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CAPÍTULO 3 – AS NIHONJINKAI – ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E MEMÓRIAS

3.4 A NIHONJINKAI HOJE

Desde o início da imigração japonesa no Brasil, os imigrantes possuem essa característica de serem associativistas. Sempre haviam associações de japoneses nos locais

107 Bōnenkai (忘年会, literalmente "reunião para esquecer o ano") é uma confraternização japonesa que ocorre no final do ano.

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onde houvesse um grupo de imigrantes. E sempre houveram alterações nos modelos associativistas. Conforme a época e o período migratório, as associações serviam a determinados objetivos comuns à comunidade. Tanaka (1998) e Handa (1987) citam uma frase que representa o associativismo do imigrante japonês com “quando três japoneses se juntam, organizam uma associação”.

O grupo étnico, fechado em suas colônias, possuia, também um significado de “faixa- de-segurança”, termo trabalhado em Saito (1961). “As Nihonjikai davam provas de que uma nova linguagem cultural com raízes japonesas adaptada à realidade brasileira estava emergindo” (SAKURAI, 2010, p. 111).

A Nihonjinkai organizava-se inicialmente entre as colônias próximas, depois tornavam- se mais sofisticadas e transformavam-se em organizações formais com cargos e hierarquia (SAKURAI, 2010). Havia eleições para todos os cargos, começando pelo presidente até os cargos diretivos que seriam responsáveis pelos departamentos específicos (ISCHIDA, 2010). As diretorias eram compostas por homens (mais velhos, seguindo um modelo patriarcal), e ainda se formavam as diretorias da Fujinkai das mulheres e da Seinenkai de jovens que eram subordinados ou dependentes da diretoria geral, mas que possuíam suas diretorias específicas (SAKURAI, 2010).

A ordem social japonesa das comunidades possuiam algumas singularidades que sustentam, como a precedência dos velhos sobre os jovens e as relações patriarcais entre sexos que se transmitiam nos grupos de jovens e de moças, aspecto que se sustentou por muito tempo no interior das associações japonesas (SAITO, 1961).

No período Pós-Guerra, no qual se insere a associação em estudo, tem-se início um novo desenvolvimento na estrutura das comunidades, de acordo com Saito (1961), ou a reorganização das antigas Nihonjinkai. Ou seja, Santa Maria, poderia ter entrado nesse novo processo, no entanto, em função de uma mentalidade próxima ou afim com os imigrantes Pré- Guerra, o modelo associativista foi o patriarcal. Contudo, hoje em dia as mulheres fazem parte da diretoria - as mulheres com mais idade, aquelas que são imigrantes de primeira geração ou

Issei. Assim, houve uma mudança na terminologia usada para denominar as associações, as Nihonjinkai passaram a se chamar “associações nipo-brasileira” com implementação cultural

e esportiva (SAKURAI, 2010). “São os integrantes do Seinenkai que dão o tom para as práticas que manifestam o espírito comunitário daí para frente” (SAKURAI, 2010, p. 113). As práticas de solidariedade informais seguiram acontecendo, e também se criaram entidades de amparo ao idoso que contam com doações para a sobrevivência, se houver necessidade.

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passam a formar seu próprio espaço, se identificando cada vez mais com a sociedade englobante, assim, suas associações passam a ter especificidades diferentes.

as quais tendem a perder os traços característicos e assemelhar-se às instituições da sociedade dominante. As ‘associações japonesas’ transformaram-se em ‘clubes culturais e esportivos’; as de dona de casa em sociedades beneficentes de caráter religioso, e assim por diante” (SAITO, 1961, p. 220).

As associações japonesas de caráter mais urbano mudam seu modelo, de amparo e sobrevivência para clubes recreativos, de modo que as associações de jovens passaram a romper com o modelo antigo de associação japonesa (CARDOSO, 1969).

O que ocorreu em Santa Maria, inicialmente, se assemelha à outros Estados, porém possui mais semelhança com o período Pré-Guerra. Ainda hoje, somente fazem parte da

Nihonjinkai os imigrantes, vindos diretamente do Japão. Há aproximandamente cinco anos

somente é que as mulheres passaram a integrar o corpo diretivo. Atualmente, a presidência da associação está a cargo de uma mulher, a senhora S. que está com 85 anos de idade. O corpo diretivo, atualmente, conta com cinco cargos: Presidência, vice-presidência, tesouraria, secretaria e departamento das senhoras ou Funjinkai. Desses cargos, somente o de vice- presidente é ocupado por um homem, o restante é composto por mulheres, o que se deve ao fato de os homens serem mais velhos e não se sentirem em condições físicas e de saúde para permanecer nos cargos.

A Nihonjinkai em Santa Maria conta com 15 associados apenas, todos da primeira geração, nem seus filhos ou netos são dependentes deles na associação como acontece em outros grupos. Todos pagam uma anuidade, a qual está estipulada no valor de R$150,00. Como não acontecem mais eventos organizados pela associação ou pela sociedade108 (como foi registrada em cartório), o corpo diretivo em comum acordo com seus associados pretendem gastar o valor em caixa com uma viagem para os membros do grupo, por se tratar de um grupo de idosos a ideia é viajar para “águas termais”.

Mesmo não sendo uma atividade ligada à associação, o grupo de japoneses costuma se reunir semanalmente, todos os domingos, à tarde para jogar cartas. A tarde de carteado é sempre realizada na casa de um dos integrantes, mas as últimas têm sido sempre na casa da família K. por questões de saúde da matriarca, que não pode mais sair de casa. O jogo de

108 O termo associação foi mais utilizado na tese em função de ser mais comum em artigos, dissertações e teses, livros comemorativos e inclusive nas entrevistas com os japoneses e a segunda-geração, no entanto o termo que designa a Nihonjinkai em cartório é: Sociedade Nipo-Brasileira de Santa Maria, conforme o anexo 1 pode comprovar.

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carteado escolhido para alegrar as tardes de domingo é o “pife109”, cada membro do grupo leva um prato de doces ou salgados110 e, normalmente, ficam das 15h às 22h aproximadamente.

A Nihonjinkai em Santa Maria, ainda que com poucos associados, ainda está filiada à Enkyo-Sul, com sede em Porto Alegre e a cada evento importante da Enkyo111 ou quando, por ventura, ocorre um falecimento na comunidade, a presidente se encarrega de passar as informações aos associados. Funciona da seguinte forma: A presidente liga para o responsável de cada área da cidade, são três áreas que compreendem todos os bairros onde existem japoneses. No bairro Camobi, o responsável é o senhor S. , no Centro o senhor K., no bairro Pinheiro Machado a senhora N., e cada um deles, por sua vez, repassa as informações para os japoneses de sua localidade, em se tratando de eventos comemorativos ou cerimônias religiosas.

Estar filiada à Enkyo, significa ter acesso à Beneficência Nipo-Brasileira, que foi fundada em 28 de janeiro de 1959 por um grupo de 32 representantes da colônia japonesa em São Paulo/SP, onde a imigração teve início, com o nome de Associação de Assistência aos Imigrantes Japoneses, cujo foco principal era o de oferecer assistência aos imigrantes do Pós- Guerra, ajudando-os em seu desembarque no porto de Santos e acolhendo os membros fragilizados na Casa do Imigrante (MORAES, 2012).

A instituição cresceu e espalhou-se pelas localidades onde havia imigração japonesa, com ela o serviço assistencial aos imigrantes, passando a oferecer assistência médica e a assistência médica móvel (Junkai), a partir de 1960. Para os associados da Nihonjinkai em Santa Maria, esse amparo médico ainda é muito importante e, por esse motivo, não deixavam de ir à capital, votar para presidência da Enkyo. Contudo, inclusive essa viagem deixou de acontecer nos últimos dois anos, de acordo com a atual presidente.

A assistência médica móvel, vem prestar seus serviços aos imigrantes japoneses de Santa Maria, todos os anos, normalmente no mês de julho, quando os associados aproveitam, também, para pagar a anuidade da Enkyo, um valor de R$ 250,00. Para a Nihonjinkai em Santa Maria essa assistência ainda é muito utilizada e considerada importante pelos japoneses, e, por esse motivo, fazem questão de se manterem filiados à Enkyo-Sul.

109 O jogo de baralho, chamado pife, caxeta, cacheta ou pif paf é um jogo muito comum no Brasil e de regras fáceis, o que o torna um jogo para todas as idades.

110 Esses doces ou salgados podem ser tanto de origem japonesa, como brasileira, essa abertura faz parte de uma identidade hifenizada ou nipo-brasileira.

111 Beneficência Nipo-Brasileira (em japonês サンパウロ日伯援護協会) é uma associação privada, sem fins econômicos, que atua nas áreas de saúde e assistência social. É também conhecida como Enkyo, abreviação de seu nome em japonês "Engo Kyōkai".

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4 DESFECHO – A IDENTIDADE NIPO-BRASILEIRA EM SANTA MARIA

Este capítulo, que deveria ser intitulado de “Considerações finais”, será destinado às interpretações e inferências sobre a historiografia e o recorte espaço-temporal do grupo escolhido, pois entendeu-se que não é possível alcançar a totalidade da história da imigração japonesa em Santa Maria. No caso desta tese, o viés escolhido foi a Nihonjinkai. No entanto, poderiam ter sido escolhidos o trabalho na agricultura, a hierarquia familiar, o parentesco e/ou outros tantos temas que a História permite.

Ao chegar ao final do período de pesquisa e à construção desta tese, percebeu-se que muito ainda havia a ser descoberto, sobre as nunces de identidades que transitaram durante a pesquisa, sobre um sentimento de pertencimento que ora se manifesta nas narrativas e ora se mostra íntimo e familiar, demonstrado nas entrelinhas e nos silêncios. O resultado desta tese, assim como a história por trás dela contada na introdução, não foi fácil, e não deveria ser, pois pertence à uma trajetória de dedicação e superação das dificuldades. Contudo, baseada em princípios e valores advindos da cultura japonesa que não permitem desistência, buscou-se aperfeiçoamento, revolução humana112 e construção da paz, desde à individual até à coletiva.

A tese que se apresenta possui a incompletude e a imperfeição inerentes no ser humano, no ser que a escreveu, nos seres humanos que participaram como sujeitos de pesquisa, e nas memórias por eles contadas. Por vários motivos, mas, sobretudo, por acreditar que não é possível uma totalidade histórica, a História não é fechada e nem possui em seu cerne o propósito de se alcançar uma “verdade histórica”, na concepção de Le Goff (1990). Ela se finaliza, tal qual o entendimento de Bourdieu (2004), renunciando “à ambição impossível [...] de dizer tudo sobre tudo e de forma ordenada” (p. 21).

No entanto, ao iniciar a escrita por meio de uma capítulo histórico que contemplasse um linear da história da imigração japonesa no Brasil, em seus diferentes períodos, desde a chegada dos primeiros imigrantes em São Paulo, em 1908, até a vinda dos japoneses membros do grupo estudado ao Rio Grande do Sul e à Santa Maria em 1958, aponta-se a intenção de construir o relato da autora de forma o mais ordenadamente possível, iniciando assim do global em rumo ao particular.

No decorrer do primeiro capítulo, apresentou-se também a formação da colônia japonesa local desde a sua chegada em Uruguaiana/RS até seu estabelecimento em Santa Maria/RS e o contexto histórico da formação da cidade de Santa Maria/RS. A cidade, que se formou com a

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chegada de um destacamento militar português, acolheu em seu desenvolvimento outros grupos étnicos que vieram a seguir: (i) os negros que acompanhavam os lusitanos, e, posteriormente, (ii) alemães, (iii) italianos, (iv) judeus e (v) japoneses. Por esse motivo, a cidade é reconhecida por suas características plurais e integradoras, demonstradas, por exemplo, nas Feiras da Amizade113, onde todos os grupos imigrantes participavam.

Em seguida, nesta tese, passou-se a relatar as funções das Nihonjinkai, das associações japonesas e associações nipo-brasileiras, no processo de estabelecimento, sociabilidade e integração dos japoneses à cultura do país adotivo. Função essa que foi percebida nas fontes bibliográficas, e, para o estudo particular, nas fontes orais e documentais existentes e disponíveis.

Principalmente por trabalhar com fontes orais, utilizou-se Burke (2008), quando fala sobre a história da memória, a reação e aceleração das transformações sociais que ameaçam a identidade. O autor observa que “as memórias serão sempre destorcidas e contaminadas pela cultura, por grupos diferentes, por momentos diferentes” (2008, p. 88).

A partir dos autores trabalhados no decorrer da tese, apresentou-se as considerações ou interpretações sobre a memória e a identidade dos japoneses de Santa Maria relacionadas à

Nihonjinkai. Escolheu-se o período da associação de 1958 a 2008, sob o olhar dos próprios

japoneses e dos documentos encontrados. O que siginifica que alguns depoimentos poderiam ser diferentes e outros documentos poderiam demarcar situações que não foram compreendidas nesta tese, pois não há como alcançar uma história totalizante de um grupo ou um período, mas, sim, costurar as memórias desse grupo à um contexto histórico de determinado período.

Ao encontrar relações entre a sucessão de gerações de Ricoeur (1997) e culto aos antepassados dos imigrantes japoneses, umas das poucas cerimônias ainda realizadas pela

Nihonjinkai em Santa Maria são o funeral e as cerimônias de 7º e 49º dia de falecimento. A

associação não possui mais eventos próprios, mas ainda se organiza de forma coletiva quando ocorre algum falecimento, indicando que, em esfera íntima e particular, os japoneses e Nisseis se reúnem e a manutenção da memória ancestral é mantida.

Percorreu-se um longo caminho com relação às fontes. Para a presente tese foram utilizadas, em sua maioria, fontes orais, devido à proximidade com a Antropologia e a História Oral. De modo que a experiência empírica de convivência com os imigrantes em Santa Maria/RS permitiu fazer essa relação e, assim, construir, a partir da relação com os documentos utilizados, em que medida a Nihonjinkai contribuiu para a manutenção da memória imigrante e

113 Evento que se realizou de 1968 à 1977 em Santa Maria, período que compreende a ascensão da associação japonesa.

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a identidade étnica. Inclusive e sobretudo, utilizando como fonte as caixas de fotografias, dos acervos familiares, revelando que para além da associação, o núcleo familiar é fundamental para manutenção da identidade nipo-gaúcha.

Desse modo, encontrou-se ênfase na história da sociedade nipo-brasileira em Santa Maria/RS, nas poucas atividades ainda hoje realizadas e em alguns ritos que foram mantidos pelos membros da associação, tanto os japoneses de primeira geração quanto os demais Nikkei. Um fortuito tema de pesquisa aprofundado, relacionando-o a outros conceitos historiográficos, inclusive com as categorias “memória” e “narrativa” estreitamente relacionadas às sucessões das gerações. Os eventos e ritos realizados pelos japoneses em Santa Maria/RS acontecem na esfera doméstica e familiar, não havendo mais eventos organizados por eles abertos à sociedade. Considerando que a Nihonjinkai é filiada ainda à Enkyo Sul, que seus associados pagam assiduamente uma anuidade no valor de R$150,00 (cento e cinquenta reais), possuem uma secretaria e uma tesouraria, não se pode, de forma alguma, inferir que essa associação ou sociedade seja inexistente na cidade. Todavia, ela é totalmente dirigida e constituída por japoneses emigrados do Japão, não havendo associado nascido no Brasil. Sendo assim, a sucessão está comprometida e corre-se o risco desse lugar de memória encerrar um ciclo e não deixar continuidade.

Os associados da Nihonjinkai utilizam-se ainda hoje da assistência médica oferecida pela Enkyo Sul, que normalmente traz seus serviços no mês de julho de cada ano. Nesse momento, os japoneses aproveitam para fazer o pagamento da anuidade da Enkyo, um valor de R$250,00 (duzentos e cinquenta reais). A anuidade paga pelos sócios em Santa Maria/RS não é utilizada pelo corpo diretivo, pois não realizam atividades que exijam investimento. Por esse motivo, segundo a atual presidente, eles pretendem fazer uma viagem em grupo. A intenção do pequeno número de sócios é viajar para conhecer algum lugar que tenha “águas termais” e que não seja muito distante de Santa Maria, para não precisarem enfrentar uma viagem longa.

Diferentemente de outras associações em outros Estados do Brasil, Gaijins ou brasileiros não pertencem ao grupo nem do corpo diretivo, tampouco dos associados. Uma inferência para a pergunta de pesquisa que deu origem a esta tese é a de que a Nihonjinkai contribua para a manutenção da memória na medida em que o sentimento de japonesidade de ocidentais se manifesta e que os japoneses dentro de suas possibilidades contribuam com pesquisas como esta. E, por outro lado, que, em âmbito doméstico, mantenham costumes como a gastronomia, os ritos religiosos e a língua japonesa para que, quem sabe, manifeste-se na terceira geração o desejo de retomar a cultura de seus avós.

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marciais, e as novas religiões japonesas podem ser um caminho para que a cultura japonesa se mantenha em Santa Maria/RS, bem como o interesse acadêmico e o próprio Memorial de Imigração e Cultura do RS. As pesquisas acadêmicas e o Memorial possuem todo o apoio necessário dos japoneses de Santa Maria, que, apesar da idade avançada e à sua maneira, costumam contribuir para a realização de eventos e de pesquisas. Além disso, as Isseis ainda recebem encomendas de pratos típicos japoneses, de famílias desendentes ou Gaijins, comprovando que a gastronomia também atua como importante elo de manutenção da identidade.

No entanto, quando se trata da sucessão da Nihonjinkai para a segunda e terceira gerações, os Isseis não são otimistas, pois, conforme descrito nos capítulos II e III, não há interesse por parte dos Nisseis de assumirem essa sociedade, de forma inquietante em resposta à proposta desta tese, com relação à manutenção da identidade étnica e da memória do grupo em estudo.

Ademais, ressalta-se a cordialidade, a receptividade e a presteza dos sujeitos em tentar responder às perguntas da pesquisa, mesmo com a idade avançada e a barreira da língua. Entende-se, portanto, que há sim uma “vontade de memória”. O que não há mais é a disposição por parte dos imigrantes para realizarem eventos externos e comemorativos. Todavia, intrinsicamente, há um desejo que essa memória não se perca e, por isso, colaboram com as pesquisas e eventos que aparecem, ainda que a memória deles não seja a mesma, que alguns livros, fotos e documentos tenham se perdido com o tempo e que as lacunas tenham que ser preenchidas com a narrativa do historiador.

No sentido de preservar a memória ou os lugares de memória (NORA, 1993) enquanto patrimônio cultural de determinado grupo étnico ou social, ou especificamente a sociedade nipo-brasileira em estudo, encontra-se, na percepção de Brayner (2007, p. 12), “o objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um lugar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida”. A visão do autor vem ao encontro do que se pensa sobre o papel das associações japonesas na coesão do grupo de imigrantes japoneses e o pertencimento ao grupo, bem como manifesta através da crença e dos objetos a já mencionada japonesidade, identidade nipo-brasileira, ou nipo-gaúcha.

No entanto, o que se aplica às associações nipo-brasileiras em outras cidades e Estados, não é o que se percebe em Santa Maria/RS, à menos que se possa contar, as tardes de carteado como “lugares de memória”. E, por que não contar, se são nas tardes de carteado aos domingos que os imigrantes de primeira e segunda gerações se encontram, podem conversar na língua

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materna e usam esse espaço para convivência e sociabilidade. Não há espaço físico, cada domingo o carteado é em uma casa diferente, mas, ultimamente, têm sido realizadas na residência da família K. por motivos de saúde da matriarca.

A identidade hifenizada se manifesta inclusive nas tardes de carteado, pois as senhoras levam quitutes japoneses e brasileiros, quase na mesma medida, podem tomar chá verde ou “suco de uva” produzido na Quarta Colônia de Imigração Italiana, de modo que, assim, a identidade étnica dá espaço à uma identidade nipo-gaúcha ou às identidades múltiplas (LESSER, 2001).

Além disso, percebeu-se, ao analisar o Gráfico 1 e o Quadro 1, apresentado nos capítulos II e III, respectivamente, que as associações deixaram de ser, estritamente japonesas, com cunho étnico e abriram-se para serem nipo-brasileira, com a participação dos jovens, Nisseis, Sanseis e brasileiros, com vieses culturais e esportivos. No entanto, o grupo em estudo não vivenciou ainda essa abertura, permanecendo com características étnicas semelhantes ao período Pré- Guerra, e seus descendentes ou sucessores ainda não despertaram para o período de retomada, ocorrido em cidades onde a imigração japonesa é mais antiga.

A trama cultural (SILVA, 2013), na qual os grupos de imigrantes se inserem, vem passando por um processo de homogeneização cultural, a medida em que os imigrantes se tornam invisíveis (HALL, 2000) nas sociedades globalizantes. Assim, ocorre uma alteração