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INTRODUÇÃO GERAL

5. PRINCIPAL PROTEASE DE SUPERFÍCIE EM TRIPANOSOMATÍDEOS

Proteases são enzimas que catalisam a hidrólise de ligações peptídicas. Existem pelo menos 6 classes de proteases classificadas de acordo com os grupos nucleofílicos responsáveis pelo primeiro passo na proteólise: serina, aspartato, glutamato, treonina, cisteína e metalo – proteases (SIQUEIRA-NETO et al., 2018).

As metaloproteases zinco-dependentes, ou seja, aquelas que utilizam o íon metálico para sua atividade catalítica, são classificadas em quatro grupos distintos: (i) zincinas, que contêm a sequência conservada HEXXH como motivo de ligação ao zinco; (ii) inverzincinas, que possuem o domínio zincina de ligação ao zinco invertido (HXXEH); (iii) carboxipeptidase, que possuem o motivo de ligação ao zinco, HXXE e (iv) DDcarboxipeptidase, que apresenta o motivo de ligação ao zinco HXH. O X presente nos motivos representa um aminoácido (aa) qualquer (HOOPER, 1994; ROSENBERG, 2009).

Para ligação ao metal, todos os grupos possuem como primeiro e segundo ligantes resíduos de histidina, que atuam como uma base ou ácido durante o processo catalítico, exceto nas carboxipeptidases. Exceto nas inverzincinas, o terceiro ligante pode ser um resíduo de histidina ou um ácido glutâmico (inverzincinas e zincinas). O grupo zincinas é subdividido em gluzincinas sendo o ácido glutâmico como o terceiro ligante do zinco e metzincinas cujo terceiro ligante do zinco é uma histidina (MOORE

et al., 1993; HOOPER, 1994). Deste último, se destacam as metaloproteases de

matriz (MMPs).

As famílias das MMPs foram descritas inicialmente em vertebrados, com diferentes funções essenciais na mediação da remodelação e adaptação dos tecidos, regulação durante o processo do desenvolvimento e na associação com diversas patologias (PAGE-MCCAW et al., 2007; LÖFFEK et al., 2011; MURPHY, 2015), incluindo as causadas por microrganismos como os protozoários (YONG et al., 1998; ROSENBERG, 2009; GEURTS et al., 2012).

Os tripanossomatídeos possuem um tipo particular de endopeptidases, as metaloproteases, que para além de serem parte integrante do parasita desempenham funções importantes na virulência e patogenia das infeções.

Durante o processo infeccioso, T. brucei expressa proteínas que permitem a sobrevivência no meio extracelular enquanto que os parasitas intracelulares,

Leishmania e T. cruzi, utilizam vários tipos de proteínas para interagir na

internalização e garantir eficácia da infecção (YAO, 2010). A figura 5, mostra as principais proteínas envolvidas no processo de interação do parasita-hospedeiro (T.

brucei) e a internalização de Leishmania spp. e T. cruzi. Este processo, inclui várias

moléculas como o lipofosfoglicano (GLP) e a glicoproteína de 63 kDa (gp63) ancoradas à glicofosfatidilinositol (GPI).

Figura 5. Proteínas presentes na superfície de Trypanosoma e Leishmania spp. Camadas superficiais dos tripanossomatídeos. A presença da proteína variável de superfície (VSG) glicosilinositolfosfolipídeo (GIPL) lipofosfoglicano (LPG) e a glicoproteína gp63 (PSP), ancoradas no glicofosfatidilinositol (GPI).

A leishmanolisina conhecida por gp63, também denominada de Major

Surface Protease- MSP, é uma metaloprotease abundante (0,5-1% da proteína celular

total) presente na superfície de promastigotas, incluindo o flagelo e a bolsa flagelar (figura 5). Descrita nos anos 80, é considerada o principal antígeno de superfície expresso em promastigotas (PSP, Promastigote Surface Protease) de Leishmania spp. (ISNARD et al., 2012; D’AVILA-LEVY et al., 2014). A metaloproteína homóloga já foi reconhecida em T. cruzi e T. brucei (GRANDGENETT et al., 2000; ISNARD et

al., 2012).

A glicoproteína (gp63) é uma molécula compacta contendo predominantemente a estrutura secundária da folha β. As dimensões globais da molécula são 45 × 50 × 70 Å. Como ilustrada na figura 6, a proteína consiste em três domínios: os domínios N-terminal, central e C-terminal (SCHLAGENHAUF et al., 1998).

Figura 6. Estrutura tridimensional da gp63. À esquerda, a estrutura tridimensional do esqueleto proteico da gp63. Em tons de azul localiza-se o domínio N-terminal, em tons de verde o domínio central e em tons de amarelo e vermelho o domínio C-terminal. O centro catalítico encontra-se identificado por um

círculo preto e amplificado na imagem à direita. A bola azul representa o Zn2+ e a ligação as moléculas

de histidina e água (H2O) A imagem foi construída no UCSF Chimera 1.10 com base na sequência da

gp63 de Leishmania major obtida no Protein Data Bank (http://www.rcsb.org/structure/1LML), utilizando o código de acesso 1LML.

No domínio N-terminal encontra-se uma sequência conservada que contém um resíduo de cisteína ligado ao Zn2+ (íon zinco) que constitui o centro catalítico e que

contribui para o mecanismo cystein switch (BIANCHINI et al., 2006). Este mecanismo impede a degradação dos componentes intracelulares do parasita pela enzima recém- sintetizada (ISNARD et al., 2012). Os resíduos catalíticos His264 e His268 da assinatura HisGluXxxXxxHis se localiza também neste domínio (BIANCHINI e colab., 2006) destacado na figura 6. Consiste em duas -hélices projetadas contra uma folha-  composta por quatro fitas- entrelaçadas (SCHLAGENHAUF et al., 1998).

O domínio central é constituído por -hélices e folhas- antiparalelas e uma ponte de dissulfeto que estabelece a ligação ao subdomínio C-terminal. O terceiro resíduo de histidina (His334) é projetado para o interior do sítio catalítico, contendo resíduo, Met-turn, única à todas enzimas da classe metzincina. Ainda na figura 6, adjacente à primeira histidina se encontra um resíduo de glutamina (Glu) responsável por atrair átomos de hidrogênio, das moléculas de água (H2O) até ao Zn2+

coordenando assim, o átomo de zinco catalítico (BIANCHINI et al., 2006).

O domínio C-terminal possui seis das nove pontes de dissulfeto, o que indica que é uma estrutura extremamente rígida. A âncora de glicosilfosfatidilinositol (GPI) é adicionada aos últimos resíduos deste domínio e possui uma conformação similar a uma -hélice (SCHLAGENHAUF et al., 1998). A sua adição depende do reconhecimento de um peptídeo-sinal.

Promastigotas de todas as espécies do gênero Leishmania expressam gp63, assim acredita-se ser um ligante envolvido na interação do parasita com sistemas defensivos do hospedeiro, incluindo componentes do sistema complemento e da superfície de macrófagos (representado sob coloração verde na figura 4).

Relativamente ao gênero Trypanosoma foi descrito múltiplos genes homólogos à metaloprotease no genoma, tendo aproximadamente 33% de identidade (CUEVAS et al., 2003; LACOUNT et al., 2003).