chayanov, percebe-se que o mesmo insere o camponês na lógica de equilibrar a relação entre o trabalho, o consumo e a intensidade de trabalho, mesmo que este equilíbrio o mantenha com um baixo nível de bem-estar. Porém, é perceptível também, que o camponês para Chayanov demonstra certa versatilidade em momentos de carência, o mesmo por ser resiliente adapta-se a nova realidade, transmitindo um ritmo de atividades que se direciona ao limite natural ou equilíbrio natural, subjetivamente desvantajoso. Chayanov (1974, p.84) expõem “pode-se afirmar que o nível de auto-exploração da força de trabalho se estabelece através da relação entre a medida de satisfação das necessidades e a carga de trabalho.” Desta forma, a concepção da atividade campesina não é como a de um empresário que visa o lucro e recebe a diferença entre a aquisição do produto em forma bruta e os custos de produção, mas como um artesão que determina o tempo e a intensidade do seu trabalho.

Cortez (2006) considera que para Chayanov, o equilíbrio interno da unidade e exploração é oscilante, em algumas vezes, a família é obrigada e desta forma torna-se capaz de suportar remunerações extremamente baixas por seu trabalho, o que não seria possível na unidade capitalista. Onde há uma racionalidade que visa, necessariamente a obtenção de lucro. Ainda de acordo com o autor, a família camponesa procura a satisfação de suas necessidades através da maneira mais simples e fácil, ou seja, ao buscar a retribuição mais elevada por unidade doméstica de trabalho ela pode até mesmo deixar de fazer uso dos seus meios de produção se os trabalhos alternativos que lhe forem propostos proporcionarem relativa vantagem. Analisando esta perspectiva-se infere-se que o camponês é estimulado a expansão de suas atividades agrícolas sempre que a situação do mercado lhe proporcionar benefícios no mínimo iguais àqueles que obteriam se permanecessem desenvolvendo suas atividades artesanais.

Chayanov (1974), considera que o trabalho da família é a única maneira possível para a obtenção de renda para um camponês, pois para o camponês não existe a condição social do assalariamento, impossibilitando assim o calculo final do lucro obtido. Para o autor o maior

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desafio é determinar os mecanismos que sustentam o trabalho familiar de uma unidade de produção fundamentalmente doméstica. Para Cortez (2006), o autor em questão considera que é o tamanho e a composição da família que exercem função determinante na organização da unidade de produção agrícola que se equivale ao conceito de unidade econômica familiar. Ao tentar ilustrar os elementos desses aspectos organizativos, reconhece uma racionalidade diferente do camponês, que não pode ser compreendida a partir de orientação de natureza econômica, como se sofresse estímulos de preços do mercado semelhante as empresas capitalistas. Na sua perspectiva o camponês visa a satisfação de necessidades, submetendo-se de maneira subjetiva a um dado nível de auto exploração, sendo que a determinação da quantidade de trabalho a ser executada depende daquelas necessidades e não dos braços disponíveis ao trabalho.

A respeito da força de trabalho da família, Alves (2009) destaca que:

A força de trabalho da família é o elemento mais importante no reconhecimento da unidade camponesa. A família define o máximo e o mínimo da atividade econômica da unidade, o tamanho da família (número de consumidores) tem relação direta com a atividade econômica da unidade de produção. Portanto, a produção camponesa possui uma dinâmica diferenciada e particular, e reconhecida pela diferenciação demográfica no balanço trabalho-consumo (equação braços e bocas). (ALVES, 2009, p. 152)

Neste sentido, Chayanov reconhece que o campesinato encontra-se afastado do modo de produção capitalista, pois as características do modo de produção camponês são: a força do trabalho familiar, a pequena propriedade como local de moradia e desenvolvimento das atividades, a utilização da força de trabalho familiar para a manutenção e produção, em alguns casos porém, alguns membros da família se veem obrigados a empregarem sua força de trabalho em atividades consideradas não agrícolas, embasando o que chamamos de pluriatividade, cujo tema será aprofundado ainda neste capítulo.

Considerando as características expostas acima, conclui-se que a atividade econômica camponesa não se assemelha a de um empresário rural, a busca de geração de lucro ao investir seu capital recebendo uma diferença entre a entrada bruta e os gastos gerais de produção. Para Alves (2009), trata-se de uma simples remuneração que possibilita determinar tanto o tempo quanto a intensidade do trabalho, ou seja, o camponês não trabalha com a lógica de acumulação de capital, mas sim com a lógica de reproduzir o seu modo de vida e independente das relações capitalistas. Neste sentido quando ocorre um aumento da produtividade do trabalho camponês, isso se deve ao proporcional aumento do consumo familiar. O camponês trabalha com uma lógica de proporcionalidade, seu trabalho aumenta

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quando o consumo familiar também aumenta, e o inverso é válido também. Sendo assim, a lógica da organização da unidade econômica camponesa se baseia na racionalização entre aspectos quantitativos e qualitativos de terra, força de trabalho e capital. Ocorrendo qualquer distorção na relação, compensa-se com a ocupação da força de trabalho em atividades consideradas não agrícolas, sendo esta uma atividade complementar a renda familiar. (Figura 2).

Figura 02: Organograma: principais ideias na teoria agrária de Chayanov (1925) Fonte: CHAYANOV (1974)

Organização: ALVEZ, F. D. (2009)

Anjos (2003) apresenta algumas limitações da Teoria da Diferenciação Demográfica proposta por Chayanov, sendo elas: a) A teoria chayanoviana assume um caráter a-histórico, ou seja, Chayanov parte do princípio que a unidade camponesa de produção é um ente que atua independentemente do sistema econômico no qual encontra-se inserido, no entanto o problema aqui é que Chayanov reduz os camponeses a condição de meros “consumidores- produtores” que controlam empresas formalmente autônomas; b) Os estudos realizados por Chayanov demonstraram certa regularidade supostamente inquestionável no comportamento produtivo das famílias camponesas ao longo de seu ciclo vital, porém o modelo utilizado por Chayanov trata-se de um modelo estático que não proporciona condições necessárias para estudar os complexos mecanismos de extração econômica que assolam as formas familiares

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de produção sob situações distintas e em distintas formações históricas, pode ser que a sobrevivência desta exploração não seja exatamente o resultado de uma suposta eficiência técnica, mas fruto de sua insuspeitável capacidade de resistir ao contexto em que se acha inserida, aceitando, por exemplo, preços miseráveis por seus produtos; c) A terceira limitação se dá pelo fato de que no modelo de Chayanov, o objetivo fundamental das famílias é o de atender e sanar as suas necessidades básicas de consumo, o que por sua vez haverá de repercutir consequentemente no ritmo e intensidade do trabalho, a consolidação de um mercado de trabalho introduz um novo parâmetro de referência que rompe com o esquema convencionalmente proposto por Chayanov.

Para concluir, é importante destacar que Chayanov vale-se dos próprios instrumentos teóricos neoclássicos, no caso a análise marginal de utilidade ao estudar o equilíbrio entre o grau de esforço de um dado trabalho e a utilidade marginal que é proporcionada por esse bem, neste plano, é a própria racionalidade não capitalista do camponês que tanto serve para distingui-lo enquanto um modo social e específico de produção como para reduzir sua existência a uma unidade de produção-consumo. Além disso, há restrições a priori de seu modelo, pois a obtenção do nível de equilíbrio de auto exploração da força de trabalho esta condicionada tanto a liberdade de aquisição de terras quanto a disponibilidade dos meios de produção. O aporte chayanoviano, seguramente pode oferecer uma ferramenta útil ao intento de compreender os mecanismos e estratégias que justificam a persistência das formas de produção baseadas no trabalho familiar no contexto da estrutura agrária atual.