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CAPÍTULO 1 PREFÁCIO DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1.2 COMPREENSÃO TRIBUTÁRIA: UM CAMINHO A SER TRILHADO

1.2.3 Espécies Tributárias Abordadas

Visto os frequentes erros conceituais que são observados na prática cotidiana, tornar compreensível que tributo é um gênero, que impostos, taxas, contribuições de melhorias, empréstimos compulsórios e contribuições especiais são suas espécies é elementar para o aprofundamento do estudo do STB. Nesse sentido, quando constar a palavra “tributo”, esta compreenderá todas as suas espécies, ao contrário de quando, por exemplo, abordar-se a palavra “imposto”, o qual é apenas uma espécie tributária. Essa teoria recebeu o nome de quinquinpartite.

Apesar de, à primeira vista, parecer singela ou sem tanto sentido essa distinção entre o gênero tributo e suas espécies, é necessário firmar o entendimento de que cada espécie tributária tem uma finalidade e regramento muito específicos e que seu desconhecimento traz sérias distorções cognitivas, legais e conceituais. Para proporcionar um melhor detalhamento, apresenta-se a tabela 1:

Tabela 1 - Espécies Tributárias x Tributos Possíveis de Utilização na Pesquisa

ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS TRIBUTOS UTILIZADOS NA PESQUISA

Impostos ITR, IPTU, IPVA, ITCD, ITBI, IR, IPI, ICMS, ISSQN

Taxas -

Contribuições de Melhoria -

Contribuições Especiais CSLL, PIS, COFINS e CP Empréstimos Compulsórios -

Fonte: Elaborada pelo autor (2018).

Para o que se propõe a pesquisa, utilizar-se-á apenas duas espécies tributárias, as quais serão: impostos e contribuições especiais.

Justifica-se tal escolha, uma vez que, conforme os dados apresentados pela RFB em setembro de 2016, houve a participação total tributária na ordem de 32,66% sobre o PIB de 2015, o que representa 100% da tributação daquele ano. Desses 32,66% do PIB, 17% representam a espécie tributária dos impostos, ou seja: 52,05% de toda a tributação no ano de 2015 foram arrecadados através da espécie denominada impostos. Já 14,41% (dos 32,66% do PIB) são inerentes à espécie tributária das contribuições especiais, representando 44,12% da arrecadação total. Logo, suas incidências estão presentes no dia a dia de toda a população, representando efetivamente 96,17% da arrecadação tributária brasileira (RFB, 2016).

1.2.4.1 Impostos

O conceito de imposto está previsto no art. 16 do CTN/6656: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. A própria definição legal evidencia que nenhum imposto é vinculado ao seu fato gerador, ou seja, os recursos oriundos de sua arrecadação podem ser gastos ou investidos em fatos alheios, observados os limites discricionais dos governos. Para esclarecer ainda mais, citar-se-á o seguinte exemplo um tanto corriqueiro: o fato gerador do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) é a posse de terreno ou de edificações cuja finalidade seja urbana, em áreas também urbanas e delimitadas pelas leis municipais. Ao recolher esse tributo, o contribuinte não deve esperar (legalmente) que o executivo municipal invista esse

dinheiro, por exemplo, embelezando a cidade ou arrumando canteiros e praças públicas, ainda que possa fazer se assim desejar. Nesse sentido, corrobora Amaro (2010, p. 52): “para exigir imposto de certo indivíduo, não é preciso que o Estado lhe preste algo determinado”.

Quanto à competência para instituí-los, consta no art. 145 da CF/88 como sendo permitida a instituição de tributos pela União, estados, municípios e Distrito Federal, observadas, é claro, as divisões de competência elencadas pelos artigos 153, 155 e 156 da Constituição Federal do Brasil.

Já referente à forma da incidência, a qual é de suma relevância para este estudo, observa-se que os impostos, bem como todas as demais espécies tributárias podem ter incidência direta ou indireta. No Brasil, ratifica-se, ao se verificar o ordenamento jurídico tributário, que a previsão da incidência indireta é legal constando expressa no art. 166 do CTN.

Os conceitos de tributos diretos e indiretos, vistas as suas implicações para o entendimento deste estudo, seguirão parcialmente o seguinte entendimento: Salvador (2014, p.10) prelecionou em um de seus estudos, delineando as distinções da tributação direta versus a tributação indireta, correlacionando-as com as bases econômicas de incidência. Segundo ele, “os tributos diretos incidem sobre a renda e o patrimônio, uma vez que, em tese, não são passíveis de transferência para terceiros e são considerados impostos mais adequados para a progressividade”. Ainda conforme o autor (ibidem, p.10), “os indiretos incidem sobre a produção e o consumo de bens e serviços, isto é, os preços dos produtos adquiridos pelos consumidores, que acabam pagando de fato, mediado pelo contribuinte legal: empresário ou comerciante”. Ratificam o entendimento acima exposto Gassen, D’Araújo e Paulino (2013) ao conceituarem a tributação direta e indireta de maneira similar às conclusões de Salvador (2014).

Segundo Atkinson (1977), quando o objetivo é um sistema tributário justo, os impostos diretos são os mais utilizados; já quando a prioridade for a arrecadação, os tributos indiretos são os preferidos.

Esse entendimento é parcialmente aceito pela presente pesquisa, pois, como será demonstrado empiricamente nos próximos capítulos, mesmo os tributos diretos são passíveis de transferência aos consumidores e aos trabalhadores assalariados. Esse assunto será particularmente detalhado mais adiante (Cap. 3), porém, para

iniciar a justificativa desde agora, submete-se o seguinte exemplo: o IPTU é um (imposto) tributo sobre a base econômica “patrimônio”, formalmente direto, porém os proprietários dos imóveis, não raras vezes, ao locarem, terceirizam o pagamento do IPTU ao inquilino de forma explícita ou implícita, ou seja: de forma explícita, constando expressamente no contrato de aluguel; de forma implícita, quando ônus tributário estará embutido no preço final da locação. De outra forma, mas como resultado semelhante, os tributos diretos incidentes sobre empresas ou empresários podem ser transladados aos consumidores e/ou aos trabalhadores assalariados. Por ora, satisfaz-se com essa pequena inserção, entretanto reitera-se sua minúcia que se dará a seguir.

De acordo com o que se entende por necessário à pesquisa, estudar-se-á os principais impostos57 de forma que se possa evidenciar, através das fontes legais58, a estrutura tributária brasileira e suas possíveis discrepâncias entre as classes sociais anteriormente delimitadas.

1.2.4.2 Contribuições Especiais

Antes de discorrer sobre essa espécie tributária, enaltece-se a sua significância na vida da população e justifica-se sua escolha somada à espécie “impostos”, posto que as contribuições especiais compreendem as contribuições sociais, além das contribuições de interesse das categorias profissionais e as de intervenção de domínio econômico (MACHADO, 2005).

57 Imposto Sobre a Renda (IR), Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre a

Propriedade Territorial Rural (ITR), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre a Transmissão “Causa Mortis” ou Doação (ITCD), Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

58 Instrução Normativa RFB nº 1.500/2014; Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017; Decreto nº 3.000,

de 26 de março de 1999; Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014; Lei Nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995; Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010; Lei Nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996; - Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996; Protocolo 11/91, de 21 de maio de 1991; Decreto Nº 32.144, de 30 de dezembro de 1985; Decreto nº 33.156, de 31 de março de 1989; Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003; Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966; Lei 8212/91; IN 971/09; Decreto 3048/99; Lei 8036/1990; Lei 9249/95; Decreto Lei 5452/43 e CF/88 e demais legislações.

Abordar-se-á, em tempo, uma das principais diferenças entre a espécie “impostos” e a espécie “contribuições especiais”. Tal diferença reside no fato de que, enquanto a primeira tem sua arrecadação desvinculada — ou seja, o executivo gasta ou investe, observados os limites legais, nas áreas que bem decidir, usando de certa discricionariedade —, a última só pode ter sua arrecadação gasta com plena vinculação59. Auxilia nessa interpretação o que se segue:

As contribuições devem ser vistas como espécie tributária distinta dos impostos e taxas. Não se confundem com os impostos por terem i) fundamento constitucional distinto, a ser submetido a contraste constitucional (necessidade e adequação da atuação) e ii) destinação vinculada. (BARRETO, 2006, p. 71).

Não satisfeito, acrescentou Barreto (2006, p. 71) que “a necessidade geral de arrecadação não autoriza a instituição de contribuição”. Assim, evidencia-se que as contribuições especiais só podem tomar forma de tributo e ser de fato instituídas se tiverem um fim específico de destinação marcado pelo então financiamento do Estado como, por exemplo, nas contribuições à seguridade social, aos conselhos profissionais, dentre outros, cuja vinculação seja expressa.

Através da interpretação literária do artigo 149 da CF/8860, são divulgados os três tipos de contribuições especiais: contribuições sociais, contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e, por último, as contribuições de intervenção no domínio econômico, com uma ressalva efetuada pela Emenda Constitucional (EC) 39/02, a qual abarcou as reivindicações municipais para a constituição, agora legalizada, acerca das contribuições para o custeio da iluminação pública. Assim sendo, ao propósito deste estudo, atentar-se-á, prioritariamente, às contribuições sociais advindas do inciso I e II, do art. 195, da CF/88 (PIS61, COFINS62,

59 Devido a imposição deste mandamento constitucional, nas últimas décadas os governantes

brasileiros optaram por desvincularem as receitas oriundas das contribuições sociais, usando tais recursos, principalmente, na obtenção do superávit primário e pagamento dos juros e amortização da dívida pública e deixando de lado o financiamento dos serviços estatais voltados prioritariamente aos que dependem da renda do trabalho deste ou daquele para poderem sobreviver. Para melhor compreensão deste tema recomenda-se a leitura de Salvador (2017), Brettas (2017) e Behring (2017).

60 Constituição Federal do Brasil de 1988.

61 Regulada pela Lei nº 9.715/1998, Lei nº. 10.637 de 30/12/2002 e demais alterações ou normas. 62 Instituída pela LC nº 70/1991 e regulamentada também pela Lei nº. 9.718/1998 e Lei nº.10.833, de

CSLL63 e Contribuições Previdenciárias64), as quais são excrescentes entre as duas classes sociais.

Buscar-se-á através (também) das contribuições sociais imputadas aos trabalhadores assalariados e aos empresários, sempre tendo em vista seus ditames legais, evidenciar possíveis dissemelhanças intrínsecas a essa espécie tributária, na perspectiva de classes sociais. Fato que não impedirá análises exploratórias de outras contribuições, se entendidas necessárias conforme o que se propõe o estudo em tela.

Percebeu-se, logo no início deste capítulo, através das primeiras linhas, o anúncio de um conteúdo que estava por vir revestido de particular complexidade, como é entendido pelo senso comum e também pelos teóricos do STB, que o conceituam como complexo. A figura de linguagem por ora utilizada, a anáfora (complexidade), serve oportunamente para evidenciar e trazer à luz que tal palavra merece tratamento singularizado, afinal, trata-se de uma característica do sistema tributário que está constantemente em pauta. Entretanto, ao se falar em complexidade tributária, pelo menos um questionamento surge quase que inevitavelmente: será que os teóricos desse tema o compreendem de maneira homogênea ou haveria entendimentos dissemelhantes se observados na ótica das classes sociais? Estudar a complexidade é necessário. Ainda assim, poderia ser um tanto insignificante se desconsiderado ou refutado o conceito de cidadania tributária, o qual passará a ser verificado, momento em que surge uma nova suspeita na perspectiva conceitual acerca do assunto: Haveria simetria nos achados científicos sobre a cidadania tributária, tornando esta consolidada na comunidade acadêmica, ou haveria divergências conceituais entre os pesquisadores?