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INTRODUÇÃO GERAL

2. CICLO BIOLÓGICO E PRINCIPAIS FORMAS EVOLUTIVAS DE TRIPANOSOMATÍDEOS

A família Trypanosomatidae compreende protistas flagelados que vivem em ampla associação com outros organismos, alternando do mutualismo ao parasitismo (MARCHESE et al., 2018). Todos os patógenos, pertencentes a esta família, apresentam um ciclo de vida heteroxênico envolvendo várias espécies de mamíferos e insetos (vector) responsáveis pelo mecanismo principal de transmissão (LUKEŠ et al., 2014). A figura 1, mostra o ciclo de vida dos tripanosomatídeos

Leishmania spp., T. brucei e T. cruzi e as respectivas formas evolutivas, envolvidas

no estabelecimento da infecção e sobrevivência do parasita em diferentes hospedeiros.

As formas promastigotas metacíclicas de Leishmania spp. são transmitidas pela picada da fêmea de flebotomíneo (ordem Diptera, família Psychodidae e subfamília Phlebotominae) dos gêneros Lutzomyia (no Novo Mundo) ou Phlebotomus (no Velho Mundo), durante o repasto do vetor infectado (BATES, 2007). A inoculação das formas promastigotas metacíclicas (flagelados) na pele, iniciam o processo de fagocitose e disseminação no hospedeiro (ISNARD e colab., 2012; GHORBANI; FARHOUDI, 2018). Componentes presentes na saliva do vetor atraem as células dendríticas residentes nos tecidos periféricos e os macrófagos para que iniciem a fagocitose dos parasitas de Leishmania (AWASTHI et al., 2004).

Uma vez, no interior do vacúolo parasitóforo, promastigotas metacíclicos podem se diferenciar em amastigotas replicativas. As formas amastigotas secretam um conjunto de proteínas que podem modular, ou até subverter o papel de enzimas líticas derivadas do lisossomo de modo a permitir a permanência no vacúolo como um nicho adequado para a replicação e o estabelecimento da infecção do protozoário em macrófagos (PODINOVSKAIA; DESCOTEAUX, 2015). A infecção pode se espalhar para outras células fagocíticas diretamente através da liberação de amastigotas infecciosas dos macrófagos ou pode ocorrer a disseminação via fagocitose de células infectadas, permitindo que, amastigotas infectam uma nova célula (PODINOVSKAIA;

DESCOTEAUX, 2015). As células infectadas com Leishmania spp. podem ser ingeridas por flebotomíneos (não infectados) como se pode observar na figura 1.

Após a ingestão, células infectadas sofrem lise por enzimas hidrolíticas presentes no tubo digestivo do inseto, e consequentemente ocorre a liberação de amastigotas que se diferenciam em promastigotas proliferativas no intestino médio. Depois de inúmeros ciclos de replicação por fissão binária e depleção de nutrientes, o ambiente de baixo pH, permite a diferenciação de promastigotas em promastigotas metacíclicas infecciosas (figura 1), formas não replicativas, que se acumulam principalmente na válvula estomodeal do inseto. No próximo repasto sanguíneo, as formas metacíclicas serão então inoculadas no hospedeiro mamífero, através da picada do vetor (LESTINOVA et al., 2017).

Figura 1. Ciclo de vida dos tripanosomatídeos: Leishmania spp, Trypanosoma. cruzi e Trypanosoma

brucei no inseto vetor (F- Flebotomíneo, T-Triatomíneo e G-Glossina) e no hospedeiro vertebrado (ex.

humanos). Os nomes das formas evolutivas de células estão abreviados como A: amastigota, BSF- tripomastigota da corrente sanguínea (slender e stumpy), E- epimastigota, M - forma metacíclico, P- promastigota, PCF- forma procíclica e T- tripomastigota. Fonte: Própria Autoria, utilizando o aplicativo

Ainda, conforme mostrado na figura 1, Trypanosoma cruzi infecta o intestino médio do inseto vetor, principalmente do gênero Panstrongylus, Rhodnius e

Triatoma (popularmente, conhecido como triatomíneo ou barbeiro) com as formas

evolutivas tripomastigotas sanguíneas - não replicativas (T), após repasto sanguíneo (CHAGAS, 1909).

No triatomíneo, essas formas não replicativas diferenciam-se em formas epimastigotas replicativas (não infecciosas para mamíferos), que são capazes de colonizar o intestino médio do inseto. Na região posterior do tubo digestivo, ocorre posteriormente a diferenciação em formas tripomastigotas metacíclicos infecciosos e não replicativo (RIMOLDI et al., 2012). O triatomíneo quando realizar o próximo repasto sanguíneo, sendo que simultâneo ocorre a defecação, libera tripomastigotas metacíclicos presentes nas fezes e na urina, que entram em contato com a pele lesada ou a mucosa exposta do mamífero (RASSI JR et al., 2010).

Os parasitas internalizam-se no novo hospedeiro vertebrado, e se diferenciam em formas replicativas denominadas amastigotas (DE SOUZA, et al., 2010). Após vários ciclos de divisão celular, amastigotas se diferenciam em um estágio intracelular replicativo transiente denominado epimastigotas intracelulares (ALMEIDA-DE-FARIA et al., 1999) e, finalmente, essas formas diferenciam-se em tripomastigotas infecciosos que rompem as células infectadas para o ambiente extracelular (RASSI et al., 2010).

Os tripomastigotas podem ter dois destinos, infectar células adjacentes ou alcançar a corrente sanguínea. Uma vez na corrente sanguínea, podem infectar outras células, assim como tripomastigotas circulantes podem ser ingeridos por um novo inseto que os transmitirá a outros mamíferos (DE SOUZA, 1984; DE SOUZA et al., 2010).

A doença do sono, restrita ao continente Africano, também designada de Tripanossomose Humana Africana (THA) é causada por duas subespécies do parasita; Trypanosoma brucei rhodesiense e Trypanosoma brucei gambiense. As formas evolutivas tripomastigotas metacíclicas infecciosas são transmitidas aos mamíferos durante o repasto sanguíneo através da picada da mosca hematófaga do gênero Glossina, conhecida como mosca tsé-tsé (MOGK et al., 2014, 2017).

A figura 1 mostra a transmissão vetorial na doença do sono (ilustrada em roxo). Após a entrada no hospedeiro vertebrado, os parasitas inicialmente localizados no tecido dérmico migram através do sistema linfático para a corrente sanguínea onde se transformam em tripomastigotas sanguíneos longos e finos (designados por formas, BSF - slender). Estes dividem-se e multiplicam-se dispersando-se por outros fluídos corporais como a linfa e o líquido cefalorraquidiano, ascednendo ao sistema nervoso central do hospedeiro. Dependendo da carga parasitária, as formas slender evoluem para formas não proliferativas, mais curtas e largas denominadas por formas BSF - stumpy (PONTE-SUCRE, 2016). Estas últimas formas de BSF são as únicas que são capazes de se diferenciar nas formas procíclica replicativas (PCF) no interior do vetor e sobreviver nas condições presentes no intestino médio do inseto (RUDENKO, 2011; PONTE-SUCRE, 2016). A mosca tsé-tsé adquire formas sanguíneas de T. brucei durante repasto sanguíneo no hospedeiro mamífero infectado. As formas PCF replicam-se e iniciam a migração para a glândula salivar. Durante este processo, diferenciam-se em epimastigotas pró-cíclicas, um processo que é completado na glândula salivar (figura 1). Depois de colonizar a glândula salivar, diferenciam-se em formas metacíclicas infecciosas e não-replicativas, que serão inoculadas em um novo hospedeiro mamífero no próximo repasto sanguíneo do inseto-vetor (ROTUREAU;VAN DEN ABBEELE, 2013; PONTE-SUCRE, 2016).

A tripanossomíase Africana animal ou nagana é uma forma complexa da doença do sono causada pela infecção com a subespécie e espécies, T. brucei brucei,

T. congolense e T. vivax respectivamente, nos animais domésticos e selvagens na

África central e austral. Estes protozoários também são transmitidos por moscas tsé-

tsé, apresentando o mesmo ciclo biológico que a infeção humana (COX et al., 2010;

PEACOCK et al., 2012; PONTE-SUCRE, 2016).

A família Trypanosomatidae agrupa protozoários cujo o ciclo biológico e as formas evolutivas são complexos, sendo obrigatoriamente intracelulares ou exclusivamente extracelular. O sucesso da infeção por estes protozoários depende da suscetibilidade do hospedeiro vertebrado e da virulência do parasita. Em alguns casos o hospedeiro permanece assintomático por longo período de tempo, favorecendo a transmissão e a manutenção do ciclo biológico do parasita.