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MAPA II DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS

3. TERREMOTOS E PERFORMANCES DO CORPO

3.3. LINGUAGENS QUE MORAM NA RUA

3.3.1. Grandes sociedades e blocos

Dentro das principais manifestações carnavalescas do início do século XX, temos o “grande carnaval”. Os carnavais oficiais, formados pelas sociedades carnavalescas e pelas Grandes sociedades. Estas eram manifestações carnavalescas do começo do século XIX e XX. “Diferenciando-se das sociedades

carnavalescas em geral por sua maior organização, por seu tamanho e pela presença de imponentes alegorias, as chamadas grandes sociedades dominaram todo o carnaval da segunda metade do século XIX até as primeiras metades do século XX. Três desses clubes carnavalescos, como também eram chamadas as sociedades mais importantes, destacaram-se pro sua grandiosidade e por sua participação ativa no carnaval do Rio de Janeiro, servindo como modelo para a folia burguesa das grandes cidades brasileiras: o tenente do Diabo, o Fenianos e o Democráticos. Ferreira( 2005:172)

existe heterogeneidade. Ao contrário, misturar, homogeneizar significa um processo irreversível.

Como outro ponto desta rede, temos o “pequeno carnaval” “... formado pelos

blocos, ranchos ou cordões. “O que diferenciava um ‘carnaval’ do outro não era somente a forma das brincadeiras, mas principalmente quem delas participava.”

Ferreira (2005:228). Sem o luxo das grandes sociedades, estas “alas” de fantasiados percorriam a cidade em conjuntos, daí seu nome de blocos. Ao “grande carnaval” pertenciam aqueles com maior poder financeiro. Ao “pequeno carnaval” as camadas mais populares da cidade.

3.3.2. Teatro de revista

Dividindo a atenção popular com o carnaval, o teatro de revista é outro ponto que se conecta à rede carnavaelsca. Foi um gênero bastante comum no fim do século XIX e primeiras décadas do século XX se extinguindo na década de 60. As

surpresas do Sr. José da Piedade foi primeira peça que estreou em 9 de janeiro de

1859, quando o Brasil estava em seu segundo Reinado. Inspiradas nos vaudevilles e nos music hall73, seus enredos eram uma revisão( daí o nome revista) dos

acontecimentos e fatos sociais do cotidiano. A estrutura das “revistas” era um conjunto de esquetes falados, cantados e/ou dançados. “A revista de ano é uma

criação francesa, ou antes parisiense. O gênero...nada tem de extravagante pois que se limita a transportar para as tábuas do palco, fazendo-os (sic) passar em revista, presos por um tênue fio de enredo (eu acrescentaria: ou apenas pela identificação temática em quadros estanques), os principais acontecimentos do ano. Para colimar esse fim, claro está que são precisos muitos personagens, uns episódicos, outros alegóricos, que vêm à cena, cantam suas coplas, dançam os seus bailados característicos e se vão depois de entreterem leve diálogo com o personagem principal, que não sai nunca de cena, pois é diante dele que todos desfilam e ao qual se convencionou chamar de compadre.” Paixão (apud

Cavalvanti:1991,53)

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Respectivamente estes eram espetáculos de variedades franceses e ingleses. Ver Cavalcanti(1991)

A produção das peças envolvia basicamente um dramaturgo, responsável pelo “libreto” e um cenógrafo, responsável pela concepção visual do espetáculo, o que hoje o carnavalesco faz nas escolas. Além dos atores e atrizes. Os enredos, ligados ao cotidiano, despertavam forte ligação com a platéia. Esta era seduzida pelo charme das vedetes, a beleza dos cenários e o humor retratado pelos enredos. Seu universo criou uma memória cultural bastante rica para o universo da cultura popular brasileira. As revistas funcionavam também como um espaço para a pré-divulgação das músicas carnavalescas, revelando nomes de compositores como Lamartine Babo e Sinhô74.

Já sabemos que na natureza há uma busca constante de meios de permanência, soluções alternativas. Foi o que aconteceu com a peça “O Ano que passa”. Artur de Azevedo (1860-1924), considerado um dos grandes escritores do gênero , antes de “subir ao parnaso” (Cavalcanti:1991,150), inventa algo bastante peculiar.

Sem encontrar empresários interessados em montá-la esta revista acaba encontrando uma nova solução proposta por Artur de Azevedo: montá-la literariamente. “Do mesmo modo como fazia com os sainetes que publicava em

jornais, iria, mês a mês, comentar o anterior, fazendo um folhetim teatralizado. Os diálogos curtos, na falta de atores, teriam ilustrações de Julião Machado, um caricaturista extraordinário. O tema é a dificuldade de os revistógrafos qualificados como o autor encontrarem apoio de empresários e donos de teatro para encenar suas peças. A revista O ANO QUE PASSA assim imaginada saiu, em 10 quadros, de 4 de fevereiro a 25 de novembro de 1907 no jornal O País.” Cavalcanti (1991,149)

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Compositores que transitavam entre os territórios da ‘revista’ e do carnaval. Várias de suas músicas são parte da história popular da música brasileira, como é o caso de “Linda Morena”, composição de Lamartine Babo.

Estabelecer acordos para a revista em um outro ambiente. Mas este ambiente não era tão novo assim para uma revista. A relação entre os jornais e o teatro de revista já era bastante acentuada. A maior parte dos escritores de peças eram jornalistas (caso do Próprio Artur de Azevedo). Estas correlação nos dá uma pista para pensarmos nos movimentos entrópicos da cultura, que parece imitar as (re)organizações que natureza faz. Qualquer semelhança entre o gesto de Artur de Azevedo, a brincadeira dos “Webcarnavalescos” e outros gestos que buscam a permanência e geram movimentos entrópicos que resultam na mixagem e extensão de linguagens não é mera coincidência!

3.3.3. Chanchadas

As chanchadas são outro ponto. Eram exclusivas de outro habitat: as salas de cinema. Mas em relação às revistas tinham também a sátira e o deboche como características marcantes. Oscarito, Grande Otelo e Dercy Gonçalvez, nomes ligados ao teatro de revista contribuíram ainda mais para que a chanchada tivesse a característica de uma “revista filmada”. As chanchadas tinham uma forte influência de Hollywood: grande parte de seus títulos eram paródias de sucessos norte americanos. Da revista também herdaram as denúncias e críticas sociais e o “casamento” com a música. A parceria com artistas do rádio garantiu o sucesso de músicas como “Alô, alô, Brasil”(1935) e “Alô,alô, carnaval!”(1936). O sucesso industrial da chanchada foi inegável. Suas produções tiveram um papel semelhante ao da “revista” para o carnaval: a divulgação das canções carnavalescas. “Nada de

dramas atravessando o ritmo. Na passarela cinematográfica, só a alegria comandava o espetáculo. Atraindo filas e mais filas de espectadores religiosamente fiéis ao seu humor quase sempre ingênuo, às vezes malicioso e até picante, o filmusical carnavalesco impôs-se como um entretenimento de massa de singular expressividade. Nem sempre o chamaram de chanchada e, em sua forma larvar, ele se ressentiu das limitações formais do filme-revista.” Augusto (2001:13-14)

Na época das chanchadas e do teatro de revista, as escolas de samba faziam sucesso, mas não tinham a projeção que têm hoje, e os bailes carnavalescos eram também uma forma bastante popular de se brincar o carnaval. Na década de 70, concursos de fantasias75 eram outras formas de carnaval

bastante famosas. Nestes concursos vemos o quanto o homem imita o comportamento de outros animais que criam disfarces, caso do réptil camaleão. Hoje, estes concursos estão restritos a alguns locais, como o Hotel Glória no Rio de Janeiro. Os bailes também não têm hoje a projeção de antes.

3.3.4. Ópera

Voltando à genealogia de linguagens que contaminaram o desfile, não podemos deixar de mencionar a ópera. Aspectos importantes de seu caráter multimídia, como o canto, a dança, a plasticidade dos cenários e figurinos foram conectados à rede de textos culturais do desfile das escola de samba. O desfile é chamado de “ópera de rua”. Por que? A ópera é uma linguagem que teve na Europa dos séculos XVIII e XIX um papel na construção do imaginário social muito semelhante ao que o cinema fez nas primeiras décadas do século XX nos Estados Unidos. Sua potência expressiva é percebida na forma como refletia os sonhos e desejos do público: a realidade simbólica dos enredos se enredava à realidade do cotidiano das pessoas. Jorge Coli (2003) analisando a paixão pela ópera sugere que neste gênero os dilemas enfrentados pela oposição entre razão e emoção existem, mas não como uma separação dicotômica, mas sim por que estão misturados. Daí a “paixão” pelo gênero. No carnaval, a rua fica fantasiada de palco , e aqui, o povo é um ator, uma atriz, e espectador de tudo isto, ao mesmo tempo. Neste sentido, a ópera se aproxima do carnaval, pois o desfile é uma fonte de “paixão” popular. Mas, talvez o aspecto mais interessante desta metáfora é o de

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Clóvis Bornay talvez seja o mais famoso dos

concorrentes destes concursos. Além de participar destes eventos, este artista também atuou como carnavalesco e trazendo para a Portela a vitória em 1970 com o enredo “Segredos e mistérios da Amazônia”.

que estamos na rua, do lado de fora do palco, o que sugere alguma analogia com o estar dentro e fora, ou seja, refere-se ao espaço: o desfile é uma “ópera de rua”.

Contudo, o “lado de fora” não é o único espaço onde existem “pontes” para o desfile. E nem tampouco o único lugar de movimentação do carnaval.