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China e o outro lado da cultura

A forma segue à ação

MVDRV

A rápida urbanização na China nos últimos anos alterou o antigo modo de urbanização com a moradia em aldeias, base da cultura chinesa, que está desaparecendo rapidamente, levando consigo a história e as tradições locais. Em 2000, a China tinha 3,7 milhões de aldeias de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de Tianjin. Em 2010, o número já havia caído para 2,6 milhões, uma perda de cerca de trezentas aldeias por dia.1 Para as administrações locais, tornou-se inevitável um grande projeto de requalificação urbana para esses tecidos urbanos degradados. O modelo adotado foi o mesmo de revitalização dos centros europeus, que começou na década de 1970 com a construção do museu Beaubourg, na França, passando pelo museu da Tate de Londres, na década de 1980, e concluindo com o Guggenheim de Bilbao, no final dos anos 1990. Todos foram projetos arquitetônicos marcantes, tendo como âncora um grande equipamento ligado ao universo cultural.

Surge, assim, a grande onda de novos museus na China. Grandes, pequenos, estatais ou com financiamento privado, o boom na construção de museus tem muito a ver com a nova estratégia do governo do país, de criar uma nova imagem da China para o mundo, além dos proveitos econômicos que essas mudanças trazem na revitalização das cidades. “Agora que a China está firmemente plantada como uma potência econômica, o país está esperando para se tornar uma potência cultural”, afirma Chen Jianming, vice-presidente da Sociedade Chinesa de Museus.2

O caminho nessa direção se dá em marcha cada vez mais acelerada, como se o gigante asiático tivesse acordado de um sono profundo. Sobre esse boom da construção de museus sem a correspondente estrutura para seu funcionamento, seja pelos acervos inexistentes, seja pela falta de equipe profissional, como curadores, gestores,assistentes de pesquisa, etc, Cotter comenta: “Eu acho que necessariamente no desenvolvimento da China o “‘hardware”’ vem antes do “‘software’”3

“Talvez seja o único caminho possível em um país de regime centralizado, em que as cidades estão sendo inteiramente construídas de cima para baixo, em processos 1 Ian Johnson, China desterra tradições, The New York Times-Folha de São Paulo, 01/06/2015.

2 Holland Cotter, Status da arte chinesa gera onda de novos museus, The New York Times-Folha de São Paulo, 01/04/2013

avassaladoras nos quais a dinâmica do “fazer” erradica todas as antigas formas de usá-las (a cidade)” 4

E a estratégia acompanha a crescente demanda por arte e cultura por parte da população em geral.5 ombinado a essa frenética expansão, o governo tornou gratuita a entrada aos museus pelos cidadãos chineses. Os museus históricos têm acesso gratuito desde 2008, e os de arte moderna e contemporânea, estão liberados desde 2010. Essa nova política de acesso gratuito a mais de 1800 museus em todo o país, espera atrair anualmente cerca de 400 milhões de visitantes, segundo dados oficiais. 6

Só para efeito de comparação, a França atraiu 20 milhões de turistas aos seus principais museus em 2011, de acordo com levantamento realizado pela revista The Art Newspaper.7

Uma nova arquitetura, novas área expositivas, além do acesso a uma multiplicidade de serviços, trazem o modelo ocidental para os novos museus chineses, migrando da antiga exposição estática da história e do patrimônio para uma nova expografia ligada ao turismo de massa.

Se a China tornou-se o laboratório de estudos para onde migraram muitos

especialistas nos últimos anos – bem como filiais de grandes escritórios de arquitetura – o movimento contrário também é verdadeiro, com o governo chinês investindo pesado no intercâmbio cultural fora do país, com o objetivo claro, de aumentar a influência da cultura chinesa em todo o mundo. Cerca de trezentos diplomatas nas embaixadas chinesas ao redor do mundo trabalham em programas culturais patrocinando grandes investimentos em projetos e intercâmbios culturais que fazem da China um dos maiores patrocinadores nessa área.8

Essa transformação cultural deve, porém, ser vista com cautela no gigante asiático. O Partido Comunista controla rigidamente todas as redes de comunicação do país e preserva a “ditadura do povo” com mão de ferro.

No campo específico da arquitetura de museus, uma enorme gama de projetos tem sido desenvolvida por escritórios internacionais no país. Dos projetos locais, dois acabaram ficando conhecidos como imitações referenciadas de projetos europeus. Um deles, a

Usina de Arte, é um museu de arte contemporânea em Xangai instalado em uma antiga estação de energia cujo projeto se aproxima muito do museu Tate Modern de Londres, dos arquitetos Herzog e De Meuron. O outro é o projeto do Taijin Cultural Museum, na

4 Guilherme Wisnik, Um mundo criado na China, Folha de São Paulo, 16 fevereiro 2014

5 Em 2012, 83 milhões de chineses gastaram 102 bilhões d dólares no exterior, passando a frente de americanos e alemães para fazer da China o país do mundo que mais gasta com turismo , segundo a Organização Mundial de Turismo da ONU, Ver Dan Levin, Chineses dominam turismo global, in The New York Times- Internacional Weekly, 08 de outubro de 2013

6 Disponìvel em http://www.cam.org.tw/english/members.htm, acessado em 20 maio 2015 7 Disponìvel em http://www.theartnewspaper.com/attfig/attfig11.pdf, acessado em 20 maio 2015 8 András Szanto, Idade Nova na China, Disponìvel em: http://www.theartnewspaper.com/articles/

cidade de Taijin, que lembra bastante o projeto do Seoul National University Museum, do escritório OMA, na cidade de Seul, Coreia do Sul.

Na China, segundo Bianca Bosker,9essa predileção sociocultural da imitação é um conceito diferente da interpretação dada no Ocidente, que valoriza apenas a originalidade e a autenticidade. Segundo a autora, exemplos numerosos mostram que uma boa cópia é valorizada, sobretudo quando é difícil de se distinguir a cópia do original, e quando a representação de algo pode ter o mesmo valor que o original.

Invertendo essa lógica, temos também o incrível projeto do Museu de História de Ningbo, de Wang Shu, arquiteto ganhador do Pritzker Architecture Prize de 2011.

Fig.43 Tate Modern, Londres, 2000, Herzog e De Meuron;

Fig.45Interior, Tate Modern, Londres, 2000, Herzog e De Meuron;

Fig.47 Seoul National University Museum of Art, Coreia do Sul, OMA, 2005;

Cacos da história