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Festival do Japão Comemoração aos 110 anos de imigração: histórico e

CAPÍTULO 3 – AS NIHONJINKAI – ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E MEMÓRIAS

3.3 AS MULHERES E AS SUAS ATIVIDADES – FUJINKAI

3.3.1 Festival do Japão Comemoração aos 110 anos de imigração: histórico e

Com a finalidade de fazer uma imersão ainda maior na cultura japonesa, teve-se a oportunidade de participar das comemorações dos 110 anos de imigração japonesa no Brasil, o que equivale aos 60 anos de imigração no Rio Grande do Sul. No entanto, em Santa Maria não

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houveram comemorações, esse fato ocorre em função da pouca adesão dos descendentes japoneses de Santa Maria à associação japonesa na cidade, objeto deste estudo.

Os participantes do grupo de estudo, ao qual esta pesquisa se vincula, são, na grande maioria, imigrantes de primeira geração, ou seja, nascidos no Japão e emigrados para o Brasil. Como explicado anteriormente, por esse motivo, os membros com direito ao voto na

Nihonjinkai estão envelhecendo e não têm mais disposição para organizar um evento festivo

alusivo às comemorações dos 60 anos de imigração no Rio Grande do Sul, como foi feito 10 anos atrás com lançamento de livro de Soares e Gaudioso (2008) e exposição comemorativa aos 50 anos de imigração em Santa Maria (Imagem 33), na foto os representantes da prefeitura, Werner Rempel (vice-prefeito) e Humberto Gabbi Zanatta (Seretário de Cultura), e, ainda, o presidente da Nihonjinkai, na época senhor Noda, e o presidente do Memorial de Imigração e Cultura Japonesa, André Soares.

Imagem 35 - Abertura da exposição comemorativa aos 50 anos de imigração japonesa em

Santa Maria

Fonte: Acervo pessoal do Prof. Dr. André Luís Ramos Soares

Contudo, mesmo com a intenção de participar do festival em Porto Alegre indo de “van” alugada, com 10 lugares disponíveis, a idade avançada dos colaboradores da pesquisa dificultou inclusive a viagem. Desse modo, em Santa Maria, não houveram comemorações relativas à passagem dos 60 anos de imigração. A segunda e terceira gerações não se sentem preparadas, ou não manifestam interesse, em tomar a frente para realizar um evento desse tipo, enquanto os mais velhos possuem o desejo, mas não a disposição de 10 anos atrás. Inclusive, a comunidade japonesa, com os imigrantes de primeira geração em Santa Maria, tem diminuído a olhos vistos, em função da sua idade avançada. No almoço de ano novo, com a eleição da nova diretoria da

Nihonjinkai em Santa Maria, na qual participou-se, muitos comentaram que, ao chegar nos 70

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da associação.

O festival ocorreu em 18 e 19 de agosto em Porto Alegre, na Academia da Polícia Militar, bairro Parthenon. Lá foram desenvolvidas várias atividades relacionadas à cultura japonesa e à cultura pop japonesa (chamada J-pop). Para historicizar um pouco do que representa esse festival para a cultura japonesa, levantou-se um breve histórico, com informações coletadas com os membros da “Associação do Festival do Japão RS” e membros da JICA96.

O festival é realizado desde 2012, o evento tem como objetivo promover e divulgar a cultura japonesa no Rio Grande do Sul. O público tem sido crescente, em 2017 superou 50 mil pessoas, demonstrando o crescente “interesse da comunidade gaúcha em prestigiar manifestações artísticas e culturais, as tradições de ser gaúcho e a presença japonesa no RS”97. Fala essa que vem ao encontro desta tese, que se utiliza da denominação “nipo-gaúcho” para descrever os japoneses que são gaúchos e vice-versa, no que se refere ao sentimento de japonesidade.

Ao integrar o calendário oficial das datas comemorativas de Porto Alegre, o festival do Japão do Rio Grande do Sul celebra, em especial, o dia 18 de agosto, Dia do Imigrante Japonês. O evento também contou com a parceria do Anime Buzz, um dos maiores eventos de cultura pop japonesa do Rio Grande do Sul, o que atraiu milhares de brasileiros interessados na temática

J-pop, mas que tiveram acesso à cultura e gastronomia tradicional japonesa. Imagem 36 – Saída à campo - Festival do Japão em Porto Alegre/RS 2018

Fonte: Acervo Pessoal da autora

96 Agência de Cooperação Internacional do Japão – JICA. Cf. <http://www.abc.gov.br/treinamentos/informacoes/jica.aspx>.

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Imagem 37 – Palco com apresentações japonesas tradicionais – POA/RS 2018

Fonte: Acervo pessoal da autora

Imagem 38 – Espaço do Festival do Japão – aberto ao J-pop POA/RS 2018

Fonte: Acervo pessoal da autora

Em 2018, foi celebrado em todo o país os 110 anos da Imigração Japonesa no Brasil, pois foi justamente, em dia 18 de junho de 1908, que o navio Kasato-Maru atracou no Brasil com os primeiros 781 imigrantes japoneses. No decorrer dessa história, os Nikkei (descendentes de japoneses) contribuíram para o desenvolvimento do Brasil e integraram-se ao povo brasileiro, e ao povo gaúcho para formar uma identidade própria, a nipo-gaúcha, que está inserida neste estudo como uma identidade hifenizada, uma das categorias de pesquisa.

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exposição de Bonsai98, Shodô99, Taikô100, Origami101. Além dessas atrações, houveram ainda: exposições temáticas e históricas; Ikebana (arranjos de flores naturais); Sumiê (pintura com tinta monocromática); artesanatos; quimonos e culinária típica japonesa em um evento cultural que possibilitou à comunidade gaúcha conhecer, apreciar e vivenciar as tradições, os costumes, a arte e a gastronomia japonesa nas suas diversas manifestações.

O palco principal, na parte interna da Academia, contou com uma programação do início ao final do evento, apresentando ao público diversos shows de música, demonstrações de artes marciais, apresentações de Taiko (tambor japonês) e danças tradicionais. Já no espaço destinado ao Anime Buzz, houveram atrações relacionadas à cultura pop japonesa e que atraem o público jovem, como concursos Cosplay (fantasia), espaço para jogos e feira de artigos.

Aproveitando o momento do festival e a quantidade de pessoas presentes, teve-se condições de aplicar questionários para buscar informações justamente sobre a identidade japonesa, ou melhor, sobre como esses imigrantes e descendentes de japoneses se reconhecem. Ao final deste item, será apresentado o resultado dos dados coletados. O evento teve êxito de público, entre brasileiros e japoneses beirou aos 100 mil participantes nos dois dias de festival102.

A comunidade japonesa concentrou-se na parte interna da academia, com oficinas, apresentações de danças, Karaokê, venda de artesanatos, exposições de Bonsai e Origamis. Foi nesse espaço que se concentrou a aplicação da pesquisa e o diálogo com japoneses que estavam expondo ou participando do evento.

Na parte externa, onde a maioria dos participantes eram brasileiros, estavam as demonstrações J-pop e a gastronomia. Muitos brasileiros aproveitaram o dia para conhecer e degustar iguarias da culinária japonesa. A praça de alimentação foi outro ponto onde foram aplicados os questionários, tendo em vista que muitos Nikkei iam até lá fazer suas refeições. Vale ressaltar que, tal qual Santa Maria, não foi fácil abordar os Nikkei de mais idade, o principal motivo é o idioma, que os mais velhos ainda têm dificuldade com o português e porque existe uma certa resistência a participar de pesquisas.

Contudo, a mostra de cinquenta questionários foi considerada boa, tendo em vista todos esses apontamentos e foi capaz de suprir uma lacuna até então existente no trabalho, além do

98 Arte de cultivar árvores em miniatura. Cultua paciência e beleza na tradição japonesa. 99 Significa “o caminho da escrita”, a arte de escrever a caligrafia japonesa.

100 Instrumento de percussão, cuja superfície é de couro animal, pode ser tocado com a mão ou com ajuda de uma baqueta.

101 Arte das dobraduras de papel.

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“pertencimento” o sentimento de “reconhecimento” dos Nikkei como brasileiros, japoneses ou gaúchos. Cabe ressaltar que os 50 questionários, aplicados no segundo dia do evento, foram destinados a pessoas fenotipicamente japonesas, desde os mais velhos que em sua maioria estavam na parte interna, na feira de artesanatos e nas exposições de Bonsai e Shodô, por exemplo, até os mais jovens que assistiam as apresentações ou estavam passeando com a família, ou seja uma mostra que pegou desde “Issei103” até “Yonsei104”, inclusive algumas pessoas que não sabiam a qual geração pertenciam.

O questionário contou com sete questões entre fechadas, semiabertas e abertas, na tentativa de que não fosse muito longa a sua aplicação e que os mais velhos ou àqueles mais resistentes às pesquisas não se recusassem a responder pelo tempo gasto durante o evento. No domingo (segundo dia do festival, 19 de agosto), a autora participou sozinha do evento, e sempre que uma brasileira se aproxima de um japonês com uma pesquisa a reação é curiosamente parecida. Desde que se iniciou os estudos em cultura japonesa em 2010, os mais velhos em função da dificuldade com o idioma fecham o semblante ou mudam a direção do olhar para evitar que aconteça uma aproximação. Essas impressões são fruto de vários questionários aplicados desde a entrada no Memorial de Imigração Japonesa do Rio Grande do Sul, antes mesmo de iniciar o mestrado e durante esses anos de pesquisa vários festivais, inclusive em São Paulo/SP, e muitos questionários aplicados pode-se inferir seguramente que os Nikkei mais velhos são mais fechados.

Dentre as questões que compunham o questionário, estavam105:

1. Em relação à identidade, você se identifica como sendo? (Que deveria ser enumerada de 1 (um) para o mais importante até 3 (três) para o menos importante, entre as opções brasileiro, japonês e gaúcho);

2. A qual geração de Nikkei você pertence?;

3. Você já participou de alguma associação de cultura japonesa? (Cursos de língua,

Mangás, caligrafia, etc.);

4. Você já participou de algum evento promovido por associações japonesas? (Cosplay, Undokai, Engekai, etc.);

5. Dos eventos que você participou qual ou quais foram mais significativos?; 6. Em que momento da sua vida, você participou mais desses eventos? (Ex: quando

103 Imigrantes japoneses.

104 Bisnetos de japoneses ou a 4ª geração.

105 As questões serão elencadas neste item para ilustrar melhor as análises. Contudo, o questionário estará disponível nos apêndices desta tese.

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criança, levado pelos pais ou avós, sempre, adulto, para levar os filhos, etc.);

7. Nesses eventos, o que você considera mais importante? (Para enumerar de 1 (um) para o mais importante a 5 (cinco) para o menos importante, entre as opções: apresentações artísticas, gastronomia típica, cultura pop, artes marciais e oficinas).

As inferências sobre o resultado dos dados obtidos a partir do questionário foram importantes à medida que poderiam afirmar e assegurar as narrativas dos sujeitos da pesquisa sobre sua “identidade” nacional e étnica ou refutá-las e ainda ter uma dimensão do que representam as associações japonesas em outras cidades e na organização de eventos importantes. Esses dados poderiam abrir uma lacuna ainda maior para aprofundar os estudos em Santa Maria. Nesse caso, o cruzamento dos dados é demasiado importante para a historicidade da imigração japonesa na cidade, lócus deste estudo.

A questão da “identidade nacional” e “identidade étnica” perpassa a formação social dos imigrantes japoneses em Santa Maria e no Rio Grande do Sul, bem como em outros estados do Brasil. Para além das teorias de “identidade” e “etnicidade”, os dados provenientes dos questionários demonstram um entrelaçamento dessas identidades, ou como Silva (2010) evidenciou chamando de “trama cultural” entre os nipo-gaúchos.

De maneira que, na questão de número 1, o resultado não foi diferente do esperado, as alternativas “brasileiro” e “gaúcho” apareceram mais do que a “japonês”, em primeiro, segundo e terceiro lugar respectivamente. No entanto, deve-se levar em conta que o número de Isseis participantes foi menor do que as demais gerações de Nikkei. Esses dados confirmam a teoria das “identidades negociadas” de Lesser (2011), pois existe uma amálgama cultural que dificulta reconhecer a fronteira entre as identidades. Todavia, essas são categorias de análise secundárias para definir em que medida as associações influenciam na manutenção da memória e da identidade japonesa entre os Nikkei.

Nesse sentido, a relação da primeira e segunda questão é sobremaneira reveladora, quanto mais jovem o Nikkei, mais abrasileirado106 se considera, e, no caso do Rio Grande do Sul, a identidade regional se manifesta na mesma intensidade da nacional entre os japoneses de terceira e quarta gerações. Do mesmo modo, as duas questões subsequentes se completam, àqueles que já participaram de associações, também participaram mais de eventos organizados por elas e, em sua maioria, são de primeira e segunda geração Nikkei. Em contrapartida, aqueles mais novos demonstraram pouca participação nos eventos e associações. Refletindo tal qual o

106 Termo utilizado por Tomoo Handa (1987) e que vem ao encontro da “assimilação” e “aculturação”, no sentido de os imigrantes estarem se apropriando de algumas características culturais brasileiras, ou se integrando ao modo de viver dos brasileiros.

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que acontece com o grupo em estudo.

Essa informação vem ao encontro do panorama vivido pelos Nikkei em Santa Maria, no qual a associação é composta unicamente por isseis e as gerações mais novas não tem direito ao voto, não participam dos encontros, não possuem mais a categoria de sócio-dependente e também não são associados à Nihonjinkai. Situação que diminuiu visivelmente as atividades da associação com o decorrer do tempo e os eventos organizados em Santa Maria, que fazem parte da memória dos Nisseis. O que também corrobora a inferência de que a associação passou por diferentes momentos, do período de ascensão e estabilidade até a decadência ou declínio.

No caso dos participantes da pesquisa durante o festival em Porto Alegre, os eventos que mais se destacaram foram:

Em primeiro lugar, que confirma as memórias dos sujeitos entrevistados sobre sua importância, está o Undokai. Esse evento representa uma fase áurea da associação japonesa em Santa Maria. Uma época lembrada pela primeira e segunda geração, por reunir japoneses de todo estado para realizar essa comemoração, no bairro Pé de Plátano, enquanto a segunda geração ainda era criança e adolescente e os Isseis tinham disposição.

Em segundo lugar, apareceram os festivais do Japão, o Bonenkai107 e o Karaokê. A enumeração desses eventos também vem ao encontro do que se vive em Santa Maria, mais especificamente nas décadas de 70 e 80, mas que fazem parte das narrativas dos Nikkei. Logo no início da década de 90, ocorreu o chamado fenômeno Decasségui e a maioria dos Nisseis foram trabalhar no Japão, deixando os mais velhos no Brasil. Nesse período, não havia necessidade de realizar os eventos da associação como o Undokai, visto que os jovens estavam longe e ao voltarem já não demonstravam o mesmo interesse em manter a cultura japonesa, ao se tornarem brasileiros por direito e se tornarem invisíveis à sociedade englobante não viam, como ainda hoje não veem, a necessidade de retomar tais atividades.

A participação no Festival do Japão e a aplicação do questionário foram sobremaneira importantes, na medida em que se pode autenticar, corroborar, confirmar as inferências feitas com base no pequeno grupo de imigrantes em Santa Maria.