• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 PREFÁCIO DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1.3 COMPLEXIDADE E CIDADANIA TRIBUTÁRIA

1.3.1 Complexidade Tributária

Ricardo Varsano, coordenador de estudos tributários da diretoria de estudos macroeconômicos do IPEA até o ano de 2003, concebeu a complexidade de forma semelhante à maioria dos estudos inerentes ao direito (positivo) e à contabilidade tributária:

Não obstante, a busca de simplicidade na tributação é essencial, posto que a complexidade está associada a custos para administrar os tributos e para cumprir as obrigações tributárias. Segundo informam entidades representativas de empresários, estimações realizadas revelam que, na atualidade brasileira, o custo incorrido pelo contribuinte para cumprir suas obrigações é alto. (VARSANO, 2002, p. 4).

Balthazar (2005) não deixou de descrever sobre a difícil compreensão do STB pela maioria da população, fazendo referência à complexidade daquele, a qual acaba promovendo guerras fiscais entre unidades da federação. Enquanto isso, Padoveze (2010) orientou as empresas diante da complexidade do sistema em questão, tendo como essencial a constituição de grupos de estudos e pesquisa para obter a eficiência fiscal e, consequentemente, a diminuição dos custos para atender as normas tributárias. Na mesma linha de pensamento, Carlin (2010) entendeu que a complexidade do STB é elemento central para o não crescimento das empresas no país. E, nessa senda, destacou Costa (2007, p. 22):

[...] a necessidade de aumentar a eficiência da arrecadação dos tributos veio a impor a adoção de mecanismos voltados à simplificação do sistema, envolvendo medidas de ordem legislativa e administrativa. Tornar mais simples os sistemas tributários constitui mesmo um dos grandes objetivos da fiscalidade de nossos dias, já que, por razões várias, os ordenamentos fiscais se têm convertido em realidades cada vez mais complexas.

A pesquisa Paying Taxes 2011, elaborada por uma das quatro maiores (big

comprovou que as empresas brasileiras65 levam na ordem de 2.600 horas por ano para cumprirem com as obrigações tributárias acessórias, frutos da complexidade do sistema, segundo o estudo. De fato, de uma amostra com mais de 150 países, o Brasil representou o país com o número de horas mais elevado para atender às obrigações junto aos fiscos66.

Outra pesquisa bastante veiculada nos meios empresariais, elaborada pela Deloitte, também uma das quatro maiores (big four) empresas de auditoria contábil do mundo, apresentou, em especial à comunidade empresarial, o custo médio do dispêndio de força de trabalho empregado por aquelas para o pagamento de tributos, que representa uma parte relevante do chamado “Custo Brasil”, conforme a pesquisa. A pesquisa quantificou os custos médios a cada porte de empresa para atender as exigências tributárias (DELOITTE, 2015).

O estudo realizado pela FIPE67, denominado “Simplificando o Brasil”, apontou, citando uma publicação do Banco Mundial (Doing Business), alguns efeitos da complexidade tributária para o país:

1. da complexidade do sistema tributário, que contém elevado número de tributos, cada um deles com regras de aplicação opacas e instáveis;

2. da complexidade da legislação trabalhista, que torna muito elevado o custo do trabalho formal;

3. do excesso de burocracia para operar e investir, além das burocracias dos sistemas tributário e trabalhistas. (ZOCKUN, 2007, p. 1).

Enquanto isso, a FIESP68 juntamente com o IBGE69 emitiram determinado relatório denominado “O Peso da Burocracia Tributária na Indústria de Transformação 2012”, o qual concluiu:

O custo do sistema tributário está relacionado com o excesso e a complexidade de normas, que exigem diversos procedimentos das empresas e, por sua vez, geram gastos adicionais com funcionários, obrigações acessórias, inscrições, livros, arquivos, armazenamentos, softwares, dentre outros. Além disso, diante da complexidade do sistema, aumentam os

65 Segundo o Sebrae, o porte das empresas assim é classificado: Microempresas, com até 19

empregados; Pequenas empresas, de 20 a 99 empregados; Médias empresas, de 100 a 499 empregados; Grande empresas, mais de 500 empregados. No entanto, a LC 123/06 estratifica as empresas Microempresas, as quais faturam no máximo até 360.000,00, enquanto as Pequenas, até 4,8 milhões de reais.

66 The World Bank, Pricewaterhousecoopers. Paying Taxes 2011 – The Global Picture. Disponível em:

<www.pwc.com/gx/en/paying-taxes/pdf/paying-taxes-2011.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.

67 FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. 68 FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. 69 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

conflitos tributários entre o fisco e o contribuinte, gerando custos judiciais, especialmente com advogados (FIESP; IBGE, 2013, p. 4).

A OCDE (2018a) não vem se mantendo inerte (inclusive nesse assunto) sobre a reforma tributária que, segundo ela, o Brasil deveria realizar. O anseio da Organização contempla praticamente todas as inserções acima citadas, acerca da complexidade tributária. Suas recomendações, no tocante ao STB, permeiam a simplificação e a racionalização deste.

Etimologicamente, o termo “complexidade” compreende noções filosóficas e epistemológicas. Entretanto, a palavra surge do latim “complexus”, significando: o que é tecido junto. Silva (2013, p. 242) traduziu tal significado mencionando que seria “a junção, o conjunto, o universo, a noção de que tudo está ligado, influi e é influenciado por tudo”.

Morin (2005) trabalhou o conceito de complexidade segregando-o em dois momentos. O primeiro é muito próximo do conceito acima citado de Silva (2013), mas é no segundo momento que tal conceito se estende, quando o autor disserta sobre o que é para ele a complexidade:

[...] a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza [...]. (MORIN, 2005, p. 13).

E é através do conhecimento, segundo o autor, que se supera essa apresentação da complexidade, a qual, para este, é extremamente necessária.

Morin (2005, p. 15-16) acabou por indicar o caminho70 a ser percorrido, até a compreensão abrangente e a devida utilização da complexidade enquanto conceito e necessidade: “Precisamos compreender que continuamos na era bárbara das ideias. Estamos ainda na pré-história do espírito humano. Só o pensamento complexo nos permitirá civilizar nosso conhecimento”. O autor trouxe, em um de seus tantos alertas

70 A patologia moderna da mente está na hipersimplificação que não deixa ver a complexidade do real.

A patologia da ideia está no idealismo, no qual a ideia oculta a realidade que ela tem por missão traduzir e assumir como a única real. A doença da teoria está no doutrinarismo e no dogmatismo, que fecham a teoria nela mesma e a enrijecem. A patologia da razão é a racionalização que encerra o real num sistema de ideias coerente, mas parcial e unilateral, e que não sabe que uma parte do real é irracionalizável, nem que a racionalidade tem por missão dialogar com o irracionalizável (MORIN, 2005).

sobre a complexidade, algo que chama a atenção principalmente quando se tem ciência (por meio das inserções teóricas anteriores) que não há descolamento algum das regras tributárias frente às vontades políticas corolárias dos conflitos oriundos da economia política:

Dizem-nos que a política “deve” ser simplificadora e maniqueísta. Sim, claro, em sua concepção manipuladora que utiliza as pulsões cegas. Mas a estratégia política requer o conhecimento complexo, porque ela se constrói na ação com e contra o incerto, o acaso, o jogo múltiplo das interações e retroações. (MORIN, 2005, p. 13).

Ora, percebeu-se, por meio dos estudos apresentados até então, que existem apontamentos por esses mencionados, claros e objetivos para a necessidade de simplificação e racionalização do STB, em contraste com a complexidade desse sistema. Ocorre que tais explanações não são uníssonas, uma vez que surgem contradições não inócuas ao se confrontar as teorias de Morin (2005), o qual trata qualquer forma de simplificação ou racionalização como sendo patológicas e empobrecedoras do real conhecimento. E, ainda, admitindo que todas as legislações tributárias são emanadas do poder político resultante da correlação de força oriunda da estrutura econômica, no Brasil, na observância da perspectiva de Morin (2005), a simplificação ou racionalização do STB poderia ser uma concepção manipuladora, como o autor descreve fazendo menção à política simplificadora e por consequência mistificada. Então, instiga-se, através do conflito preteritamente apresentado, a ir além e a verificar as concepções acerca do tema.

A intenção é encontrar pesquisas até então não expostas por este estudo, descoladas da ótica de que a complexidade tributária nada mais é do que um componente jurídico, oriundo do meio político, e que afeta a ordem econômica onerando em sentido lato as empresas.

Nessa direção, Gassen et al. (2016) descreveu o conceito (positivamente) enraizado sobre o STB presente nas teorias comumente encontradas ao pesquisar juristas e tributaristas brasileiros, sendo que, segundo o autor (2013, p. 23), estes conceituam o referido sistema, genericamente, da seguinte forma: “conjunto composto por normas jurídicas que regulam a atividade tributária no campo das relações jurídicas entre o contribuinte e o ente tributante”. Contrariando tal entendimento acerca do STB, em sua obra, Gassen (2016, p. 17) denunciou:

É um processo ideológico amplo e complexo, no qual o princípio da transparência tributária é sistematicamente desrespeitado. É perceptível que a falta de transparência do sistema tributário brasileiro colabora, em certa medida, com o processo de desconexão entre o Direito Tributário e a realidade social e econômica e impede ou limita a discussão sobre a eficiência e a equidade da tributação no Brasil.

Toyoda (2013) trouxe, em suas conclusões, a junção dos conceitos de complexidade, observados na leitura de Morin (2005), e insere-os na acepção da complexidade tributária:

A passagem de uma complexidade desestruturada para outra estruturada é requisito para que o sistema tributário não fique fechado em si mesmo, o que só aumenta as tensões frente à sociedade, pois amplia a dificuldade de identificar e compreender as questões dinâmicas da vida social, dentre as quais se destacam as expectativas dos contribuintes quanto ao que consideram um tratamento justo por parte do Fisco. (TOYODA, 2013, p. 100- 101).

Assim, cita-se Nabais (2007), o qual apontou ao seu leitor que a justiça fiscal será alcançada quando houver a possibilidade de interação entre os cidadãos sobre o próprio conceito de justiça.

Por fim, sem desdenhar dos malefícios da complexidade imanente ao STB, mas, ciente de que entender o complexo é essencial inclusive para posteriores reformulações, pode-se relacionar o sistema tributário amplamente tido como complexo com os índices de analfabetismo no mundo do trabalho, já mencionados na introdução desta pesquisa — em média no Brasil, apenas 8% da população trabalhadora é capaz de se expressar e compreender razoavelmente71. Afinal, sendo a complexidade como demonstrada, reveladora e necessária, parece um grande desafio torná-la compreensível aos trabalhadores brasileiros, o que pode significar que tal incompreensão contribuirá — como contribui — à inexistência de paridade entre as classes, para debater as possíveis desigualdades que constam e surgem das normas tributárias, uma vez que a classe trabalhadora assalariada, além de ter um nível altíssimo de analfabetismo (mas) funcional, é predominantemente desprovida de

71 Disponível em: <http://download.uol.com.br/educacao/2016_INAF_%20Mundo_do_Trabalho.pdf>.

recursos financeiros que permitiriam auxílio de profissionais tributaristas para indicar os caminhos menos onerosos para ela.

Por certo, inicialmente não devem ser vistas como maléficas à classe trabalhadora as proposições hegemônicas da classe empresarial no tocante a simplificação do STB. O principal desejo intrínseco ao empresariado é a simplificação das obrigações acessórias e da atual relação das empresas com o fisco, racionalizando assim os custos com a mão-de-obra dos trabalhadores (administrativos) debruçados a atender a legislação tributária, que no Brasil, de fato, representam um custo efetivo alto que acaba transferido aos próprios trabalhadores pelo mecanismo de transferência que será detalhado no próximo capítulo. Entretanto, os projetos de reforma tributária previamente expostos, os quais, visam tal simplificação do STB, não conformam nada que torne o próprio sistema mais compreensível à classe trabalhadora e menos ainda propõe rever a estrutura tributária que é orientada a onerar bem mais os trabalhadores assalariados.

As últimas exposições conceituais em confronto com as primeiras deste mesmo item revelam preocupações distintas. Enquanto as primeiras veem na complexidade tributária aspectos puramente econômicos e, com certa frequência, desejam simplificá-la, as últimas norteiam para vieses sociais, políticos e econômicos, cuja perspectiva é a compreensão do pano de fundo que envolveu e envolve o STB. Demonstra-se, ainda subliminarmente, que se ergue dessas contradições a parcial esperança do alcance da cidadania tributária, como um meio de superar a complexidade e de obter a efetiva participação de toda a sociedade nos temas tributários. Contudo, ressuscita-se a pergunta ainda não respondida: os autores que versam acerca do tema (cidadania tributária) compreendem e conceituam a cidadania tributária de forma “harmoniosa” ou haveria discrepâncias entre os achados científicos, os quais colocariam em questionamento os resultados oriundos da cidadania tributária?