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HISTÓRIA ORAL, O REGISTRO DE ALGUMAS MEMÓRIAS INDIVIDUAIS E

CAPÍTULO 2 – A MEMÓRIA E O SENTIMENTO DE JAPONESIDADE ENTRE OS

2.1 HISTÓRIA ORAL, O REGISTRO DE ALGUMAS MEMÓRIAS INDIVIDUAIS E

Com a finalidade de registrar a memória de alguns indivíduos e da coletividade, dos imigrantes japoneses e Nikkei em Santa Maria, a história oral apresenta-se como método fundamental durante a coleta de dados e a constituição das fontes documentais. Evidentemente, houve uma preocupação com a discussão sobre a história oral, como técnica ou método, tendo em vista Portelli (1997), que considera a história oral como um “instrumento” para fornecer informações sobre o passado, sendo que o importante é a subjetividade das narrativas e, para Meihy (2002), é um conjunto de procedimentos de investigação. Essa relação dialógica será retomada a seguir.

A partir da realização de entrevistas com os participantes da pesquisa, histórias e acontecimentos são relembrados e narrados com a emoção de quem as viveu, no grupo em estudo principalmente, por se tratarem de imigrantes de primeira geração, ou seja, nascidos no Japão.

Em Amado e Ferreira, encontra-se:

O testemunho oral representa o núcleo da investigação, nunca sua parte acessória, isso obriga o historiador a levar em conta perspectivas nem sempre presentes em outros trabalhos históricos, como por exemplo as relações entre escrita e oralidade, memória e história ou tradição oral e história (2002, p. xiv).

Pode-se ousar definir, a história oral como um método de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.), que privilegia a prática de entrevistar pessoas que participaram de, ou testemunharam, conjunturas, acontecimentos, ou visões de mundo, aumentado a interação face a face de Goffman (1985), com os sujeitos que compõem o objeto de estudo.

Como resultado, esse método gera fontes de consulta (as entrevistas) que podem ser utilizados em outros estudos, permitindo que outros pesquisadores se beneficiem dos dados em acervos abertos, públicos ou privados.

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Sabe-se que contar histórias não é um fato novo ou recente, mesmo nas sociedades antigas, antes da escrita, os indivíduos construíam narrativas históricas para que a reconstituição dos acontecimentos e o conhecimento fosse transmitido para as futuras gerações.

Meihy, assim define a história oral:

Um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto e que continua com a definição de um grupo de pessoas (ou colônias) a serem entrevistadas. O projeto prevê: planejamento da condução das gravações; transcrição; transferência; conferência da fita com o texto; autorização para o uso; arquivamento e, sempre que possível, publicação dos resultados, que devem, em primeiro lugar, voltar ao grupo que gerou as entrevistas (2002, p. 13).

A história oral é o método utilizado para se estudar o meio investigado, aproveitando os depoimentos que foram tecnicamente gravados para os transformar em documentos escritos. Muito daquilo que não é encontrado em outros documentos históricos, podem estar por traz das narrativas em uma entrevista de história oral e, caso seja necessário, podem e devem ser conferidos com documentos escritos, caso esses existam. No caso em estudo, a história oral foi sobremaneira importante, visto que documentos da associação formal não existem nos acervos particulares dos membros da colônia japonesa e os poucos que existem estão escritos no idioma japonês. Alberti salienta:

Qualquer tema, desde que seja contemporâneo – isto é, desde que ainda vivam aqueles que têm algo a dizer sobre ele -, é passível de ser investigado através da História Oral. Contudo, como qualquer método, a História Oral tem uma natureza específica que condiciona as perguntas que o pesquisador pode fazer. Em se tratando de uma forma de recuperação do passado conforme concebido pelos que o viveram, é fundamental que tal abordagem seja efetivamente relevante para a investigação que se pretende realizar (2005, p. 29).

No que se refere a esta tese, um dos métodos mais utilizados foi o da história oral, tendo em vista que muitas ou todas as atas ainda existentes da associação estão em língua japonesa e muitas nem foram disponibilizadas por se tratarem de documentos antigos, de forma que muitos dados só puderam ser levantados em face da história oral. Ainda que todas as famílias tenham preenchido o Consentimento Livre Esclarecido, no momento em que aceitaram participar das pesquisas do Memorial de Imigração e Cultura Japonesa, em todas as entrevistas foi solicitado a aceitação para a gravação e a utilização de seus memórias da presente tese.

Para Thompson (2006, p. 19), “a história oral é considerada parte essencial de nosso patrimônio cultural”. A história oral tem um enfoque amplo, é a interpretação da história, de sociedades e culturas dinâmicas e em constante transformação, através de entrevistas e escutas

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atentas dos registros das histórias. “A habilidade fundamental na história oral é aprender a escutar” (THOMPSON, 2006, p. 20), de modo que a autora passou a escutar com a atenção os idosos entrevistados, ainda que saíssem do foco da pergunta ou da pesquisa e que suas memórias divagassem pelo passado.

No entanto, vale lembrar que outro processo importante na construção de documentos advindos da história oral são os esquecimentos. É necessário saber esquecer. Alguns fatos serão esquecidos e outros ficarão retidos na memória, por serem indizíveis, incontáveis. Além disso, podem existir “ressentimentos” e “traumas” guardados e que não são expressos nas narrativas. Nesse sentido, o entendimento de ressentimento, tomado de empréstimo de Naxara e Bresciani (2001), é aquele que se refere ao significado negativo que esse termo adquire, ou seja, refere- se à mágoa, ao pesar e a dor. Ressentimento ou mágoa do passado que dá sentido à construção voluntária, individual ou coletivas, de memórias, ou de seu próprio esquecimento.

Para exemplificar, a percepção de “ressentimentos” nas narrativas, utiliza-se o exemplo da “quebra de contrato” na fazenda em Uruguaiana. As narrativas, de maneira geral, relembram a quebra de contrato e a falta de pagamento. Os sofrimentos advindos desses dois acontecimentos não aparecem, o discurso se inicia na superação. Outrossim, a subjetividade dos sujeitos deve ser considerada, seus silêncios e suas falas reforçam o entendimento de que “a memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora” (BOSI, 2003, p. 36).

No processo de rememorar, existe a possibilidade de ocorrerem esquecimentos, e a história oral pode resgatar da memória acontecimentos proibidos que deviam ser esquecidos e trazê-los ao conhecimento. Para que isso ocorra, o pesquisador necessita adquirir certo grau de confiabilidade pelos sujeitos, não somente com os cuidados que a Academia e a cientificidade exigem, mas com o agente humano que se dispôs a contar suas memórias. Sobre isso, Meihy afirma:

[...] o passado contido na memória é dinâmico como a própria memória individual ou grupal. Enquanto a narrativa da memória não se consubstancia em um documento escrito, ela é mutável e sofre variações que vão dar ênfase e entonação a silêncios e disfarces (2002, p. 52).

A história oral complementa as informações trazidas por outros documentos, ela não os substitui. História oral e documentação possuem uma relação dialógica para a construção do recorte histórico pesquisado. Toda entrevista gera um documento, seja ele escrito ou sonoro, onde os sujeitos descrevem e expõem histórias de seu passado.

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Ainda para Meihy (2002, p. 116), a definição do “eu” narrador em história oral implica percepções da análise documental que extrapolam os limites da entrevista e dão sentido à história oral”. O que é lembrado, até ser capturado por algum meio e transcrito pode sofrer mudanças todas as vezes que for recontado. Inclusive, por esse motivo, utilizou-se a “memória forte” de Candau (2011), no capítulo II, pois se trata de um grupo pequeno de entrevistados e, normalmente, os mesmos eventos e personagens são rememorados.

Pode-se observar durante a coleta de dados entre os interlocutores, nos momentos de visitação, a manifestação em circunstâncias diferentes de traços culturais advindos do Japão e adquiridos no Brasil, forjando-se uma “identidade negociada”, tal qual Lesser (2001) apontou como sendo o dinamismo e a não rigidez da cultura. Exemplo disso é que, em muitas residências visitadas, fora oferecido o “chá-verde”, pois falava-se de seus hábitos japoneses. Em outras ocasiões, quando os sujeitos eram da segunda geração de japoneses (Nissei), oferecia-se “café preto41”. Assim, pode-se a entender que um hábito não exclui o outro: eles unem-se para formar

uma identidade sociocultural bem particular das famílias japonesas em Santa Maria. O que pode indicar que a identidade japonesa e a nipo-japonesa encontram-se em vários elementos como, por exemplo, a gastronomia e os laços de parentesco.