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CAPÍTULO II – A NATUREZA DOS DIREITOS SOCIAIS

5. Classificação dos direitos como negativos e positivos

Ao analisar a questão sob a perspectiva das ações esperadas do Estado151, talvez haja uma inclinação natural para perceber que os direitos de liberdade conferem um direito de agir ao indivíduo frente ao Estado, a quem caberá o dever de abstenção. Seria, portanto, um direito negativo, sem necessidade de uma prestação direta, pois estaria satisfeito com a simples defesa em face do Estado, através de uma abstenção deste. Por sua vez, os direitos sociais, na famosa classificação dos direitos de prestação, exigiriam do Estado uma ação no sentido de promover o direito reivindicado. Esta prestação configuraria um “fazer”, caracterizando, assim, um direito positivo do indivíduo.

Embora esta seja uma divisão comum na tentativa de classificar e definir os direitos fundamentais, diferenciando-os como negativos (ou de defesa) e positivos (ou de prestação)152, a evolução do tema e sua concretização na moderna realidade do Estado de Direito tem revelado que esta não seria a melhor abordagem, nomeadamente porque reduziria os direitos fundamentais a duas categorias estanques de direitos que estariam satisfeitas com a ação ou abstenção do Estado, não adentrando nos detalhes e peculiaridades inerentes a cada situação.

Para melhor compreensão do reducionismo desta classificação, basta considerar que a garantia de vários direitos de liberdade está sujeita a um agir do Estado, não sendo plenamente exercitável com a mera abstenção do ente estatal. Neste sentido, a garantia

150 Cf. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, op. cit., p. 128.

151 Sobre a doutrina dos status de Jellinek, Jorge Reis Novais aborda a questão da divisão proposta entre direitos positivos e negativos. Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais…, op. cit., pp. 135 e ss. Ainda sobre o assunto, cf. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, op. cit., p. 128. Ver, por fim, a análise da teoria dos status de Jellinek na perspectiva de Alexy. Cf. ROBERT ALEXY, Teoria

dos Direitos Fundamentais, op. cit., pp. 254/275.

152 Sobre a posição de alguns acerca de uma “distinção capital” entre os direitos fundamentais ancorada na divisão entre direitos negativos e positivos, cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais..., op. cit., pp. 367 e ss.

e a proteção dos direitos de liberdade, como liberdade de expressão, inafastabilidade do acesso à justiça, exercício da cidadania através do voto, dentre tantos outros, exigem do Estado uma ação efetiva através de uma estrutura física e humana que permita ao indivíduo demandar em defesa de seu direito, não bastando, assim, uma simples abstenção do Estado153.

Por outro lado, os direitos sociais, embora tradicionalmente considerados como essencialmente positivos, exigem, em várias circunstâncias, a abstenção do Estado, refletindo aquilo que seria interpretado como uma característica de um direito de liberdade. À guisa de ilustração, tome-se como exemplo a garantia e a proteção do direito ao trabalho, lazer, moradia, saúde, dentre outros, os quais, quando diretamente custeados pelo próprio indivíduo, não podem, em princípio, ser embaraçados pela ação do Estado154.

Ao considerar a “natureza da posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular do direito”, Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que os direitos sociais tanto abrangem direitos prestacionais, assumindo aí um caráter positivo, quanto alcançam posições defensivas, numa clara atuação negativa. Da mesma forma, o autor reconhece que os direitos de liberdade também assumem uma dimensão ativa, na medida em que caberia ao Estado uma atuação positiva na efetivação destes direitos155.

De qualquer sorte, esta divisão em direitos positivos e negativos tem conduzido outros debates, notadamente a respeito dos custos dos direitos, tornando o tema limitado no que pertine a seus reais e efetivos resultados, já que a desconsideração da natureza dúplice de ambos os direitos acaba por restringir os direitos fundamentais a posições estanques e sujeitas a abordagens que os limitam em sua efetividade.

Por tais razões, mais razoável do que traçar uma divisão fundada entre o “agir” e o “não agir” estatal, ou mesmo na “abstenção” ou “prestação” da atuação do Estado, afigura-se mais consentâneo e esclarecedor analisar os direitos de liberdade e sociais sob o ponto de vista da posição estatal a ser exigida em cada um dos direitos. Para tanto, leva-se em

153 Neste sentido, destaca Cristina Queiroz que a garantia dos “clássicos direitos de defesa” requerem do Estado “não apenas proibições de interferências dos poderes públicos”, sendo necessário providenciar “numerosas e complexas condições institucionais do respectivo exercício e garantia”. Cf. CRISTINA QUEIROZ, op. cit., p. 07.

154 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais..., op. cit., p. 376.

155 Cf. INGO WOLFGANG SARLET, “Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição Federal de 1988:

consideração que ambos se tratam de direitos fundamentais, devendo a atuação do Estado variar, unicamente, de acordo com as circunstâncias e posição enfrentada pelo indivíduo.

Assim, sobretudo na apreciação judicial das normas de direitos sociais, como será abordado na segunda parte desta obra, a diferenciação entre direitos “negativos” e “positivos” não oferece subsídios dogmáticos para seu enquadramento a nível de direitos fundamentais, estando muito mais associada à ação do Estado e aos custos envolvidos nas tarefas correspondentes, do que propriamente na natureza do direito em questão e sua necessidade para o indivíduo156.

156 Neste sentido, Jorge Reis Novais destaca que as mudanças ocorridas no Estado Constitucional no século XX promoveram uma ampliação significativa no elenco dos direitos fundamentais e na concepção sobre a atuação do Estado, podendo observar “uma tendencial e inevitável unificação dogmática no tratamento jurídico-constitucional de direitos de liberdade e de direitos sociais”. Assim, sobretudo nos países que positivaram os direitos sociais no Texto Constitucional, ressalta o autor que a “unificação dogmática é uma inevitabilidade lógica”. Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais..., op. cit., pp. 306/307.