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1 A EDUCAÇÃO PARA OS AGRICULTORES NO CONTEXTO DA ESCOLA E DA EXTENSÃO

2.1 A agricultura camponesa

2.1.3 Do campesinato à agricultura familiar: transição e resistência

A empreitada de estabelecer conceito sobre o termo camponês e diferencia-lo do conceito que se estabelece por agricultor familiar, é necessário debate entre aqueles que se encarregam do estudo da produção agrícola sob base familiar. Este objetivo, implica assumir uma perspectiva histórico-temporal, visto que a noção de produção camponesa não se reproduz de forma padronizada, sendo na verdade inserções históricas específicas a cerda de determinados tipos de sociedades que precederam um outro tipo de campesinato.

De acordo com Veiga (1991), os tema utilizados na literatura brasileira como referência para diferenciar as formas de produção no setor agropecuário, acabam remetendo- se a critérios sócio econômicos que se expressam nas ideias de produtor de subsistência, campesinato, mão-de-obra predominantemente familiar, produção simples de mercadorias,

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acumulação ou não de capital, excedente. Nesta perspectiva o autor utiliza como critério para diferenciar camponês de agricultor familiar o tamanho dos mercados em que aqueles atuam e o grau relativo de integração com os membros.

O ponto de partida dos esforços interpretativos mais atuais consistem na constatação, de que o processo de transformação da agricultura contemporânea não determinou necessariamente a destruição das formas de produção não capitalistas, e sua imediata substituição pelas explorações de caráter capitalista, sendo assim, o campesinato não desapareceu como havia-se previsto. Diante das perspectivas de Kautsky, que visualizava no processo de industrialização da agricultura a inevitável eliminação do campesinato e a transformação de seus trabalhadores em assalariados, ou mesmo a conversão de um sistema dito pré-capitalista em formas industriais de produção, o balanço final a que se chega é o de que o processo não é linear tal como havia-se pensado e, no que se refere a agricultura, existem elementos que lhe conferem especificidades intransponíveis enquanto processo de produção. A flexibilidade do campesinato, assim como definida por Chayanov, é o principal elemento que possibilita a sua sobrevivência e reprodução no interior do capitalismo. Esta flexibilidade, juntamente com o caráter familiar da mão-de-obra e a não objetivação do lucro como elemento principal, são as principais contribuições do trabalho de Chayanov que consideramos na nossa concepção de campesinato.

Os limites são estabelecidos diante das peculiaridades da produção camponesa, caracterizada por ser realizada de forma tradicional, onde faz-se o uso de ritos e tradições, sendo que a produção camponesa possivelmente mantém compromissos com a transferência fundiária inter-geracional, fundos de reserva, orientação sobre o que e quando produzir a partir de racionalidade que vida garantir o autoconsumo, entre outras características recorrentes ao modo de produção camponês.

O campesinato detém certas características ou particularidades que contrastam com outras formas e relações de produção, que por sua vez, explicam parcial totalmente a persistência da exploração campesina em diferentes momentos históricos e geográficos. Para Anjos (2003) é valido considerar que sob a égide do modo de produção capitalista, tudo e todos encontram-se afetados e submetidos às influências da lei do valor, com o qual a classe camponesa não parece representar um segmento de existência consolidada no marco de estruturas agrárias como no caso dos países industrializados ou mesmo em muitas das economias consideradas em via de desenvolvimento. Porém cabe salientar que esta preposição do autor Flávio Sacco dos Anjos não significa que o impacto do capitalismo nos

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meios de produção, resultará na origem e manutenção exclusiva de formas de produção capitalista, visto que persistem nas mais diversas localizações, uma grande diversidade no âmbito do desenvolvimento das forças produtivistas, visto que é cada vez mais impressionante as estratégias traçadas pelos camponeses para resistir e se adaptar as novas formas de produção.

Neste sentido Veiga (1991, p. 127) afirma que “os camponeses frequentemente se retiram do mercado, sem por isso deixarem de ser camponeses”. Por outro lado, concebe-se o agricultor familiar como mais um agente econômico atuando em um mercado onde detém mobilidade, informação e conhecimento sobre suas condições de reprodução e manutenção de sua família.

Abramovay (1992) salienta que a transição entre camponês e agricultor familiar ocorre de forma concomitante a própria expansão do mercado consumidor capitalista, onde é notável a fisionomia impessoal na relação com os produtores. Costa e Carvalho (2012) destacam que a multiplicidade de formas de existência de camponeses e as particularidades que os mesmos apresentam nas interações com o desenvolvimento das sociedades de que fazem parte tem provocado debates, entre eles, especula-se o papel dos camponeses no desenvolvimento do capitalismo tem sido pretexto para continuadas e controversas reflexões, cujas repercussões práticas têm afetado a história moderna dos camponeses e a saga das suas relações com a sociedade.

Sobre a inexistência do camponês na perspectiva marxista, Abramovay (1992) salienta que é importante compreender que sob o ângulo teórico marxista não faz sentido a ideia de uma economia camponesa, visto que para Marx, e para os seguidores de sua teoria, o mundo das mercadorias se define por sua socialidade contraditória, onde a ação de cada individuo é determinada de maneira não planejada pelo outro, cada segmento e cada classe da sociedade serão conhecidos pela maneira como se inserem na divisão do trabalho. Na perspectiva de Marx qualquer categoria social que não é incorporada imediatamente às duas classes básicas só possuirá uma existência social fugaz, sendo que a relação do camponês com a sociedade, sob esse ângulo o conduz fatalmente a autonegação, o seu ser só pode neste sentindo, ser entendido pela tragédia do seu devir. Para o autor, a definição de camponês é necessariamente negativa, ou seja, o camponês é um individuo que não usa vender a sua força de trabalho, mas também não vive basicamente da exploração do trabalho alheio. Neste sentido, perante o mundo capitalista, o camponês é considerado apenas um resquício, cuja integração a economia de mercado significara fatalmente em sua extinção.

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De fato, com a ampliação e expansão dos mercados que se deu no século passado, assim como a acelerada urbanização e a intensificação das relações capitalistas que se originaram no setor industrial e que inevitavelmente atingiriam o campo, acentuam-se as especulações teóricas acerca do prognóstico sobre a persistência da produção camponesa indicavam o seu inevitável desaparecimento. Porém, verificou-se uma significativa resiliência desses agricultores frente ao grande impulso do desenvolvimento capitalista, principalmente após a década de 1930.

A cerca da participação do campesinato no sistema capitalista, Fernandes (2013) destaca que:

Para el paradigma de la cuestión agraria la condición de participación del campesinado en el sistema capitalista es la subordinación, siendo que las corporaciones utilizan del trabajo y território campesino siempre que el trabajo familiar sea más eficiente que el trabajo asalariado o que los territorios campesinos estén inmovilizados por leyes y las corporaciones no consiguen expropiar a los campesinos. En estas condiciones, las corporaciones tratan de cambiar las leyes para apropiarse de los territorios y lo hacen por medio de políticas de mercantilización de la tierra. Por lo tanto, el capital puede desterritorializar a los campesinos o monopolizar sus territorios. (FERNANDES, 2013, p.304)

A transição do modelo campesino para o capitalismo seria feita através da diferenciação interna dentro das próprias unidades camponesas. Nesta perspectiva aqueles camponeses que por ventura obtiveram uma maior acumulação de vantagens econômicas tornar-se-iam cada vez mais ricos, até o ponto de mudarem a sua natureza sociológica, vindo a atuar dentro do mercado capitalista, se tornando empresários capitalistas que por sua vez seriam capazes de absorver tanto as terras quando a própria mão de obra dos membros das famílias camponesas pobres, que por consequência perderiam a sua autonomia produtiva.

Outra perspectiva refere-se as diferentes formas de existência camponesa como demonstração da capacidade de os camponeses se firmarem como classe diante do modelo capitalista. Dessa forma a condição dual de unidades de consumo e produção caracteriza as famílias como pequenos empresários compassíveis ao implacável crescimento das necessidades ao longo do desenvolvimento natural da família, e ao risco de não conseguirem satisfazer tais exigências. Em relação a isso, Costa e Carvalho (2012, p.114) destacam que “as empresas camponesas mostraram capacidade adaptativa, a par da disposição de investir, constituindo, a partir disso, um modo de produção estável, porque capaz de evoluir”. Os autores em questão ainda destacam que os campesinatos diferenciados se explicariam, agora pelos diferentes percursos que resultaram a partir do processo de evolução, que permearam estratégias adaptativas da unidade de produção camponesa, à configuração do ambiente

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institucional de uma perspectiva política, derivada das relações entre as demais classes camponesas mediadas pelo Estado.

Atualmente existe uma grande diversidade camponesa, onde insere-se uma multiplicidade de famílias que nem sempre se autodenominam camponesas. Existe no Brasil uma ampla gama de autonomeações que podem ser identificadas, essas resultam das histórias de vida dos indivíduos, bem como do contexto sociocultural em que o mesmo encontra-se inserido. Dentre essas diversas autonomeações pode-se destacar algumas tais como: camponeses, posseiros, agroextrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais, lavradores, castanheiro, etc.

Vários são os problemas diretamente relacionados à questão agrária, e, sobretudo ao processo de diferenciação e desintegração do campesinato. A desintegração do campesinato acarreta em várias consequências, entre elas podemos destacar a pobreza que assola o camponês, a sua baixa qualidade de vida e a dependência de fatores externos para conseguir produzir e permanecer em se estabelecimento agrícola. Porém, contrariando perspectivas, mesmo sendo a desintegração do campesinato um processo intenso, o mesmo não possui como único destino o desaparecimento. Vale destacar que o capitalismo, através do seu contraditório desenvolvimento, faz uso de formas não capitalistas de produção, sendo assim, ao mesmo tempo que o capitalismo destrói o campesinato, também o recria. Porém, o próprio campesinato é capaz de se auto recriar a partir da luta diária pela sobrevivência.

Costa e Carvalho (2012) destacam que:

O camponês, enquanto unidade familiar de produção e de consumo, assim como o campesinato, enquanto classe social em construção, enfrentam desafios fundamentais para garantir a sua reprodução social numa formação social sob a dominação do modo de produção capitalista: o camponês, para a afirmação da sua autonomia relativa perante as diversas frações do capital; o campesinato, para a construção de uma identidade social que lhe permita constituir-se como classe social e, portanto, como sujeito social na afirmação de seus interesses de classe. Ambas, a afirmação da autonomia relativa camponesa como a construção do campesinato como classe social se inter-relacionam numa dinâmica social marcada por relações de poder em disputa. (COSTA; CARVALHO, 2012, p. 118)

Nota-se que mesmo com o advento da modernização da agricultura, é possível, mesmo que em pequenas porções observar traços de práticas camponesas, embora admita-se também pensar que esses atores, em sua grande maioria, já tenham sido afetados, se convertido ou estejam socialmente transformados como agricultores familiares. Sendo assim, a questão que rege a definição de campesinato tem sido objeto de discussão sobre a forma pela qual se dá a continuidade desse modo de produção. Para Anjos (2003), “É perfeitamente admissível

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reconhecer que na esfera dos países industrializados não é mais possível falar de explorações

camponesas, mas de explorações familiares, próximas àquelas, mas com importantes

diferenças”. Considera-se neste sentido que a exploração camponesa é exclusivamente de caráter familiar, porém, nem todas as explorações familiares são de caráter camponês. Existe uma grande diversidade nas formas sociais existentes dentro das unidades de produção familiar que não pode ser negada, onde cabe destacar que traços essenciais que caracterizam a agricultura familiar, a considerar, que a gestão é realizada pelos proprietários, os responsáveis pelo empreendimento possuem ligação de parentesco entre si, o trabalho realizado dentro da unidade de produção é fundamentalmente familiar, o patrimônio pertence a família, e por fim, os membros da família residem dentro da unidade de produção. Neste sentido, firma-se alguns paradigmas na questão agrária brasileira.

O paradigma da questão agrária entende que o futuro do campesinato está na reafirmação de sua identidade em sua formação no processo desigual e contraditório, na luta contra as mazelas do capital, especialmente contra o modelo hegemônico demonidade agronegócio, que condiciona o camponês, bem como o agricultor familiar a condição de subalternidade. Fernandes (2013, p. 63) “o camponês como produtor moderno não é uma figura subalterna, mas aquele que procura persistentemente construir sua autonomia”.

A essência teórica do paradigma da questão agrária é compreendida pelo desenvolvimento desigual gerado pela reprodução ampliada do capital, que produz a diferenciação do campesinato, os transformando em assalariados ou capitalistas, essa compreensão gerou de acordo com Fernandes (2013), duas tendências do paradigma da questão agrária, sendo que uma delas compreende o fim do campesinato, porém a outra compreende o processo de destruição e recriação do campesinato. O paradigma da questão agrária defende que a luta pela terra e pela efetivação da reforma agrária é a forma privilegiada da criação e recriação do campesinato.

Diante desse contexto, percebe-se que a agricultura familiar vem tornando-se o centro de questões fundamentais a certa da preservação do patrimônio natural, a manutenção da qualidade dos alimentos bem como as demandas a cerca da segurança

O agricultor familiar possui a necessidade de afirmar novas configurações de vida social que, vencendo o isolamento que empobrece e estiola as relações humanas, evitem as formas degradadas de muitas das aglomerações urbanas. O grande desafio para Wanderley (2009) consiste na busca de outras maneiras de produzir, que não agridam nem destruam a natureza, que valorizem o trabalho humano e contribuam efetivamente para o bem-estar das

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populações dos campos e das cidades. Os agricultores familiares, em sua grande diversidade, têm feito sua parte: acumularam em sua história experiências virtuosas com o trato da terra e da água, foram capazes de se organizar e de expressar seus pontos de vista, conquistaram aliados para suas causas e aprenderam a dialogar com instituições as mais diversas. Entretanto, nada está definitivamente conquistado, mas está na hora de a sociedade brasileira não apenas dar um voto de confiança a esses agricultores, mas sobretudo reconhecer sua capacidade de assumir, efetivamente, seu papel enquanto ator social, protagonista da construção de outra agricultura e de um outro meio rural no nosso país. Vale salientar que existe também uma discussão em torno da agricultura familiar, principalmente após a criação desta categoria pelo Governo federal com a finalidade de destinar políticas públicas específicas, tais como o PNAE implantado no ano de 1955, e o PAA implantado através do Art. 19 da Lei n° 10.696 de 02 de julho de 2003.