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CAPÍTULO 1 PREFÁCIO DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1.3 COMPLEXIDADE E CIDADANIA TRIBUTÁRIA

1.3.2 Cidadania Tributária em uma sociedade de classes?

Preliminarmente, utilizar-se-á um estudo realizado na Universidade Federal do Ceará, o qual, após analisar diversos autores — como Aristóteles (1985), Pinsky (2014), Ataliba (1985), Bulos (2003), Marshall (2002), Carvalho (2005), Buffon (2014),

Tavolaro (2010), Vieira (2010), Torres (2010), dentre outros tantos —, reproduziu os conceitos da cidadania, perfazendo a evolução histórica dela, quando em suas conclusões afirmou:

O conceito de cidadania, no entanto, por se tratar de elemento histórico, vem sofrendo inúmeras modificações, sendo remodelado e adquirindo novos sentidos ao longo dos séculos. Não podemos comparar o conceito de cidadão que vigora atualmente com aquele desenvolvido na Antiguidade, notadamente porque a cidadania desenvolvida nas cidades-estado tinha seu conceito baseado na exclusão: eram poucos os que possuíam o status de cidadão, diferentemente do conceito atual, em que se entende como dotados de cidadania uma maioria. A evolução do conceito de cidadania nos remete a uma de suas mais recentes concepções, qual seja, a ideia de cidadania solidária. O sentimento de pertença a uma coletividade desperta nos membros daquele agrupamento a noção de solidariedade. (MAIA, 2015, p. 137).

Observou-se que o conceito de cidadania tributária considerado pela autora não se afasta nem um pouco do conceito de cidadania acima transcrito. Desse modo, não será apresentado de forma particularizada. Pende para o entendimento de que a educação é essencial para a cidadania Maia (2015, p. 42), quando, em sua pesquisa, relata que, para haver evolução do exercício da cidadania, os pontos chaves devem ser: “os projetos de educação, de incentivo à participação democrática e ao controle social”.

A procura de outros estudos sobre o tema retorna à pesquisa do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES, 2011), o qual assim expôs sobre a cidadania tributária no Brasil:

Cidadania tributária significa a conscientização do cidadão para o fato de que a necessária arrecadação de tributos deve reverter-se em benefícios que cumpram o papel de atender às necessidades da coletividade, reduzindo distâncias sociais. Transparência, tanto no que diz respeito às fontes quanto aos usos dos recursos públicos, é palavra-chave e primeiro requisito para o exercício da cidadania tributária. (CDES, 2011, p. 32).

Seguindo no mesmo estudo CDES (2011), há a afirmação de que, no Brasil, a cidadania tributária não é exercida cotidianamente devido ao fato de que os contribuintes não possuem relações diretas e claras com o recolhimento tributário e sua posterior utilização, bem como é praticamente inexistente a transparência nesse meio.

Para Cavalcante e Camurça (2012, p. 36) “apenas o cidadão à luz do conhecimento poderia se tornar ativo e trilhar então o caminho da cidadania tributária, a qual enaltece o papel da lei da transparência fiscal”.

Ao analisar a constituição da transparência fiscal brasileira, Neves (1994, p. 49) apresentou a cidadania tributária como simbólica, fundamentando-se na sua própria constituição, para sobre ela tecer criticamente onde sua ineficácia não produz resultados sociais esperados, atuando apenas simbolicamente.

Entende-se como oportuno evidenciar que a Constituição Cidadã de 1988 assegura na qualidade de direito, por meio de um dos cinco princípios da administração pública, o princípio da publicidade, o acesso às informações públicas, por meio do artigo 5º. Porém, foi só no ano de 2011 que o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 12.527/201172, denominada de Lei de Acesso à Informação (LAI).

Maia (2015, p. 94) estudou73 a efetividade de tal lei frente ao alcance ou não de seus objetivos. A pesquisadora traz inúmeras considerações críticas e outras não tanto sobre a LAI, das quais se destacam, em ordem não hierárquica: “a pura e simples inserção de dados sobre o montante tributado na nota fiscal não surte o efeito desejado. Isso porque já não há a cultura de se pedir nota fiscal, muito menos de se atentar às informações contidas nela”. Nas palavras de Maia (2015):

[...] a questão da falta de transparência dos tributos indiretos é mais complicada do que pode parecer à primeira vista, e a simples inserção do montante pago em tributos nas operações de compra e venda e prestação de serviços não tem sido capaz de provocar mudanças na consciência fiscal dos cidadãos, conforme parece corroborar a pesquisa realizada. (MAIA, 2015, p. 120).

Em outro momento, a pesquisadora relatou que a inércia do governo em campanhas de conscientização e na efetivação da aplicabilidade da Lei não traz o conhecimento necessário a toda a sociedade.

Do outro lado desse mesmo tema, encontrou-se Machado (1998), cujos apontamentos, se relacionados com os anteriores, demonstram um antagonismo teórico pouco inócuo, mas que foi visto anteriormente quando o assunto foi a complexidade tributária. Isso porque a autora atribuiu ao empresariado, enquanto

72 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. 73 Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/16367>.

classe dominante, a classe que de fato delimita as regras entre Estado-sociedade, visando manter seu poder dominante. Essa classe, segundo Machado (1998), impõe ainda que indiretamente à classe dominada (trabalhadores assalariados) a mantença dos diversos tipos e níveis de desigualdades, utilizando-se de alguns mecanismos que, por vezes, abarcam alguns anseios dos trabalhadores, sem jamais colocar em exposição seu poder. Prosseguiu desnudando o invólucro da concepção tradicional de cidadania: “Portanto, ainda que os direitos de cidadania se desenvolvam na sociedade empresarial, eles têm seus limites estabelecidos pela manutenção do poder nas mãos do empresariado [...]” (MACHADO, 1998, s/n).

Não satisfeita, a autora continuou chamando a atenção ao desvelar em seus escritos que a cidadania se mantém justamente por não atacar a principal contradição do sistema capitalista: capital versus trabalho. Ou seja, não há rompimento da estrutura econômica-social, sendo que a cidadania, desde a Revolução Francesa (burguesa), momento em que se fez presente nas discussões em relação com seu surgimento na Grécia Antiga, é um fundamento das sociedades capitalistas contemporâneas (MACHADO, 1998).

Destacada a contradição explicitada pelos parágrafos anteriores, prossegue-se a investigar concepções teóricas não hegemônicas ou cotidianas utilizadas na definição de cidadania tributária. Dessa forma, então, verificou-se em Pereira (1996), a ratificação do tratamento da cidadania como o paradigma que alicerça a classe dominante, institucionalizando as desigualdades através de políticas sociais, para no máximo oportunizar sem jamais extinguir as dissemelhanças sociais.

Nota-se que o próprio conceito de cidadania, se observadas as duas correntes teóricas acerca do tema, é motivo de entendimentos conflitantes. Corroborou, nesse sentido, Tonet (2016) quando observou que:

A cidadania moderna tem a sua base no ato que funda o capitalismo, que é o ato de compra-e-venda de força de trabalho. Ao realizar este contrato, capitalista e trabalhador se enfrentam como dois indivíduos livres, iguais e proprietários. E esta é a base do desenvolvimento – certamente processual e conflitivo – de todos os subsequentes direitos civis, políticos e sociais. (TONET, 2016, p. 35).

O pesquisador criticou o entendimento precarizado de cidadania e o entrelaça aos aspectos temporal e espacial inerentes à educação: Temporal, ao afirmar os problemas seculares da educação brasileira; espacial, ao delimitar o país. Não

obstante, ressaltou a inobservância da educação universalizada, quando sinaliza que sua escassez age diretamente nas distorções do conceito de cidadania.

As classes subalternas, quando eram chamadas a participar, não passavam de massa de manobra. Ora, sabe-se que a universalização da educação é um dos aspectos desta revolução, como mostram muito bem os países mais desenvolvidos. É isto que explica, em última análise, a precariedade e as distorções da cidadania no Brasil e, dentro dela, os problemas seculares da educação. (TONET, 2016, p. 41).

Tonet (2016, p. 50) pormenorizou como o conceito internalizado de cidadania vinculada à classe trabalhadora assalariada é representado pelo pensamento da classe hegemônica (empresarial), tendo a definição para “ambas” como sendo “um espaço indefinidamente aperfeiçoável; de que ela é simplesmente sinônimo de liberdade; de que a luta pela cidadania é o caminho para a construção de uma sociedade autenticamente igualitária, livre e humana”. Logo após, continua destacando a ineficiência da mesma como um fim em si própria, para possibilidade da emancipação humana.

Sob seu julgamento, somente a educação poderia promover mudanças profundas na real participação da classe trabalhadora e no aprofundamento de seus interesses. Entretanto, o autor advertiu sobre a incapacidade da educação no sistema vigente:

No caso da sociedade burguesa, a hegemonia desta classe impõe que a educação tenha dois objetivos fundamentais: a formação para o trabalho (mão-de-obra para o capital) e a educação para a cidadania e a democracia (a estruturação de uma concepção de mundo, de ideias, de valores adequados para a reprodução desta ordem social). (TONET, 2016, p. 145).

Prelecionou Tonet (2016), sem a intenção de menosprezar os aspectos da cidadania, uma vez que esta faz parte de uma idealização para manutenção do status

quo que beneficia a classe empresarial74, a qual, diminuindo os efeitos da escravidão assalariada, conquista a anuência dos explorados:

Nenhum aperfeiçoamento, melhoria, ampliação, correção ou conquista de direitos que compõem a cidadania poderá eliminar a raiz que produz a

74 Disponível em: <http://ivotonet.xpg.uol.com.br/arquivos/educacao_contra_o_capital_-_3a_ed.pdf>.

desigualdade social. Pelo contrário, o exercício daqueles direitos permite, ao aparar as arestas e ao tornar menos brutal a escravidão assalariada, que este sistema social, fundado na desigualdade, funcione melhor, pois conta com o beneplácito dos próprios explorados e dominados. (TONET, 2016, p. 35).

Dessa maneira, apresentados os não irrelevantes conflitos trazidos pelas contradições teóricas acima expostas face à cidadania tributária, evidenciou-se, respondendo à pergunta outrora elaborada, que a concepção do conceito de cidadania tributária não é pouco divergente entre os autores estudados e que a sua eficiência para suprir as necessidades da população — em especial, dos trabalhadores assalariados — é bastante questionável. Afinal, ela, a cidadania, é um instrumento a serviço do capital, que o auxilia no invólucro das suas deletérias consequências promovidas pela sua principal contradição: a separação (liberdade) do produtor do seu produto. A concepção de cidadania parece ser impossível na sociedade de classes.

1.4 - METODOLOGIA

Inicialmente, observar-se-á que a metodologia sequencialmente descrita norteadora deste estudo fora composta levando em conta as proposições metodológicos de múltiplos estudiosos, que, ao entender desta pesquisa, se complementam.