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CAPÍTULO 1 PREFÁCIO DA DESIGUALDADE TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1.2 COMPREENSÃO TRIBUTÁRIA: UM CAMINHO A SER TRILHADO

1.2.1 Tributação: um fim ou um meio?

Preliminarmente, vale trazer à luz, conforme orientou Pereira (2009), que o próprio tema “políticas sociais” ou mesmo “Estado Social” foram muito pouco trabalhados até o século XX. Os autores clássicos do século XIX como Weber, Durkheim e Marx (influentes no pensamento contemporâneo), apesar de terem algumas opiniões radicalmente contrárias no tocante à categoria “Estado46”, tinham em comum a postulação de sua incompetência no provimento da emancipação da população. Ao contrário, o Estado (Social), aquele que promoveria políticas sociais, para os três autores não resultaria em avanços a favor da emancipação humana, sendo aquele (o Estado) dotado de outras finalidades que não a promoção da igualdade. Entretanto, embora não sejam abordadas com profundidade as teorias sobre o Estado, serão identificadas a seguir (no próximo item) as principais concepções da formação dos diferentes Estados Fiscais.

A fim de iniciar o devido esclarecimento, observou-se que a maioria dos estudos acadêmicos sobre a tributação no Brasil advém de pesquisas oriundas do direito tributário, cujo principal enfoque emerge das normativas tributárias, sendo que tais pesquisas, não raras vezes, relacionam os tributos como um fim em si mesmos, puramente arrecadatório e financiador das atividades estatais. Dessa forma, tais pesquisas revelam-se predominantemente positivistas e normativistas47.

46 Os temas Estado e Sociedade Civil não serão aprofundados por não integrarem os objetivos

propostos por este estudo. Entretanto, devido a esta pesquisa tratar de um assunto íntimo ao Estado e à sociedade, indicam-se as seguintes leituras para o entendimento (crítico e não crítico) dessas categorias: ), Platão (2000), Maquiavel (1513), Weber (1996; 1991; 2004), Rousseau (S/D), Smith (1996), Hobbes e Locke apud Montaños e Duriguetto (2011), Marx (1859; 1985; 1989; 1996; 2011), Marx e Engels (1999; 2010), Hobsbawm (1982), Keynes (1996), Hayek (2010), Guiddens (1999) e Piketty (2014, Wood (2011; 2014), Harvey (1996; 2005; 2008), Clarke e Newman (2011), O’Conor (1977), Peroni (2012; 2015), Ball (2012), Ong (2007), Apple (2003), Ball e Olmedo (2015), Rocha (2015), Chang (2018), Moraes (2001), Paulo (2015), Dillenburg (2011), Pereira (2009) e Montaños e Duriguetto (2011).

47 O mais significativo autor no que concerne ao normativismo e à sua interpretação é Kelsen e sua

hermenêutica, o qual afirmou que, sem normas, toda decisão entre mais de uma alternativa é irracional, livre, volitiva e incontrolável (KELSEN apud FOLLONI, 2013).

Não se tem por propósito discorrer com profundidade ou exaustão sobre o positivismo jurídico tributário, embora seja uma informação histórica relevante à composição da investigação. Isso porque, como se verá, esse viés positivista induziu a inflexões sobre a tributação, como se esta tivesse um fim em si mesma, não como um meio para angariar concomitantemente fins políticos, sociais, econômicos e mesmo de anseios de classes. Nesse sentido, relata-se que o positivismo jurídico possui uma corrente muito atuante no país, a qual teve como grande colaborador o jurista e filosofo austríaco Hans Kelsen (1999, p. 1):

Quando a si própria se designa como “Pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Isso quer dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos.

Diz-se que Kelsen ao intitular o direito como puro o desvinculou do direito moral (STRECK, 2014).

A fim de não deixar dúvida do positivismo que fora acolhido na maioria dos estudos inerentes ao STB, levar-se-á em conta um jurista brasileiro (José Geraldo de Ataliba Nogueira) que teve grande influência no ramo do direito tributário. Ataliba (2012) aponta que o conceito jurídico de tributo foi construído sob a égide de princípios e técnicas jurídicas sistemáticas. Segundo o autor:

O direito constrói suas próprias realidades, com especificidade, característica e natureza própria” e, por conseguinte, afirma: “Não se pode pretender deixar de lado o discernimento lógico e impostergável entre objeto do tributo, o comportamento humano, e o objeto deste inserido no mundo fático, o dinheiro. (ATALIBA, 2012, p. 23).

Na mesma ótica, Becker (2002, p. 596) acrescentou que, “como todo o Direito Positivo, o Direito Tributário tem natureza instrumental e seu ‘objetivo próprio’ (razão de existir) é ser um instrumento a serviço de uma Política”.

Percebe-se, no trecho transcrito abaixo, de Alexandre de Moraes (1999), ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a importância dada às normas ao se falar em tributos:

A inércia da União em regulamentar as matérias constantes no art. 24 da Constituição Federal não impedirá ao Estado membro ou ao Distrito Federal a regulamentação da disciplina constitucional (competência supletiva). Note- se que, em virtude da ausência de Lei Federal, o Estado membro ou o Distrito Federal adquirirão competência PLENA tanto para a edição de normas de caráter geral quanto específico. (MORAES, 1999, p. 280).

Como anunciado, retorna-se na afirmativa de que a tributação “ganhou” relevo de “um fim em si mesma”, uma vez que o caráter positivista de boa parte de seu estudo passou então a mitigar discussões mais abrangentes e complexas sobre a arrecadação e sua aplicação (MARINS, 2009). Em outras palavras, de certa forma, as questões sociais e políticas foram rechaçadas em aspectos importantes das pesquisas sobre o direito tributário, como se este não estivesse presente nos debates políticos, sociais e econômicos, terrenos onde são e foram discutidas e desenvolvidas a estrutura tributária, os setores que serão mais ou menos tributados, qual classe social arcará com o maior ônus tributário etc. Nesse sentido, elucidaram Gassen et al. (2016, p. 5):

Há, infelizmente, um silêncio perturbador no meio acadêmico que afasta o fenômeno da tributação de uma análise dogmática e crítica em uma perspectiva inter e/ou transdisciplinar. Como resultado, há uma reprodução persistente de um conhecimento dogmático propositadamente afastado das relações econômicas, políticas e sociais existentes na sociedade brasileira.

Atualmente, aos poucos, vem sendo superado esse olhar singular sobre a tributação. O próprio autor supramencionado entrelaçou, em seus estudos, o fenômeno tributário inexoravelmente interligado à uma conjuntura onde os fins políticos, sociais e econômicos se encontram intimamente conexos à forma de tributar, como um meio angariador de tais fins, descrevendo esse agrupamento no conceito de matriz tributária48.

Conforme um dos intelectuais preocupados com a questão da relação entre a tributação e a desigualdade socioeconômica, Antônio David Cattani (2018), no Brasil, o número de pesquisadores que se dedicam a estudar a tributação em termos mais amplos e críticos não passa de 10 (dez) a 12 (doze), no entanto, segundo sua crítica, existe um vasto número de sociólogos, antropólogos, economistas e formuladores de

48 Não será abordado com profundidade tal conceito, contudo, Gassen (2016), o descreve de forma

sintética, como sendo a matriz tributária brasileira delimitada por anseios políticos. Uma perspectiva para pensar o Estado, a Constituição e a tributação no Brasil.

políticas públicas legítimas aos pobres que estudam apenas este polo, o da pobreza, como se o lado da riqueza fosse blindado às pesquisas.

1.2.2 Funções da Tributação em Diferentes Estados Fiscais: Liberal, Social e