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A Essência das Desigualdades Tributárias Presentes no STB: uma questão

CAPÍTULO 2 A ESTRUTURA DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA

2.1 EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS SOBRE A ESSÊNCIA DO STB

2.1.4 Concentração de Renda e Capital versus Estrutura Tributária Brasileira

2.1.4.3 A Essência das Desigualdades Tributárias Presentes no STB: uma questão

Como demonstrado até este espaço, foram diversas e exponenciais pesquisas que se debruçaram sobre a estrutura tributária brasileira, na perspectiva de que o meio tributário seria capaz de promover maior igualdade social e menor concentração de capital e renda. Convictamente, Lettieri (2017, p.144) afirmou: “Mas, se entre trabalhadores e capitalistas não pairam dúvidas de que estes estão melhor posicionados na distribuição de renda do que aqueles, pela própria essência do capitalismo [...]”. Em sintonia, Introíni e Moretto (2017, p. 405) deduziram:

[...] diante das alterações promovidas no sistema tributário brasileiro, pode- se inferir que os sucessivos recordes de arrecadação verificados desde meados dos anos 1990 ocorreram pela sobrecarga imposta à renda do trabalho e ao consumo [...].

Nesse mesmo caminho, Salvador (2014, p. 19) reconheceu que “[...] os mais pobres e os trabalhadores assalariados são responsáveis por 71,38% do montante de impostos, contribuições e taxas arrecadadas pelo fundo público no Brasil [...]”, palavras que interagem de forma síncrona aos escritos de Gobetti e Orair (2015, p. 17), os quais postulam “[...] confere grandes vantagens tributárias aos rendimentos do capital, em relação à tributação dos rendimentos do trabalho [...]”.

A compreensão das evidências trazidas por essas e outras pesquisas alicerçaram ainda mais a hipótese do presente estudo, de que a verdadeira desigualdade tributária não está entre pobres e ricos, consumidores de bens essenciais ou proprietários de aeronaves, poupadores, investidores, ou ainda, dentre

as “classes” baixa, média e alta, mas sim: na indiscutível dissemelhança do tratamento tributário entre a classe empresarial frente à classe trabalhadora assalariada. É habitual -—e aqui se tece uma crítica —, na literatura que se dedica aos estudos críticos do Sistema Tributário Brasileiro, o uso de termos genéricos, como se, por exemplo, as desigualdades tributárias estivessem presentes como um mero fim nas pessoas de cada grupo acima citado. A compreensão desta pesquisa é justamente ao contrário: as pessoas tornaram-se do setor baixo, médio ou alto, consumidores ou poupadores, ricos ou pobres, não apenas, mas com o auxílio íntimo do STB que, ao fundo, está segregado notoriamente — pode-se observar pelas próprias palavras das pesquisas acima transcritas — entre empresários e trabalhadores assalariados.

Não se está, de modo algum, a se afirmar que inexistam discrepâncias tributárias ao comparar a tributação que recai sobre o patrimônio frente à tributação incidente sobre o consumo, por exemplo. Contudo, é um tanto ingênuo “ou não”, a depender, tratar a base econômica do consumo, da renda ou do patrimônio como um fim nelas mesmas, quando as próprias pesquisas demonstram clara e evidentemente que, proporcional à renda dos trabalhadores, estes estão submersos ao consumo — e concomitantemente altamente tributados em sua renda oriunda do trabalho — que satisfaz suas necessidades mais básicas, ou pouco além disso, enquanto os empresários estão acomodados na base econômica de incidência do patrimônio e da renda desonerada tributariamente — principalmente os que pertencem ao topo da concentração de capital e renda, previamente expostos — e que se beneficiam do tratamento que lhes foi imputado pelo STB, não por serem “ricos” ou da “classe alta”, mas pela histórica singularidade da classe social à qual pertencem.

O afirmado acima, é de transparente comprovação empírica: não há um único dizer, ainda que nas entrelinhas ou de forma explícita, na legislação que compõe o STB, que distinga tributariamente ricos de pobres, porém há uma tributação central, específica e prática, que discrimina com lacunas abismais a renda180, o capital181 e o

180 Existe relativo consenso que a renda do trabalho é substancialmente mais tributada do que a renda

advinda dos ganhos empresárias.

181 A tributação sobre o patrimônio das empresas, como será em seguida comprovado, é

significativamente menor do que a tributação sobre os escassos bens de necessidades básicas dos trabalhadores, como o carro de passeio, a casa, etc.

consumo182 dos trabalhadores assalariados frente às mesmas bases de incidência, mas originárias das fontes de renda e riqueza dos empresários. Ricos ou pobres, consumidores ou poupadores/investidores, precisam ser vistos muito mais como resultado do que como elementos expostos à tributação, tampouco como base, pois a base ou o âmago da estrutura tributária encontra-se na tributação escancaradamente heterogênea entre trabalhadores e empresários.

James O’Connor (1977, p. 203), ao se dedicar com aprofundamento ao sistema tributário e ao fundo público norte-americano, assim destacou: “As finanças tributárias (e isto vale para todas as épocas) são forma de exploração econômica e, portanto, um problema que requer análise de classe”. Mas, para além disso, e talvez como uma das causas da propagação dos termos genéricos utilizados por parte de algumas pesquisas observadas, o autor (p. 203) desmistifica: “Portanto, o estado deve tentar criar formas tributárias equitativas para esconder o conteúdo não equitativo da estrutura dos tributos e a natureza exploradora da estrutura classista”.

O presente estudo reitera o reconhecimento indelével sobre as contribuições formuladas por todas (sem distinções) pesquisas descritas, mas não se manterá sem tomar parte na discussão. Reconhece-se que enfrentar o tema de classes é por vezes dificultoso, contudo esta pesquisa não conceberá como medida definitiva, embora, sem dúvida, benéfica a maior parcela da sociedade, alterar a lei “x” ou “y”, pois é preciso ter “os pés no chão” e ter ciência, sem nunca deixar de observar a história da economia política, de como se dá o funcionamento do sistema capitalista, das premissas estruturais básicas à sua sobrevivência e das limitações socioeconômicas necessárias ao seu desenvolvimento.

Destarte, qualquer análise que se faça sobre as desigualdades e concentração de renda e capital inerentes ao STB precisa debruçar-se sobre a essência que é ofuscada pela forma (legislações norteadas por princípios meramente formais, como o da isonomia e da capacidade contributiva elencados na CF/88), sob pena de tender ao tecnicismo e/ou a manutenção do status quo. O STB mostra-se formalmente como neutro e isonômico, mas carrega consigo a essência (a qual foi em parte vista, mas

182 Ambos, empresários e trabalhadores, consomem, contudo, proporcionalmente à renda, são

diminutos os gastos que os primeiros têm com o consumo, enquanto os últimos gastam boa parte dos seus salários, quando não todo, com despesas de consumo. Tributar o consumo, em análise mais acurada, significa uma clara opção de tributar os trabalhadores, muito mais que os empresários, principalmente os que estão no topo da distribuição de renda.

que será doravante mais bem exposta) da formação da sociedade capitalista, na qual reside a contradição central desse sistema entre os donos do capital e os possuidores da força de trabalho. A estrutura tributária que foi e estará sendo evidenciada é (e foi) nitidamente dividida e largamente diferenciada entre as classes sociais. Nesse mesmo sentido, reitera-se, quando se verifica a incidência tributária maior sobre a base econômica de incidência do consumo do que as bases patrimônio e renda, que é preciso questionar qual é a classe social que proporcionalmente possui mais renda e patrimônio e qual é a que pouco faz além de poder consumir, para, então, passar a compreender os reais motivos dessa formatação tributária. As crenças pós-modernas da superação do capitalismo caem por terra quando se verifica a essência do STB, o qual auxilia na concentração e desigualdade de renda e capital firmando-se, ele próprio, como um mecanismo exploratório da classe trabalhadora e útil ao empresariado. Os aspectos legais e formais do Estado são expressões corolárias do poder hegemônico presente na sociedade capitalista. Assim sendo, não podem ser vistos como resultantes da justiça, mas sim da histórica exploração da classe trabalhadora. No capítulo 3, será apresentada uma série de dados que desmistificam e comprovam a real estrutura do STB.