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CAPÍTULO 1 – O CONTEXTO DA I(E)MIGRAÇÃO JAPONESA NO PROCESSO DE

1.5 HISTÓRIA DE SANTA MARIA – O ACOLHIMENTO DOS IMIGRANTES

1.5.2 A chegada dos italianos e da ferrovia

Essa situação econômica e social começa a se modificar a partir do incentivo dado pelo governo Imperial, nos anos 1870, à imigração italiana e da instalação da ferrovia no início dos anos 1880, fatores que geraram a diversificação da incipiente vida social de Santa Maria/RS.

Com relação a população da cidade de Santa Maria/RS já no início do séc. XXI, encontra-se em Rechia (1999) e Véscio (2010): “Há quem afirma que 70% da população está vinculada a esse ramo migratório”. Para ambos os autores, a explicação está na origem da imigração italiana, quando em 1877 chegaram os primeiros imigrantes para o Núcleo Colonial de Santa Maria da Boca do Monte, que, posteriormente, em 20 de setembro de 1878 passou a ser chamado de Colônia Silveira Martins. A intenção dos dois autores de assinalar a data de modificação do nome da colônia é demonstrar que, originalmente, a finalidade era de centralizar a colonização em Santa Maria/RS, sendo que a cidade na prática seria a verdadeira sede da Quarta Colônia.

Segundo Véscio (2010, p. 200),

Essa Santa Maria/RS é formada em 1885, ano em que chega a ferrovia a Estação Colônia e marca o início do ocaso deste período, por uma população de cerca de 13000 habitantes e é caracterizada predominantemente pela sociedade luso-alemã, catolicismo tradicional, pluralidade religiosa. A economia está centrada no comércio local e na pecuária, e ideário sustentado pela Maçonaria.

Para Vendrame (2007, p. 106) e a partir da historiografia tradicional, “foi por meio da religião católica que os imigrantes italianos se identificaram, e não através do seu sentimento

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pela velha pátria”. Ainda segundo a autora, “eles trouxeram da pátria a ‘alma devota’ e, por isso, nem a língua e nem o nacionalismo permitiu que criassem laços de solidariedade”, diferentemente de estudos mais recentes, que vem ao encontro desta tese onde os grupos étnicos se aglutinam em torno das origens. Para além da religião, como no caso dos italianos, a língua, a gastronomia e a crença na origem comum reforçam o sentimento de identidade étnica.

A religiosidade atuou como laço integrador entre os italianos. Praticamente a totalidade dos imigrantes italianos se identificavam como católicos, pois foi a fé que lhes forneceu subsídios para enfrentarem suas dificuldades e pudessem reiniciar individual e coletivamente sua existência (DE BONI, 1992, p. 235). Pode-se dizer que o Catolicismo, trazido pelos egressos da Península Itálica, caracterizando-se como uma recordação mantida da pátria distante permitiu a esses imigrantes, afastados de seus Paese, em uma terra estranha, o recomeço de uma nova vida (BENEDUZI, 2004, p. 198).

De modo que, se para os alemães as Sociedades de Mútuo Socorro eram lugares onde podiam demonstrar a “germanidade” e conviver entre os seus iguais, para os italianos isso acontecia em torno da religiosidade e, posteriormente, com os japoneses as associações comunitárias é que faziam o papel de preservar a cultura de origem. Evidentemente, cada uma das imigrações35 possui suas características em função do período em que os grupos chegavam e de como eram recebidos. No caso dos imigrantes japoneses que chegaram somente no período pós Segunda Guerra Mundial, o contexto em que a cidade se encontrava já era bastante diferente.

A Santa Maria/RS da última década do Período Imperial passava por mudanças, deixava de ser um povoado com aspectos rurais, tornava-se um novo centro urbano, que viria a ser um ponto de passagem indispensável tanto de mercadorias como de pessoas, durante os anos de transição do Império para a República. A instalação da ferrovia, no ano de 1884, foi o momento de culminância dessa mudança.

Nesse ínterim, a cidade passou por um processo de urbanização da então agrária Santa Maria/RS, que foi a implantação da rede ferroviária que ligaria Santa Maria à capital Porto Alegre/RS. Em Carvalho (2005), encontra-se referências às mudanças trazidas pela ferrovia à cidade:

(...) foram alterações e reordenamentos que implicaram em uma série de

35 Outros grupos imigrantes compõe a pluralidade cultural da cidade de Santa Maria, desde a sua fundação, ainda que em menor número, como os sírio-libaneses e os judeus. No entanto, para fins desta tese, serão inseridos somente aqueles grupos considerados pela historiografia como os primeiros a chegarem na cidade. O estudo não desconsidera a importância das outras imigrações e etnias, porém não se aprofundará nelas.

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consequências à região e às pessoas que lá viviam, ou que para lá se dirigiam. Vidas foram alteradas, perspectivas ampliadas, condições sociais reordenadas, contatos foram gerados e muitas relações se estabeleceram, entre conflitos e solidariedade (CARVALHO, 2005, p. 53).

A instalação da rede ferroviária na região atraiu uma série de investimentos na localidade, ao largo da Avenida Rio Branco, como casas comerciais, uma rede hoteleira, entre outros estabelecimentos, tais como: novas farmácias, bancos, novos órgãos de imprensa, um teatro e clubes sociais36 em que os diferentes grupos sociais confraternizavam. Em torno desses negócios, foi se estabelecendo cada vez mais uma elite de caráter urbano, que não deixou de manter relações com a elite rural do município. Pistoia (2011) faz uma boa apreciação da vida econômica de Santa Maria/RS nesse período:

Nos anos finais do império, a economia da cidade era diversificada. Pessoas ganhavam seu sustento trabalhando como balconistas de farmácia, peões de fazendas, empregados domésticos ou praças de polícia, dentre outras ocupações. Havia também os caixeiros-viajantes que movimentavam o comércio local, trazendo novidades como cortes de tecidos diversificados, objetos em cerâmica inglesa e gêneros alimentícios não perecíveis como sal, açúcar e erva-mate (2011, p. 23).

O enfoque do autor estava centrado na atuação dos imigrantes no meio urbano, pois não houve sucesso na implantação de uma colônia particular em Santa Maria/RS. Sendo assim, os imigrantes se inseriram economicamente na sociedade pela atuação no comércio, como negociantes, artesãos, farmacêuticos e em outras atividades de caráter urbano. Considera-se que os meios urbano e rural estavam estreitamente interligados na economia da Santa Maria do Regime Imperial.

No final do século XIX, a cidade conheceu certo desenvolvimento em função de sua posição estratégica enquanto entroncamento ferroviário, chegando a sediar a diretoria da

Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil, empresa belga que, em 1898, arrendou a

rede ferroviária gaúcha. Juntamente com a Compagnie, vieram famílias francesas e belgas, surgindo em 1903 a Vila Belga – um conjunto habitacional para alojar os funcionários da companhia (PADOIN, 2010, p. 324). No entanto, com a diminuição da atividade ferroviária – o tráfego de passageiros foi extinto no início da década de 1980.

Em Padoin (2010, p. 322), ressalta-se que, após receber os trilhos em 1885, Santa Maria recebeu e passou a ostentar o título de “cidade ferroviária”. Esse título não representava somente a presença da ferrovia e seus trilhos em Santa Maria/RS, mas sua importância histórica para a

36 Clubes criados pelos alemães como a SOCEPE. Posteriormente, clubes criados pelos próprios ferroviários, clubes negros, etc.

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cidade e a região. “O período que vai da fundação da Viação Férrea até meados dos anos 50 do século XX, é marcado por um grande surto de desenvolvimento social, econômico, cultural e populacional” (Ibid. p. 322).

A autora destaca a Escola de Artes e Ofícios, fundada em 1922, a qual passou a ser chamada de Ginásio Industrial Hugo Taylor em 1934. Deu-se esse destaque à cidade quanto à educação profissionalizante, pois tinha como finalidade obter mão de obra especializada para trabalhar na própria ferrovia. “Santa Maria, por volta de 1950, possuía o título de ‘Metrópole Escolar do Rio Grande do Sul’, devido o grande número de escolas da rede Municipal, Estadual e Particular” (2010, p. 326), o que vem se projetando até os dias atuais como polo educacional e universitário, principalmente com a fundação da Universidade Federal de Santa Maria em 1960.

Trechos da história contada por Belém (2000), um dos historiadores mais conhecidos e tradicionais de Santa Maria/RS, demonstra que a cidade traz na sua origem diferentes grupos étnicos, o que vem ao encontro da presente tese, no sentido de identificar como os imigrantes se estabelecem e mantêm viva sua memória e cultura da terra natal, sobretudo, os imigrantes japoneses.