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MAPA III CORPO COMO CARNAVAL: A BUSCA DO NOVO E A CONSTRUÇÃO DE UM DESFILE

4. OS CARNAVAIS DO CORPO: A OPERAÇÃO DAS IMAGENS

4.3. CIBER-BARRACÃO: A BUSCA DE IMAGENS

“Viver na carne” o processo de construção de um desfile virtual é uma das formas de se perceber a complexidade do universo da comunicação. Toda a idéia de que a comunicação como acordo social seja um paradoxo processo que tem o corpo, e toda sua rede de informações verbais, musculares, imagéticas, entre outras, como uma de suas ignições em co-relação com seus ambientes não é algo que possa ser esquecido. Construir um desfile, pela releitura dos desfiles da Liesv é uma experiência que permite co-relacionar o que sejam as “realidades internas e externas” do corpo, suas visibilidades e invisibilidades, suas mortes e suas vidas. E, sobretudo a presença de coletividades dentro e fora de si.

Todas as pessoas deste processo de construção do desfile não estão ligadas ao carnaval. Foi uma coincidência perceber que todos os envolvidos não faziam parte de comunidades carnavalescas de rua. Praticamente só conhecem um desfile por que já viram na televisão ou desfilaram alguma vez no carnaval paulistano. Esta é uma informação interessante deste processo, pois se trata de um “olhar do estrangeiro”, ou melhor, de vários “estrangeiros” que só trazem para esta pesquisa a idéia de que o carnaval, e, sobretudo os desfiles, não é um espaço de “tribos”.119

Para imaginar os caminhos da memória, dentro e fora do corpo, a idéia de reunir estas pessoas parte de um pressuposto óbvio, as diferentes habilidades cognitivas que se referem ao uso e operação de tecnologias interativas.

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Sobre esta questão, a socióloga Leila Blass (2005) desfaz a noção de que o carnaval seja um espaço de identificação por valores absolutamente simultâneos. Para a autora, não há como “encaixar” o desfile na idéia de uma tribo urbana, uma vez que muitas pessoas de fora das comunidades carnavalescas também fazem parte do desfile. Esta diversidade torna imprópria a noção de classe fechada.

Nosso ciberbarracão também é uma experiência geográfica. Estamos testando a fluidez das fronteiras entre casa e rua. E sobretudo estamos percebendo o deslocamento das fronteiras geográficas normalmente erguidas. Se a sociedade contemporânea fala em “homework”, nosso ciberbarracão permitiu testar este conceito. Eu de minha casa, e Fabiana, Juliana, Marcus, Christian, Danilo, Catarina, Rômulo, Roney e Eduardo de seus respectivos lares, montamos este carnaval como hipertexto.

4.3.1. O HIPERTEXTO COMO CARNAVAL

A noção de hipertexto, a deslinearização da narrativa, estudada por Janet Murray (2001) aponta, entre outras coisas, que o computador muda a estrutura do drama seriado. A noção de hipertexto assinala a possibilidade de construção de continuidades singulares da narrativa: a possibilidade de parar a história, escolher seus cenários visuais, os sons que serão mixados ao hipertexto. Para a autora, todas estas ações já existem na forma tradicional de texto, mas começam a acentuar-se no desenrolar das possibilidades da literatura digital.

A noção de hipertexto é multimidiática, explora fusões sensoriais: “perder-se” na diversidade dos caminhos da narrativa é “encontrar” diversos sentidos. Nestas possibilidades percebemos que a noção de hipertexto já incorpora a noção de sinestesia e imersão. Um corpo sujeito às (des)continuidades próprias do hipertexto trabalha em imersões de fusão sensorial. O acaso em uma narrativa hipertextual cria possibilidades de cenários sinestésicos, o que também remete a um processo de carnavalização

É possível argumentar que a própria noção de hipertexto pode ser associada à linguagem do carnaval, da forma como este foi conceituado na introdução: um processo de inversão. Uma linguagem hipertextual é “ ...o modo de produção textual

da nossa contemporaneidade, afeito ao simultâneo espacialmente e ao sincrônico temporalmente” Agra & Cohen (2002:163). Assim, uma narrativa hipertextual

assinala as inversões nos caminhos da narrativa. Um carnaval é a rede de sentidos que um corpo cria e um espaço para revelar e ser percorrido por estes outros significados. Neste sentido, um hipertexto é um espaço similar ao carnaval. O carnaval precede a idéia do ciberespaço. Como evidencia Wertein (2003), a idéia de um ciberespaço é algo presentificado na Divina Comédia de Dante Alighieri: a rede entre espaços distintos, um inferno, um paraíso e um purgatório. O espaço carnavalesco na idade média, de que fala o já citado Mikhail Bakthin, é uma rede onde se cruzam pessoas, sensações e, sobretudo universos simbólicos pessoais e coletivos. Isto nada mais é do que a idéia de deslinearização dos sentidos presente na narrativa hipertextual. Esta idéia, de que o carnaval precede o ciberespaço, é utilizada na concepção de nosso desfile para alertar que não se trata de algo necessariamente “novo”.

O enredo é um enredamento. A idéia para conceber a narrativa parte do pressuposto de enredar-se às questões que estamos discutindo. As imagens de terremotos, mudanças tecnológicas, e dos símbolos que são tecidos pelo homem são o ponto de partida para o desenvolvimento da narrativa hipertextual. A principal idéia é que o folião é aquele que está interagindo com a narrativa. O desfile só é possível através de seus movimentos. É preciso perder-se.

4.3.2. O ENREDO

A terra é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano é um enredo que fala de metamorfoses. Destas metamorfoses a que o universo esta sujeito. No começo da existência do planeta terra todos os continentes, diferentemente da forma que os conhecemos hoje, estavam juntos. O suiço Alfred Wegener atestou em 1912 para a questão de que os continentes estão à deriva, “navegando” pela superfície do planeta. Nomeado por “ilha de Pangéia”, este supercontinente foi sendo repartido e hoje esta configurado da forma que o conhecemos. Esta é a teoria desenvolvida.

Neste supercontinente a vida no planeta passou por processos fundamentais de seu desenvolvimento. Nestes territórios à deriva em um oceano azul floresceu a era dos dinossauros, dos insetos gigantes, das florestas carboníferas. Todo significado primordial da vida teve neste “palco cenas incríveis da história de nossa existência”.

Quando os continentes já “navegaram” bastante, eis que surge uma espécie “nova”: a espécie simbólica. Para esta espécie pintar paredes de cavernas, criar deuses, mitos e lendas é sua rotina. O tempo passa, a terra vai mudando, os símbolos da espécie simbólica também.

Passado um bom tempo, surgem alguns descendentes diretos desta espécie continuam a simbolizar. Criam guerras, e outros deuses diferentes daqueles que haviam criado antes, mas todos eles com o poder de explicar a origem das coisas e do mundo. Há o deus dos deuses, há um deus dos oceanos, e assim por diante. Neste mesmo lugar, outros vão questionar a existência destes deuses, alegando que há outras coisas além de sua existência. Nasce aqui a idéia de colocar um ponto de interrogação em nossa existência, mas sem pedir que os deuses respondam: quem somos nós, de onde vimos e para onde iremos? E tal pergunta vai atravessar o tempo.

Alguns sempre fazendo esta pergunta aos deuses, outros pensando que estes deuses não existem e perguntando a si mesmos, no entanto, estes animais seguem seu caminho. E constróem pernas que os levam pelas águas. Navegam sem saber onde termina exatamente os caminhos que podem percorrer. Sua curiosidade sem fim leva a espécie simbólica a lugares que já estiveram “grudados” antes.

Muita coisa acontece, há encontros entre muitos desta mesma espécie, com outros símbolos diferentes, e muito estranhamento acontece. Como os símbolos desta espécie, de alguma forma, marcam fronteiras, pequenas e grandes guerras

se formam. Há uma luta, que parece não ter fim. Mas estas lutas sempre cessam por momentos.

Das pernas que andavam na água esta espécie inventa olhos e ouvidos que alcançam muito longe. Inventa “mulheres que bailam e giram” permitindo a vida da comunicação, enviando e recebendo sinais. Das pernas que se movem literalmente, a espécie cria pernas metafóricas. Com esta capacidade, esta espécie volta a juntar os continentes que por sua vez, não param seu movimento de deriva. Simbolicamente, no entanto, o planeta desta espécie, que já foi uma ilha, volta a ter esta configuração novamente.

E a espécie não para de andar. Inventa pernas que voam no espaço. Pernas que vão levá-la para fora desta “ilha”, chamada pela espécie simbólica de terra. A terra, que é uma misteriosa ilha na imensidão de um negro oceano.

4.3.3. A ESTRUTURA

A narrativa é um hipertexto. A idéia é utilizar o que Janet Murray discute sobre as possibilidades narrativas do ciberespaço para construir o sentido da história. A idéia baseia-se em entrar e sair de diversos ambientes que seriam correspondentes aos setores de um desfile de rua. A sugestão é que estejamos imersos no desfile. Para tanto, analisamos que a perspectiva deveria propor a oposição do “observador” em relação ao desfile. É como se estivéssemos na rua, de frente para um desfile, vendo-o chegar até nós. Esta foi uma das possibilidades de se “brincar” com a idéia do estar fora ou dentro do desfile.

A estética utiliza-se bastante do universo kitsch, além de lembrar a fragmentação dadaísta. Os recortes das figuras foram propositadamente pensados para que lembrassem universos em constante processo de montagem e desmontagem.

No “início” do desfile há diversas opções a serem tomadas. Vamos vê-lo linearmente? O samba enredo vai ou não acompanhar o desfile? pois podemos escutar o samba sem que o desfile aconteça. Ou seja, existe a necessidade de interferir no modo como acontecerá a narrativa audiovisual.

Para desfilar em nossa escola é preciso movimentar o mouse. Sem tal ação não há como percorrer os caminhos construídos, e sobretudo experimentar a narrativa não-linear que a história possibilita. Desta forma, pode-se perceber a história sendo tecida da forma sugerida pela sinopse, mas pode-se também perceber e conectar partes diferentes. Cada ambiente é, de certa forma, autônomo em relação aos demais, de forma que não há prejuízo para os diversos sentidos que a história pode apresentar. Assim, pode-se começar pelo meio, ira para o fim, e terminar pelo começo. A sinestesia, própria ao carnaval e à estrutura hipertextual, não é um mero recurso.

Para o desenvolvimento dos ambientes forma utilizados recursos como animações em duas dimensões (2D). Para o movimento dos integrantes da comissão de frente (3D). As “coreografias” da comissão de frente foram baseadas em alguns movimentos do corpo “real”.

Os sambas enredo foram compostos por pessoas que também não “fazem parte do mundo carnavalesco”. No desfile virtual há a possibilidade de criar mixagens e agregar sons diferentes à performance. Há a opção de escolher uma entre as diversas músicas que foram desenvolvidas na “disputa” e agregá-la ao desfile.