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INTRODUÇÃO GERAL

6. EXPRESSÃO GÊNICA DE GP63 EM TRIPANOSOMATÍDEOS

Desde 2005, as sequências genômicas de tripanosomatídeos encontram- se disponíveis em base de dados Tri-Tryp (https://tritrypdb.org/tritrypdb). O genoma de T. cruzi contêm o maior repertório gênico (55 Mb e ~12.000 genes) comparado com 26 Mb e 9068 genes de T. brucei. Por outro lado, o genoma de Leishmania possui 32,8 Mb e 8311 genes (DE GAUDENZI et al., 2011). A análise destas sequências contribui para a compreensão da biologia dos parasitas e interação com os hospedeiros (EL-SAYED et al., 2005; ALVAREZ et al., 2012; TEIXEIRA et al., 2012; BERNÁ et al., 2017).

Contudo, os mecanismos envolvidos na iniciação da transcrição em tripanossomas continua sendo uma questão intrigante (TEIXEIRA et al., 2012). Sabe- se que a transcrição dos genes não ocorre de forma individual (figura 7), mas em grupos, na forma policistrônica (10 a 100 genes). Sendo que, à semelhança do que ocorre nas bactérias e ao contrário do que se verifica nos procariotos, os genes transcritos não estão funcionalmente relacionados (DE GAUDENZI et al., 2011; TEIXEIRA et al., 2012). Os genes transcritos podem ter origem nas duas cadeias de DNA, o que significa que a transcrição pode ocorrer simultaneamente em direções opostas (CLAYTON; SHAPIRA, 2007; KRAMER, 2012). Permitindo assim, a ocorrência de múltiplas cópias do mesmo gene, o que justifica a redundância de genes que codificam para as proteínas de superfície conservadas.

Após transcrição gênica, e como ilustrado na figura 7, as múltiplas sequências codificantes que compõem o pré-mRNA policistrônico são individualizadas por trans-splicing, processo durante o qual é adicionada à extremidade 5´ uma sequência designada de spliced leader (SL) e à extremidade 3´ é adicionada uma cauda com múltiplas adeninas (poli-A), originando numerosas sequências de mRNA (CLAYTON, 2002; YAO et al., 2003; CLAYTON; SHAPIRA, 2007; TEIXEIRA et al., 2012;).

Figura 7. Expressão gênica em tripanosomatídeos. Grandes grupos de genes não relacionados (caixas de seta) são organizados como unidades de transcrição policistrônicas separados por regiões divergentes ou convergentes. Os RNAs policistrônicos (pré-mRNAs) são individualizados em mRNAs monocistrônicos seguido de adição do RNA splice leader através de uma reação de trans-splicing acoplada a poliadenilação e processamento de RNA alternativo que pode resultar em mudanças no códon iniciador alterando assim a tradução de proteína (A), segmentação e/ou função (B). O splicing

alternativo e a poliadenilação também podem resultar na inclusão/exclusão de elementos reguladores

presentes nos 5 ' UTRs (C) ou 3 'UTRs (D), alterando assim a expressão gênica. Fonte: Adaptado de (TEIXEIRA et al., 2012).

Os pré-mRNAs policistrônicos podem sofrer processamento de RNA alternativo que resulta em mudanças do códon iniciador alternando a tradução proteica (TEIXEIRA et al., 2012). Tendo em conta este mecanismo genético incomum, a expressão depende de mecanismos pós-transcricionais e eficiência da tradução (BUTTON; MCMASTER, 1988; GRANDGENETT et al., 2000; LACOUNT et al., 2003; YAO et al., 2003; HUTCHINSON et al., 2007; DE GAUDENZI et al., 2011).

O nível de expressão de cada classe gênica de gp63 é modulado em função da fase de crescimento do parasita em cultura e do respetivo estádio, no decorrer do ciclo de vida (CLAYTON; SHAPIRA, 2007; HUTCHINSON et al., 2007; LI et al., 2016; PONTE-SUCRE, 2016). Os transcritos de mRNA maduro compreendem, tanto a jusante como a montante das cadeias, regiões não codificantes (UTR, untranslated

As diferenças nucleotídicas nas 3´UTR representam um fator chave nos processos de regulação pós-transcricional, uma vez que, encontra-se relacionadas a estabilidade do mRNA e, consequentemente com o controle da tradução proteica, regulando desta forma a expressão de gp63 (YAO et al., 2003; SIEGEL et al., 2011).

As primeiras modificações, pós-tradução da proteína, ocorrem após a síntese no retículo endoplasmático e N-glicosilação. Posteriormente, ocorre a incorporação de uma âncora glicofosfatidilinositol (GPI) mediante o reconhecimento do peptídeo-sinal localizado no C-terminal seguido de clivagem (FERGUSON et al., 1985; YAO, Chaoqun et al., 2003; GRUSZYNSKI et al., 2006; PINGER et al., 2017;). Seguidamente, ocorre a translocação para o complexo de golgi e deste para a bolsa flagelar, o único local no parasita para a endocitose e exocitose (ILGOUTZ et al., 1999; MCCONVILLE; FERGUSON, 1993; GRUSZYNSKI et al., 2006; MCGWIRE et al., 2003; YAO, et al., 2003).

As formas insolúveis da glicoproteína (gp63) presentes na membrana, as que contêm a âncora GPI, são exportadas para a superfície da membrana externa onde poderão ser libertadas por auto-protólise (MCGWIRE et al., 2002). Enquanto que, as formas solúveis no citosol, são mantidas na bolsa flagelar onde lentamente são segregadas para o meio externo ou são reencaminhadas para o lisossomo para a degradação através do mecanismo de regulação da expressão da proteína (WALLER; MCCONVILLE, 2002).

A existência de múltiplos genes que codificam para gp63 demostra que a expansão gênica difere consideravelmente entre os parasitas da mesma família. O genoma de T. cruzi contêm mais de 700 genes e pseudogenes de gp63. Em contraste,

L. infantum e T. brucei possui 7 e 14 genes, respetivamente (LACOUNT et al., 2003;

YAO 2009; YAO, 2010; BERNÁ et al., 2017, 2018). Além disso, a composição gênica no gênero Leishmania é distinta entre os diferentes subgêneros. As espécies pertencentes ao Subgênero Viannia dispõem de maior variedade de genes MSP comparativamente ao subgênero Leishmania (PEACOCK et al., 2007). A gp63 de

Leishmania spp. é expressa abundantemente em promastigotas, principalmente na

forma evolutiva promastigotas metacíclicos infeciosos e a expressão é reduzida nas formas amastigotas intracelulares (D'AVILA-LEVY et al., 2013).

Estudos axênicos demostraram que durante a fase estacionária, as formas promastigotas metacíclicas produzem mais de 500.000 cópias de gp63, o que equivale a 1% do seu conteúdo proteico total. Em formas amastigotas, este valor decresce para 0,1%, entretanto pode ser compensado pela ausência de lipofosfoglicano (LPGs) na superfície de amastigotas. Deste modo, aumenta a capacidade de gp63 em amastigota, modular a resposta do hospedeiro, apesar de muito baixo número, em comparação com promastigotas (YAO et al., 2007; OLIVIER

et al., 2012).

Os genes TcMSP (MSP de T. cruzi) são agrupados em três grupos:

Tcgp63-I, Tcgp63-II e Tcgp63-III. Sendo o último constituído essencialmente por

pseudogenes. Embora abundante, o nível de transcritos de Tcgp63-II é pouco expressivo e não contêm um local de adição de âncora GPI pelo que a proteína não é expressa à superfície do parasita (CUEVAS et al., 2003). Tcgp63-I é o único grupo que está envolvido no processo infecioso causado por T. cruzi. Os transcritos deste grupo são diferencialmente regulados nos diferentes estádios do parasita, sendo mais abundantes em amastigotas do que em epimastigotas e tripomastigotas. Contrariamente ao que se verifica com o segundo grupo, a enzima produzida contempla um local de adição de âncora GPI, ligando-se assim à membrana do parasita onde é proteoliticamente ativa (GRANDGENETT et al., 2000; CUEVAS et al., 2003;YAO, 2009).

Acredita-se que a contribuição da gp63 na infeção por T. cruzi seja menos representativa do que em Leishmania spp. Apesar de escassos estudos sobre a interação da gp63, Cuevas e colaboradores demostraram que o bloqueio da proteína com anticorpos (anti-gp63) reduziu parcialmente a invasão de tripomastigotas em células Vero (CUEVAS et al., 2003). No estudo mais recente de Berná e colaboradores foi mostrado, por meio do sequenciamento do genoma, que em T. cruzi, as famílias multigênicas da gp63 apresentam pelo menos 6 clusters, podendo-se subdividir numa parte muito conservada e outra hipotética (BERNÁ et al., 2018). Esta característica possibilita a obtenção de um elevado número de transcritos, o que contribui para a abundância da gp63 (SCHWEDE et al., 2012; YAO, 2010). Apesar do genoma de T.

de vida, não há correlação entre a expressão proteica e gênica (WALLER; MCCONVILLE, 2002; DE GAUDENZI et al., 2011; BERNÁ et al., 2017, 2018).

Em relação ao Trypanosoma brucei foi descrito que seu genoma contém múltiplos genes homólogos à metaloprotease (gp63), com aproximadamente 33% de identidade (CUEVAS et al., 2003; LACOUNT et al., 2003). Metaloproteases de

Trypanosoma brucei (TbMSP), presentes na superfície do parasita são responsáveis

pela liberação de glicoproteínas variáveis de superfície, moléculas de VSG (do inglês,

variable surface glycoproteins) conforme revisado por (MORENO et al., 2019). Em

termos gerais, as metaloproteases de T. brucei são responsáveis pela degradação de proteínas constituintes da barreira hemato-encefálica, designadamente o colágeno e laminina, sendo possivelmente cruciais na transição da fase hemolinfática para a meningoencefálica da doença do sono (BOSSARD et al., 2013).

Embora não seja ainda possível atribuir um significado biológico às diferenças anteriormente expostas verifica-se a existência de uma correlação indireta entre o reportório gênico de cada parasita e sua atividade proteolítica. T. cruzi apresenta menor atividade proteolítica enquanto que em Leishmania spp. a atividade é expressiva (SANTOS et al., 2006; D’AVILA-LEVY et al., 2014). Assim, o repertório total de genes funcionais responsáveis pela codificação de gp63 é agrupado em classes mediante diferenças encontradas nos 3´UTR, nas estruturas e sequências repetidas de DNA complementares (cDNA, complementar DNA) e na expressão diferencial durante o ciclo de vida de cada parasita (GRANDGENETT et al., 2000; CUEVAS et al., 2003; YAO, 2010).

Coletivamente, ainda faltam estudos sobre o impacto das metaloproteases de tripanosomatídeos, principalmente nas funções das células hospedeiras (OLIVER,

7.

gp63

COMO

FACTOR

DE

VIRULÊNCIA:

INTERAÇÃO