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INTRODUÇÃO GERAL

7. gp63 COMO FACTOR DE VIRULÊNCIA: INTERAÇÃO PARASITA-HOSPEDEIRO

Os tripanosomatídeos expressam um conjunto de proteínas essências para o mecanismo de interação com o hospedeiro permitindo deste modo o estabelecimento da infeção. Dentre essas proteínas, destaca-se a família das metaloproteases, a mais estudada em Leishmania spp, denominada de glicoproteína gp63 que para além de serem parte integrante do parasita desempenham funções importantes na virulência dos parasitas (GRANDGENETT et al., 2000; YAO et al., 2003; ISNARD et al., 2012). A glicoproteína mais estudada, gp63 de Leishmania, Leishmanolisina (EC 3.4.24.36), é uma metaloprotease com características idênticas aos metaloproteases de mamíferos (MMP). Assim sendo, pode desempenhar função como a degradação de matriz extracelular, localização à superfície da célula e atividade proteolítica (MCGWIRE et al., 2003; GEURTS et al., 2012).

O elevado número de moléculas de gp63 em promastigotas metacíclicos tal como a sua presença nas formas amastigotas torna um requisito obrigatório para a eficaz manipulação do sistema imunitário e consequente bem-sucedido estabelecimento da infeção, aquando da sua inoculação no hospedeiro (MCGWIRE

et al., 2003; OLIVER, et al., 2012; MURASE et al., 2018).

Após a entrada de Leishmania spp., no hospedeiro mamífero, as células fagocíticas residentes no tecido circundante, tais como macrófagos e células dendríticas, iniciam a tentativa de eliminação do protozoário (AWASTHI et al., 2004). O recrutamento de neutrófilos, as primeiras células responsáveis ao chamamento quimiotático, ocorre pela secreção de proteoglicanos do parasita. Dada a incapacidade de neutrófilos para a contenção no local, emitem sinais quimiotáticos que visam o recrutamento de mais células para o controle eficaz e erradicação do parasita (PODINOVSKAIA; DESCOTEAUX, 2015). Este processo, culmina com a autodestruição por apoptose de neutrófilos infectados e os detritos resultantes contendo ninhos de amastigotas são removidos por fagocitose pelos macrófagos (AWASTHI et al., 2004; ISNARD et al., 2012; D’AVILA-LEVY et al., 2014).

Como parasita intracelular, Leishmania precisa remodelar o ambiente hostil do fagolisossomo, assim para a sobrevivência o parasita desenvolveu a expressão do lipofosfoglicano superficial mais abundante de promastigotas (LPG, na figura 5). Os LPGs permitem a modificação seletiva do recrutamento de vários fatores de maturação dos fagossomos e a fusão com os lisossomos protegendo assim o parasita do dano oxidativo pela NADPH oxidase e do reconhecimento imunológico pela apresentação do antígeno (figura 8). Além disso, Leishmania libera por meio de exossomos fatores de sobrevivência intracelulares, tais como gp63. A proteína que têm como alvo a sinalização celular do hospedeiro (figura 8) e causa importantes modificações incluindo suprimir a ativação imunitária, de retenção de ferro e a formação de células espumosas que reforçam a autofagia (PODINOVSKAIA; DESCOTEAUX, 2015). O acesso ao fagossomo do macrófago depende do reconhecimento por receptores de fagocitose. O sistema complemento em conjunto com os restantes elementos da imunidade inata, colabora na tentativa de eliminação das formas promastigotas do parasita.

Figura 8. Influência na regulação e manipulação das vias de sinalização celular por glicoproteínas de superfície de Leishmania spp (gp63). A interação e regulação das vias de sinalização, fatores de transcrição e tradução do macrófago pela gp63 de Leishmania spp. A manipulação do macrófago pelo parasita via gp63 conduz à redução na produção de TNF, IL-12 e NO, entre outras mudanças voltadas para a proteção do parasita e a promoção de sua sobrevivência. A redução da resposta pró- inflamatória. Microdomínio lipídico (ML); núcleo (N); citoplasma (C); Tolls Like Receptors (TLR) e vacúolo parasitário (VP). Fonte: Autoria própria: O desenho foi realizado utilizando o programa

Contudo o parasita consegue evitar a lise mediada pelo complemento através da inativação do componente C3b que é convertido, pela gp63, em C3b inativado ( PODINOVSKAIA; DESCOTEAUX, 2015; MURASE et al., 2018). A glicoproteína é crucial para a entrada de Leishmania no macrófago e ativação do sistema complemento (MURASE et al., 2018).

A gp63 contribui igualmente para reconhecimento direto da Leishmania spp pelo macrófago. Possui um motivo SRYD (serina, arginina, glicina e aspartato), análogo à região RGDS (sequência de arginina, glicina e aspartato) da fibronectina, que viabiliza a adesão à célula fagocítica através dos receptores de fibronectina (FnR, Fibronectin Receptors). A internalização do parasita pelo macrófago poderá ocorrer

via micro domínios lipídicos presentes em toda a extensão da membrana do

macrófago, baseando-se este processo na afinidade da âncora de GPI da gp63 para com estes domínios (CECÍLIO et al., 2014).

Nas formas amastigotas, a presença de gp63 contribuiu para a sobrevivência do parasita no macrófago através da inibição, direta ou indireta, de vias de sinalização responsáveis pela produção de fatores pró-inflamatórios e da inibição de fatores de transcrição e tradução que contribuem igualmente para este tipo de resposta (CECÍLIO et al., 2014).

Dada a sua capacidade de produção de exossomas, que contêm entre outros elementos a gp63, destinados à fusão com a membrana do fagolisossoma, conseguem por esta via proceder à libertação de gp63 no citoplasma do macrófago habilitando-a, deste modo, a atuar como reguladora da atividade funcional desta célula (MURASE et al., 2018; ISNARD et al., 2012). No citoplasma do macrófago, a gp63 é responsável pela hidrólise de substratos da proteína cinase C (PKC, Protein Kinase C), como é o caso do substrato de proteinase C rico em alanina miristoilada (MARCKS, Myristoylated Alanine-Rich C-Kinase Substrate) e de proteínas relacionadas com MARCKS (MRP, MARCKS-Related Proteins).

A regulação do sistema de tradução do macrófago, sob influência da gp63, ocorre também ao nível do alvo da rapamicina dos mamíferos (mTOR, mammalian

Target Of Rapamycin), um regulador negativo do início da tradução (SHAPIRA;

ZINOVIEV, 2011). A clivagem de mTOR por gp63 ocasiona a desfosforilação de 4E- BP1 o que acarreta efeitos ao nível da síntese proteica de IFNα/β (figura 8).

Por causa do recrutamento de células efetoras, é considerado um fator essencial na mediação entre a imunidade inata e adaptativa. Assim, a combinação da manipulação pela gp63 dos fatores de transcrição STAT-1, AP-1 e NF-kβ contribui para a diminuição da resposta pró-inflamatória e atividade antimicrobiana do macrófago (ISNARD et al., 2012; CECÍLIO et al., 2014).

No flebotomíneo a gp63 possibilita a obtenção de nutrientes pelo parasita através da hidrólise de substratos proteicos. A capacidade proteolítica da enzima é igualmente favorável à mobilidade de Leishmania spp. bem como, a sua sobrevivência no interior do vetor (MURASE et al., 2018; SÁDLOVÁ et al., 2006).

Resumidamente, as metaloproteases de tripanosomatídeos participam de importantes vias de sinalização, manutenção do parasita e viabilidade intracelular e extracelular. Desta forma, a manipulação da resposta imune pelos tripanosomatídeos dificulta o desenho de uma vacina eficaz. Assim, o conhecimento do perfil proteico nos tripanossomatídeos e do mecanismo biológico da infecção, pode constituir uma oportunidade para a identificação de novos alvos terapêuticos e, consequentemente, para o desenvolvimento de novas estratégias profiláticas e terapêuticas. Portanto, torna-se crucial a pesquisa por inibidores de proteases e estudos de novos potencias alvos.

A melhor compreensão da interação do parasita-hospedeiro durante a infecção e as moléculas envolvidas, neste processo, possibilita projetar novas estratégias de eliminação destes parasitas. Sem descorar a abordagem toxinológica para a descoberta de novos potencias fármacos.

CAPÍTULO I. CARACTERIZAÇÃO BIOQUÍMICA E