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CAPÍTULO 1 PREFÁCIO DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1.1 TRIBUTAÇÃO BRASILEIRA: EFEITOS, CONCEITOS, ANESTESIA E

1.1.1 Delimitação Teórica de Classes Sociais

Ao remeter o olhar sobre os objetivos da pesquisa em tela, ou mesmo em sua indagação principal, percebe-se que reside na distinção tributária inerente às classes sociais a principal segregação investigatória. Por consequência, antes mesmo de discorrer sobre as classes sociais como um tema “positivo”, sem necessidade de abordagens ou reflexões beirando uma espécie de axioma, acredita-se ser fundamental à plena compreensão deste estudo esclarecer que a presente pesquisa trata da perspectiva de classes, distinguindo-as entre trabalhadores assalariados e empresariado.

Nos próximos parágrafos, o propósito é sucintamente demonstrar que não se trata de uma delimitação obsoleta, tampouco meramente formal. Muito ao contrário, além de contemporânea, tem o mérito de ser a única classificação conhecida, que permite defrontar tributariamente o empresariado frente aos “seus” trabalhadores.

Dessa maneira, far-se-á referência a dois estudos complementares na delimitação do que compreende conceitualmente a classe trabalhadora assalariada e os elementos que são excludentes e includentes dela.

Sobre os elementos includentes ao conceito de trabalho assalariado, Antunes e Alves (2004), ao analisarem as mutações objetivas e subjetivas no mundo do trabalho contemporâneo, inferiram que a classe trabalhadora incorpora a totalidade dos trabalhadores assalariados despossuídos dos meios de produção. Também versam sobre as novas formas de trabalho inerentes à reestruturação produtiva na ótica do binômio Toyotismo/Fordismo22, adicionado aos rumos sinuosos do trabalho no início do século XXI e expondo a composição da classe trabalhadora em trabalhadores das agroindústrias, fabris e de serviços, inclusive em Home Office, seja por vínculo temporário ou não.

Delimitando a outra fronteira, Dillenburg e Nascimento (2015) contribuem destacando aspectos sobre o livro O Capital, no qual constataram a distinção dos trabalhadores assalariados de outros trabalhadores, tais como pequenos agricultores, comerciantes e os pequenos artesãos, os quais não são obrigados a vender sua força de trabalho por conseguirem vender o produto de seu trabalho, o que se deve ao fato de possuírem meios de produção, ainda que minimamente.

No entanto, foi n’O Manifesto Comunista, de Marx e Engels (1999), em que se encontrou a égide norteadora do conceito definidor de classes sociais, por este estudo utilizado:

Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas modernos proprietários dos meios de produção social que empregam o trabalho assalariado. Por proletários compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos, que privados de meios de produção próprios, se veem obrigados a vender sua força de trabalho para poder existir. (Nota de F.Engels à edição inglesa de 1888).

A partir dessas inserções teóricas, delimita-se, no presente estudo, como classe trabalhadora assalariada: todas as pessoas que, por não possuírem a

22 Para saber mais recomenda-se ler: Harvey (1996;2005), Montanõs e Duriguetto (2011) e Moraes

propriedade dos meios de produção23 necessários para a produção de sua subsistência, são obrigados a vender a sua força de trabalho para um empresário ou um grupo de empresários, independente de exercerem o labor nas mais diversas atividades econômicas, e que recebem, pelo seu respectivo trabalho, as verbas previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) ou em regimes estatutários. A heterogeneidade desta classe que é compreendida neste estudo por trabalhadores produtivos ou improdutivos24 não descaracteriza o ponto que a une: toda ela é formada por pessoas “livres25” dos meios de produção ou consumo, porém possuidores da força de trabalho, cujo contrato resultante da “livre” negociação com a classe empresarial lhe “rende” o salário como meio de pagamento.

O termo “classe empresarial” fez-se necessário devido à base de dados disponível para estudos. Contudo, expõe-se que talvez o termo mais apropriado fosse “capitalistas”, cujo conceito é diferente do termo ora utilizado. Para Marx e Engels (1999), o conceito de capitalistas compreende os proprietários privados dos meios sociais de subsistência e de produção, o que merece destaque e certo cuidado, pois tende a existir uma significativa parcela denominada formal e legalmente de empresários — principalmente no ramo da prestação de serviços — no Brasil que, por questões tributárias26 ou de terceirização, constituem formalmente empresas, entretanto são desprovidos efetivamente da propriedade privada dos meios de produção, não sendo estes essencialmente capitalistas, mas apenas formalmente empresários. Assim anunciado, ao constar o termo “classe empresarial” para fins desta pesquisa, a sua estrita definição e delimitação serão: os proprietários privados dos meios sociais de subsistência e de produção que possuam Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Albergados nessa classe estão os donos do capital fundiário, comercial, industrial, das instituições financeiras e de prestação de serviços, ainda que, obtendo lucros por meio da mais-valia redistribuída, independentemente do enquadramento de grandes, médios e pequenos empresários. Se a

23 Compreende-se por donos dos “meios de consumo” no modo de produção capitalista aqueles que

os têm para revenda e exercendo atividades comerciais com aqueles. Esse termo não foi cunhado por Marx, mas encontrado em uma das obras de Montaños e Duriguetto (2011).

24 Conceitos presentes n’O Capital de Marx.

25 Pessoas livres num duplo sentido; livres de um senhor, não sendo, portanto, escravas, mas,

sobretudo, “livres” dos meios de produção. (MARX, 1996).

heterogeneidade da classe trabalhadora assalariada remeteu ao ponto que a unia, não é diferente com a classe empresarial, a qual sobrevive e acumula capital por meio da exploração do trabalho alheio não pago.

A minúcia do delineamento composto acima torna-se ainda mais excrescente e necessária após a aprovação das Leis nº 13.429, de 31 de março de 2017 (Lei da terceirização) e Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 (Lei da reforma trabalhista). Isso porque essas leis, já que flexibilizam as relações empregatícias, tendem a promover ainda mais o fenômeno denominado de “pejotização”, no qual trabalhadores que mantêm essencialmente vínculo empregatício — por estarem enquadrados nos seguintes requisitos previstos nos artigos 2° e 3° da CLT: pessoalidade, habitualidade, onerosidade, subordinação e alteridade — passam a se inscrever formalmente no CNPJ, figurando legalmente como “empresários”, mesmo sem ser proprietários privados dos meios sociais de subsistência e de produção. Ou seja, a pejotização nada mais é do que o uso dos aspectos formais e legais de uma pessoa jurídica ofuscando uma essencial e real relação de emprego. Por ora, essa pequena síntese acerca da pejotização tem o condão de subsidiar a delimitação já exposta, na qual expressamente não se enquadram para fins da presente pesquisa tais trabalhadores, os quais constituíram, dessa forma, pessoas jurídicas. No decorrer do estudo, esse tema será novamente abordado, pois neste espaço suprimiu-se, por exemplo, os motivos entranhados que levam trabalhadores em relação de emprego a constituírem pessoas jurídicas; bem como não foram aqui descritos os malefícios ou benefícios — a depender do polo — aos empresários e trabalhadores assalariados de fato.

Corroboram a distinção feita acima Montaños e Duriguetto (2011, p. 83) ao explanarem que as classes sociais albergam grupos sociais cuja “dimensão é estritamente econômica, seja pelas diferenças de mercado27 ou na produção”, independente de haver leis que as insiram “formalmente” em determinada classe, remetendo à igualdade meramente formal.

Uma vez descritas as fronteiras imanentes às classes sociais, esclarece-se que, ao revisar a literatura à procura do adequado delineamento de classes sociais,

27 A presente pesquisa compreende a palavra ‘mercado’ nos mesmos termos de Dillenburg (2011, p.

percebeu-se celeumas28 quase que intermináveis, as quais, não serão abordadas pelo presente estudo por não constituírem seus objetivos, porém, reconhece-se a relevância não inócua do tema.

Ainda assim, não foram rejeitados sem análises prévias os modelos de estratos sociais utilizados no país. Para encontrar a corrente teórica global e predominante inerente às classes sociais inseridas no Brasil, inicialmente remeteu-se a procura da noção de delineamento de “classe social” mais observada no país. Então, ainda que se trate de uma espécie de mensuração socioeconômica e não propriamente de classes sociais, encontrou-se o denominado “Critério de Classificação Econômica Brasil”29 ou simplesmente “Critério Brasil”, o qual foi adotado pela Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas (ABEP) e é ampla e “positivamente” utilizado. Até então, o país conta com outras duas formas de estratificação, sendo uma elaborada pela Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE) voltada para as políticas públicas, mas direcionada à classe média30, e a extinta pela própria ABEP, vigente até 2014. Segundo Kamakura e Mazzon (2016), sinteticamente, o modelo de estratificação vigente dessa associação compreende o poder de compra, consumo e a renda das pessoas e famílias, além de considerar 35 variáveis de diversas naturezas, utilizando os dados da Pesquisa Orçamento Familiar (POF) e dividindo os estratos socioeconômicos em seis categorias. Dessa forma, nota-se a relação desse modelo (Critério Brasil) entrelaçado com a teoria de Weber (1979;1991;1996) a qual, trata da estratificação social e a relaciona intrinsecamente com o conceito de poder que compreende a honra e o prestígio entrelaçando a lógica mercadológica e econômica, cujos elementos podem ser casuísticos e inerentes a questões, tais como; a posse ou oferta de bens, a possibilidade de consumo dos

28 Os pensamentos sobre classes sociais são representados pela dicotomia (Wood, 2011) entre Marx

e Weber (sendo que alguns autores inserem Pierre Bourdieu). Para auxiliar nesse debate, recomenda- se a leitura de: Weber (1979; 1991; 1996), Marx e Engels (1999), Marx (1859; 1985; 1996, 1999), Althusser (1970), Poulantzas (1971), Thompson (1987), Gramsci (2000), Grohmann (2016), Dillenburg e Nascimento (2015), Pereira (2003), Coutinho (1990), Semeraro (2006), Montaños e Duriguetto (2011), Wright (1985; 2015), Žižek (2012), Miguel (2004), Guareschi (1998) e Lessa e Tonet (2012).

29 Disponível em: <http://www.abep.org/criterio-brasil>. Acesso em: 23 jun. 2018.

30A noção de “classe” média pode ser observada nas obras de Ianni (1986), Saes (1984), Pernías

(2018), Paulo (2015), Pochmann (2014) e Rezende (2017), os quais não são críticos e conferem real existência a essa estratificação. Em oposição a esse termo, tendo-o como uma espécie de fetiche imposto aos trabalhadores assalariados, recomenda-se a leitura de Guareschi (1998) e Lessa e Tonet (2012).

mesmos e a disponibilidade de renda. (GUARESCHI, 1998; LESSA E TONET, 2012; SINGER, 2012).

Derradeiramente, justifica-se a escolha pelo modelo de divisão de classes sociais, uma vez que, ao que se propõe a pesquisa, cujos objetivos e cuja questão foram previamente apresentados, o estudo da dicotomia de classes por ora apresentada é o que possibilitará a análise das discrepâncias tributárias ocasionadoras de desigualdades socioeconômicas entre quem possui apenas a força de trabalho e a vende (trabalhadores assalariados), frente a quem é proprietário privado dos meios sociais de subsistência e de produção e compra a força de trabalho (empresariado), facilitando assim as compreensões e podendo instigar futuros debates, inclusive numa ótica de correlação de forças.