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IMITANDO UM DESFILE DE RUA NA INTERNET: OUTROS ACORDOS PARA O CORPO FOLIÃO EM UM NOVO AMBIENTE

MAPA II DESCREVENDO A LINGUAGEM DOS DESFILES VIRTUAIS

3. TERREMOTOS E PERFORMANCES DO CORPO

3.5. IMITANDO UM DESFILE DE RUA NA INTERNET: OUTROS ACORDOS PARA O CORPO FOLIÃO EM UM NOVO AMBIENTE

Os desfiles virtuais, como processo de criação de acordos entre exterior e interior, são uma operação de bricolage. Este conceito, desenvolvido pelo antropólogo Claude-levy Strauss, autor de livro “O pensamento selvagem”(2002), vincula o carnaval à idéia de criatividade e reinvenção, processos de construção de coisas novas a partir de partes canibalizadas de outros. Esta bricolage é singularizada pela natureza da web, a digitalização da informação.

A linguagem do carnaval virtual é uma negociação entre a linguagem plástica tridimensional presente nos desfiles de rua e a linguagem gráfica tridimensional proporcionada pelo ciberespaço. São acordos conectados ao sentido de que o desfile virtual se relaciona fundamentalmente com a simulação do “real” pela linguagem gráfica e interatividade. Assim, sua construção nasce da conexão intertextual e, ao mesmo tempo, da tradução entre textos da cultura dos aspectos do desfile de rua adaptando-os para as condições ambientais do ciberespaço.

Os desfiles de rua dependem das condições da avenida para construir seus desfiles, largura, altura e comprimento da avenida, e os desfiles virtuais se constróem pelas possibilidades geométricas de utilização do Ciberespaço. Como veremos, colocar a plasticidade do carnaval na Internet é literalmente digitalizar aspectos como desenhos e músicas.

Na Internet, o evento baseia-se na apreciação de desenhos feitos manualmente com lápis e papel e depois escaneados78 ou desenhos feitos com

softwares como o CORELDRAW. O desfile virtual faz lembrar a apresentação audiovisual de croquis79. Estes desenhos simulam graficamente o corpo e

representam os diversos setores da escola (alas, bateria, baianas, mestre- sala e porta bandeira)80. A perspectiva destes desfiles pode ser chamada de naif,81 há no

mesmo espaço, a sugestão de pontos de vista bastante diferentes. Trata-se de uma perspectiva muito próxima daquela utilizada na idade média, onde diferentemente da perspectiva renascentista, a representação do espaço não era construída em função de um ponto central já dado, mas levava em conta o imaginário. A perspectiva “naif” parte do pressuposto de que o mundo imaginário é mais rico que o mundo empírico.

Algo interessante é que nestes desenhos, percebemos singularidades corporais em ação, já que as escolas têm traços bastante diferentes uma das outras, e percebemos que as habilidades para o desenho são diferentes entre os webcarnavalescos. Mas, isto não tem causado censura na participação neste evento.

78 O scanner é um aparelho que digitaliza imagens

analógicas.

79 As escolas de samba “de rua” expõem as fantasias de

seus desfiles em seus respectivos sites. Aparentemente a idéia dos desfiles virtuais se assemelha a isto.

80

No mapa III discutiremos alguns significados do que possa representar para a imaginação tais simulações.

81 Expressão francesa que traduz a idéia de ingenuidade.

Aparece para designar a pintura de Henry Rouseeau, cujo trabalho se caracterizava por traços infantilizados, daí ingênuos. A arte naif tem no Brasil grande expressividade. José Antônio da Silva e Heitor dos Prazeres são nomes importantes desta manifestação

O desenrolar do desfile acontece quando o “webespectador” move o desfile pela barra de rolagem da página, isto lembra o “desenrolar” de um desfile de rua pela avenida. Nem todas as possibilidades na linguagem do ciberespaço foram aproveitados por estas escolas de samba. A estrutura hipertextual ainda não foi “incorporada” a estes desfiles virtuais. Da mesma forma, recursos como animações em 2D ou 3D, fotografias e vídeo digitais ainda são possíveis “devires”. Falaremos mais sobre hipertexto e imagens computadorizadas no próximo mapa.

Metaforizando a arquibancada há um chat 82 onde os “webespectadores”

conversam sobre o desfile. Há o samba que é transmitido por uma rádio on-line83.

Há um locutor que explica o enredo de cada escola. E de suas respectivas casas os webcarnavalescos, mixando a função de webmasters e carnavalescos, gerenciam os desfiles que criaram.

Se na avenida vale o “samba no pé”, na web vale o “samba na mão”, uma inversão dentro das inversões carnavalescas: um metainversão!84. O que é observável a “olho nu” em todo processo de construção da linguagem das escolas de samba virtuais é que estas são contaminadas pelo desfile de rua e todo seu universo Kitsch85. No trabalho dos webcarnavalescos os textos que estruturam os desfiles de rua, quadra, barracão, disputa de samba, quesitos, e fundamentalmente o corpo vão metaforizar o desenvolvimento dos desfiles na Internet. Se o carnaval já é paródia, os desfiles virtuais são uma “metaparódia”. Os desfiles virtuais, parodiando de forma despretensiosa o desfile de rua, nascem da imitação de um desfile de rua no ciberespaço.

82 Sala de bate papo

83 Rádios sintonizadas também pela Internet

84 No mapa III , quando discutiremos a questão do corpo e

da imagem veremos de forma aprofundada o que isto significa

85 “Mau gosto” elevado à categoria de novidade. Sobre isto

Esta “imitação” do desfile de rua, estes acordos diferentes, entre diferentes ambientes, são um ponto importante a ser observado neste processo. Entender o funcionamento do desfile virtual é notar que há cláusulas comuns entre este e o desfile de rua. Para efetivar seus jogos espaciais cada escola de samba (virtual e de rua) apresenta anualmente um enredo sobre algum tema obedecendo a uma estrutura comum a todas as agremiações: o desfile começa com a apresentação da comissão de frente86, depois o abre-alas87, e logo depois uma seqüência que

intercala alas com fantasiados e carros alegóricos. Vale ressaltar o significado de algumas destas alas dentro do desfile como a ala das baianas - as ”mães” do desfile, a ala com percussionistas, o “coração” da escola, e as duas alas que significam a memória do carnaval em ação: a velha guarda e a ala das crianças.

Uma comissão de jurados avalia o desfile seguindo alguns quesitos88 consagrando uma escola a campeã. A últimas colocadas saem do grupo onde estão e entram nos grupos antecedentes. O universo dos desfiles também tem seus “limbos”! As vencedoras destes grupos antecedentes passam para o grupo posterior conferindo ao desfile um trânsito permanente entre suas sucessivas realidades internas.

Esta organização é anualmente utilizada. Com a diferença de que os desfiles virtuais têm dois grupos, um especial e outro de acesso, e nunca coincidem com a época do carnaval de rua, vindo a se realizar no mês de julho. Sua realização, além de deslocar-se no espaço/ambiente também desloca-se no tempo. Isto não chega a

86 Grupo que apresenta a escola 87 Primeiro carro alegórico

88 A idéia de um ‘corpo’ de jurados remete aos festivais de

música. Os jurados dos desfiles carnavalescos são responsáveis por escolher a escola vencedora. Para se sagrar campeã do desfile, é preciso alcançar a nota máxima nos dez quesitos: Enredo, Samba-Enredo, Bateria, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Fantasia, Alegoria,

Comissão de Frente, Evolução, Conjunto e Harmonia. O tema do enredo deve estar perfeitamente integrado aos quesitos, sobretudo no que diz respeito à Evolução, ao Conjunto e à Harmonia.

ser uma novidade, visto que o carnaval tem acontecido em diferentes datas no decorrer da história.

Ambos os desfiles acontecem após a escolha de um enredo, uma trama que será fiada. Esta trama será transformada visualmente em alegorias e fantasias. Seu desenvolvimento cabe ao carnavalesco, ”O termo é bem engraçado, porque não

possui a conotação de folião. O significado verdadeiro da palavra seria cenógrafo, figurinista e uma espécie de diretor de cena.” Magalhães (1996:45). No caso dos

desfiles virtuais, a trama gráfica será desenvolvida pelo o que estamos chamando de “webcarnavalescos”.

Desde seu surgimento, o carnavalesco é visto como uma espécie de mediador cultural, uma “interface” entre o erudito e o popular, enredando arte popular e técnicas “pertencentes” ao universo da ciência. Na década de 60, Fernando Pamplona, então aluno da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou o trabalho visual da escola de samba “Acadêmicos do Salgueiro” trazendo à estética dos desfiles jogos coregráficos e idéias sobre figurinos que causaram bastante sucesso.

Mas a história da participação de “artistas profissionais” nas criações visuais dos desfiles é anterior. A Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro já tinha tradição em “emprestar” diversos de seus professores para trabalhar com o carnaval. Artistas como Chamberlein, e o casal Dirceu e Marie Louise Nery desenhavam estandartes para os blocos, e são apenas algumas das personalidades que demonstraram que o “erudito” mixa-se ao popular desfazendo as fronteiras normalmente erguidas entre tais categorias 89.

89 Sobre esta questão o artigo “O erudito e o popular. A

estética das escolas de samba”(1997), da antropóloga Maria Lúcia Montes é bastante pontual, pois discute, entre outras coisas, a questão de que o carnaval desfaça as fronteiras entre tais categorias.

Mas a presença do carnavalesco tornou-se marcante a partir da década de 1970 quando a festa passa pelo seu grande momento de transformação visual, com o trabalho de Joãosinho Trinta e que não sendo necessariamente um destes profissionais oriundos do “universo erudito” foi o responsável pelas “literalmente maiores90” mudanças visuais do desfile de rua, que a partir de então inicia uma fase

de crescente reorganização estética. A festa passa pelo seu grande momento de transformação visual. O desfile começa a se relacionar com a cidade de uma outra maneira. Acompanhando o crescimento urbano, existe agora um número muito maior de pessoas que participa do evento, o que contribui, e continua contribuindo, para a expansão da festa em termos de linguagem visual: maiores carros alegóricos, fantasias mais elaboradas, utilização de mídias interativas. O desfile parece ter acompanhado o crescimento não só da cidade do Rio de Janeiro, mas também o próprio processo de globalização.91

Esta (re)organização estética parece ter estimulado a presença do carnavalesco nos desfiles. Sob criticas que centralizavam a presença desta figura como a “morte e a banalização das raízes do samba92”, no entanto, o trabalho do

90 Em “ Sonhar com rei dá leão”, desfile da Beija-Flor de 1976, contando a história do jogo do bicho e enfatizando os significados do sonho para o homem, este carnavalesco aumentou a proporção dos carros alegóricos e das fantasias. Nos anos seguintes todas as escolas foram aderindo à esta nova estética. Acusado de ter dado à festa uma dimensão Hollywodiana” anos depois proferiu a célebre frase: “ O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual!". Analisando esta nova realidade e sobre o que este luxo representa para o carnaval Betty Milan diz( 1994: 1): “Quer dizer, o luxo do carnaval é o da fantasia realizada, é o triunfo da imaginação que aliás nos valemos o ano inteiro para driblar a realidade, apostando no jogo do bicho ou na loteria esportiva, ignorando a miséria na esperança da riqueza e assim nos recriando enquanto brasileiros.”

91 Sobre a questão das transformações urbanas em

conexão ao carnaval Maria Laura de Castro Cavalcanti (1998) escreveu um interessante livro“ O Rito e o Tempo”. Aqui a autora explica que o tamanho do desfile

acompanhou o tamanho da cidade.

92 Algumas criticas à figura do carnavalesco podem ser

vistas “As escolas de samba do Rio de Janeiro” Cabral(1996)

carnavalesco enreda-se à identidade da escola e à própria apresentação visual desta. É comum conhecer expressões do tipo “estilo Joãosinho Trinta” ou “a Imperatriz de Rosa Magalhães”.

Desenhistas, professores, arquitetos, diretores e atores teatrais, artistas plásticos, ou seja, de um universo variado de ocupações surgiram outros nomes que se tornaram carnavalescos: Max Lopes, Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues, Viriato Ferreira, Renato Lage. Recentemente o carnavalesco Paulo Barros apresentou algumas alternativas estéticas para o desfile e que começam a chamar atenção93. Os desfiles virtuais se contaminam por muitas das “obras” criadas no

desfile de rua e apresentam webcarnavalescos como Diego, Luis Gustavo, Braulio94

A criação de um desfile é o conjunto de alegorias e fantasias. Porém, tal experiência não é elaborada individualmente. “ (...) Concebidas pelo carnavalesco,

o processo de sua criação no barracão reúne em torno de um objetivo comum uma equipe de especialistas e seus ajudantes.” Cavalcanti (1995:56)

Barracão não é uma “fábrica” e sim uma espécie de oficina. Aqui o processo de montar e desmontar o carnaval são exercidos. Este lugar é um micro-cosmos que agrega diferentes atividades simultâneas por meio da divisão de trabalho constituindo-se em um verdadeiro sistema comunicativo que se organiza em função da construção do desfile, ocupando-se principalmente na construção das alegorias. A socióloga Leila Blass (2000) reflete sobre o trabalho no barracão, afirmando que trata-se de uma atividade fundada no conhecimento artesanal e que mobiliza a inteligência criativa em seu exercício. Aponta ainda que a noção de trabalho criada e imaginada na modernidade européia sobre a separação entre trabalho e lazer, e conclui que o barracão tem despertado a atenção de muitos consultores

93 Na escola de samba Unidos da Tijuca em 2004, Paulo

Barros fez sucesso com seu desfile sobre sonho e ciência, onde apresentou um carro alegórico sobre o DNA com a coreografia coletiva de 127 pessoas que dançavam simulando a vida.

empresariais que buscam formas criativas de gestão de trabalho e produção. Já as escolas virtuais, não tendo um endereço fixo, têm como barracão o quarto, o escritório, a sala ou qualquer lugar onde esteja o computador na residência dos webfoliões. E toda a equipe que ajuda na construção do desfile virtual encontra-se em suas respectivas casas conectados pela web.

A quadra é outro espaço dentro do universo dos desfiles. É o local onde são realizados os ensaios e os encontros da comunidade95. Neste espaço também

acontece uma parte fundamental do processo de construção do carnaval: a competição que vai escolher o samba que será cantado no desfile. A “disputa de sambas”, como é conhecida, é outro ritual dentro do ritual dos desfiles. Existem alas de compositores nas escolas que fazem parte desta disputa, mas na prática qualquer um pode inscrever seus sambas e competir. Sabendo que trata-se de um processo coletivo, muitas vezes até o carnavalesco entre nesta questão96. Mas,

nem sempre o samba foi associado ao carnaval: “No início do século XX o campo

da música popular ouvida no Brasil era regido por uma extrema variedade de estilos e ritmos. O próprio carnaval, descrito por Oswald de Andrade como ‘o acontecimento religioso da raça’, não era festa movida por músicas brasileiras. Ao contrário, os maiores sucessos da folia, desde que ela se organizou em bailes (tanto aristocráticos como populares), eram polcas, valsas, tangos, mazurcas, schottishes e outras novidades norte-americanas como o charleston e o fox-trot. Do lado nacional a variedade também imperava: ouviam-se maxixe, modas, marchas, cateretês e desafios sertanejos...”.

95 Na quadra acontecem diversas atividades como

casamentos, velórios, batizados.

96 É interessante apontar que a disputa do samba não se

trate de um processo fechado. Os próprios carnavalescos, algumas vezes, contaminam este processo. Um exemplo é o samba enredo da Beija-Flor , de 1977, “Vovó e o rei da saturnália”. Joaosinho Trinta compôs boa parte dos versos do samba. Esta ação é passível de críticas, mas fica como fato para exemplificar a complexidade da questão da autoria. Ver Cabral (1996)

...Foi só nos anos 30 que o samba carioca começou a colonizar o carnaval brasileiro, transformando-se em símbolo nacional.” Viana (1995:110-111). Hoje, a

música de ambos os desfiles é chamada de samba enredo. As grandes escolas de samba ( de rua ) comercializam seus sambas97. No site da Liesv há discussões

sobre as possibilidades de realizar-se uma gravação de seus sambas enredo. Voltando, rapidamente à discussão das críticas apontadas no mapa anterior, a música dos desfiles virtuais sugerem uma questão: as escolas virtuais fazem sambas enredo “autênticos”? Um fato histórico pode ajudar a refletir sobre alguma resposta: “Numa discussão entre Donga e Ismael Silva, este dizia que Pelo

Telefone98, composição de Donga, não era samba e sim maxixe; e aquele dizia que Se Você Jurar, composição de Ismael Silva, não era samba e sim marcha. Quem tem a verdade do samba? Verdade, raiz: esse não é o mistério de qualquer tradição? Toda tradição não exige sempre a formação de ‘hermeneutas’ que identifiquem onde ela aparece em sua maior pureza? Não se pode dizer que as escolas de samba fossem fenômenos puros, mas se criou em torno delas um aparato que defende essa pureza, condenando toda modificação introduzida no samba.” Viana (1995:198). Muitos devem pensar que uma escola de samba virtual

não sabe fazer samba.

Daí que qualquer semelhança entre as tradicionais críticas às mudanças visuais do carnaval e a busca pela “verdade do samba” não seja mera coincidência. São parentes próximos de uma mesma família: o estranhamento às mudanças.

97 José Ramos Tinhorão conceitua que a música popular e

a indústria fonográfica começam a se relacionar pelo surgimento dos centros urbanos industrializados“Surgida

como forma moderna no século XIX, como resposta criativa a novas necessidades da vida social conseqüente do adensamento das populações dos grandes centros (cada vez mais diversificados em face da acrescente divisão do trabalho, após a revolução industrial), a música composta para consumo da gente das cidades iria se ligar, desde logo, ao comércio e indústria das diversões” (2001:179).

Assim, a comercialização do samba enredo pode ser entendida como parte destas metamorfoses.

De qualquer forma, os sambas das escolas de samba virtuais, cuja “quadra” fica no ciberespaço, imitam todo o processo de “disputa do samba”, mediando-o pela Internet. Os sambas são enviados, por qualquer um que queira concorrer, na forma de arquivos digitais e escolhidos pelas respectivas comissões organizadoras de cada escola.

Em todo este processo de replicar a idéia do desfile de escolas de samba de rua na Internet, imitar o trabalho do carnavalesco é uma ação importante que conectou-se a este processo. Boa parte da brincadeira dos desfiles virtuais consiste basicamente em imitar o trabalho de concepção visual feito pelo carnavalesco, e a reunião de habilidades singulares individuais em torno de objetivos comuns. Construir um desfile virtual significa reunir pessoas que criem o samba, que desenham, alguém que entenda de informática, ou seja a criação das chamadas inteligências coletivas.

Portanto, as inteligências coletivas organizadas na rede apenas apresentam um processo de evolução da inteligência coletiva já presente nos barracões das escolas de rua. Não sabemos exatamente por que imitamos ou por que escolhemos imitar alguma coisa em detrimento de outras, mas sabemos que a imitação é um modo da cultura construir sua permanência para comunidades futuras99. É uma memória em ação, em movimento. E toda vez que há transferência de informação

99 Sobre esta questão há vários estudos. Vamos pensar a

imitação no contexto cognitivo. Katz e Greiner (1999:87) conceituam que “A imitação tem sido apontada como uma habilidade importante no que se refere aso estudos da cultura e vem sendo tratada como um aspecto fundamental para a compreensão do trânsito entre as informações que estão no mundo e a sua possibilidade de internalização. Blackmore (1999) explica que a imitação envolve: 1-decisão sobre o que imitar. O que conta como sendo o mesmo ou similar;

2- transformações complexas de um ponto de vista para outro;

3- a produção de ações corporais

Quando copiamos uns aos outros, algo aparentemente intangível é passado. Essa seria uma chave importante para a organização cultural e esse ‘algo’ a ser transmitido, um aspecto importante da questão”

por imitação, irrigam-se cadeias de informações diferentes. No corpo de cada indivíduo há memórias de suas linguagens que estão em permanente transformação. Estas memórias se correlacionam com a memória coletiva onde este encontra-se inserido. Como corpo e cultura estão entrelaçadas, as memórias do carnaval está sujeita a estas mudanças presentes nas próprias memórias do corpo. É impossível não perceber que há uma relação entre os diferentes caminhos de uma memória corporal de um indivíduo100 e os diferentes caminhos da memória

de uma sociedade.

Assim fica claro que Imitar não é reproduzir, mas conectar o já adquirido ao “estranho”. E desta forma, imitar um gesto qualquer cria cadeias que conectam informações diferentes naquilo que foi imitado. Diferenças inseridas em contextos singulares. Por exemplo, no ciberespaço, imitar a ação de carnavalescos é lidar com a complexidade de outras singularidades: uma alegoria “de rua” é copiada/traduzida tendo também o “pixel” 101 das telas como recurso.

Neste contexto, construir um carro alegórico no ciberespaço é conectar diferentes processos de habilidades cognitivas que vão alterando o design gestual do corpo: continuam informações como lidar com desenho manual, lápis e papel, mas no caso dos desfiles virtuais, tais ações corporais também lidam com o teclado, ao invés de se usar formões ou lixas, por exemplo, na criação de uma escultura, que no ciberespaço é tridimensionalmente digital, o que ocasiona o uso de