• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – APLICABILIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

2. A positivação dos direitos sociais

Ainda que não seja objeto da presente investigação o estudo individualizado dos direitos sociais contemplados nas normas respectivas, já que o objetivo do trabalho é restrito à compreensão da teoria dos direitos sociais, importa reiterar, como já estudado em tópicos pretéritos163, que a constitucionalização dos direitos sociais inicia-se com a Constituição mexicana de 1917, sendo que somente após a segunda guerra mundial foi que a maior parte das nações ocidentais passou a garantir estes direitos em nível Constitucional164.

É bem verdade que já haviam normas de direitos sociais esparsas em alguns Ordenamentos, mas, como ressalta Konrad Hesse, apesar de razões históricas e culturais justificarem a positivação dos direitos sociais, somente a posição de vantagem no preceito constitucional é capaz de conferir a natureza jusfundamental165. De fato, como assinala Canotilho, é necessário que o direito fundamental seja positivado numa posição superior no Ordenamento, ou seja, nas normas constitucionais166.

Por sua vez, Catarina Santos Botelho adverte não ser suficiente a enunciação constitucional dos direitos sociais para expressar, de plano, a dimensão social do Texto Constitucional, até porque o Estado Social seria muito mais amplo do que a noção de direitos sociais167. De fato, a observação da autora é pertinente, até porque o exemplo da Alemanha se apresenta emblemático no campo da efetivação de direitos sociais sem que estes tenham lugar de forma expressa no corpo da Constituição.

163 Vide item 4, do Capítulo I, do Título I.

164 Apesar de se autoproclamar um Estado Social (artigo 20), a Lei Federal da Alemanha não adotou uma sistematização de direitos sociais. Longe de ser um esquecimento ou mesmo uma discordância do modelo de Estado, adverte Jorge Reis Novais que esta foi uma decisão intencional do Legislador alemão por não estar seguro de que a positivação constitucional dos direitos sociais fosse a melhor forma de normatizar a matéria, haja vista “a especificidade estrutural destes direitos”. Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos

Sociais..., op. cit., p. 86. Ainda sobre o contexto alemão e a compreensão dos direitos sociais, cf.

CRISTINA QUEIROZ, op. cit., pp. 63/64.

165 Cf. KONRAD HESSE, Temas Fundamentais de Direito Constitucional, op. cit., p. 26.

166 Cf. J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, op. cit., p. 377.

167 A autora cita, como exemplo, a Lei Fundamental alemã, a qual não adotou uma sistemática de positivação de direitos sociais em seu texto, mas o Estado desenvolve uma política de proteção aos direitos sociais muito superior a vários outros Estados que trouxeram a previsão em suas Constituições. Cf. CATARINA SANTOS BOTELHO, Os Direitos Sociais..., op. cit., pp. 165/166.

De qualquer sorte, inobstante possa ser encontrado um ou outro Ordenamento com esta característica jurídico-política, o certo é que a relevância dos direitos sociais como fundamentais requer exatamente o reconhecimento expresso, a posição de vantagem que só a norma Constitucional pode conferir. Em regra, somente através desta positivação é que, efetivamente, disporá o indivíduo de uma proteção segura, um direito que proporcione um verdadeiro trunfo perante o Estado168.

Como se observa, a positivação dos direitos fundamentais não consiste numa simples declaração de vontade pelo Estado, tampouco uma mera formalidade na organicidade do Ordenamento. Em verdade, é através do firmamento expresso da natureza fundamental dos direitos reconhecidamente indispensáveis para a existência digna da pessoa humana que se concebe a real proteção do indivíduo, o qual poderá se utilizar da garantia constitucional contra atos estatais que possa, inclusive, refletir o desejo da maioria.

Esta é, sem dúvida, a maior virtude do direito fundamental expressamente consignado constitucionalmente: servir como verdadeira garantia, uma espécie de trunfo a possibilitar a defesa da posição individual conferida, a despeito dos interesses e normas contrários. Constitui, assim, como ressalta Vieira de Andrade, “um núcleo restrito que se impõe a qualquer ordem jurídica”169.

Claro está – e isto faz parte da própria essência do Direito – que a garantia conferida ao indivíduo, ainda que detentora de natureza jusfundamental, pode ter que ceder em face de determinadas circunstâncias especiais, especialmente quando se está diante de conflito entre direitos de mesma força constitucional. Obviamente, esta cedência não está relacionada à fragilidade da garantia em questão, tampouco ao apoio popular da medida restritiva, mas sim à necessidade de compatibilização do direito fundamental reivindicado com outros direitos qualificados como “igualmente dignos de proteção jurídica”, como

168 Sobre os direitos fundamentais na qualidade de garantias jurídico-constitucionais fortes nas mãos de seus titulares, Jorge Reis Novais aborda a questão de forma ampla, inspirado nas lições de Dworkin, para quem uma garantia jurídica forte equivaleria a um trunfo num jogo de cartas. Para o autor, o Estado não poderia, ainda que fundado na eventual necessidade da coletividade, adotar medidas que restringissem os direitos “individuais trunfados”, pois o cidadão estaria garantido por um direito fundamental que prevaleceria em face das circunstâncias. Cf. JORGE REIS NOVAIS, As restrições aos Direitos

Fundamentais não Expressamente..., op. cit., pp. 602 e ss.

169 Cf. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, op. cit., p. 19.

reconhece Jorge Reis Novais170.

De se antecipar, já que o assunto será desenvolvido com mais profundidade por ocasião da análise dos conflitos das normas de direitos sociais171, que eventual restrição ou não aplicação plena de um direito social em favor do indivíduo tem como fundamento, em sua essência, respeitadas as peculiaridades e circunstâncias específicas, o mesmo fator que impõe as restrições aos direitos de liberdade, ou seja, o direito fundamental de terceiro. É exatamente a garantia que é conferida pelos direitos fundamentais de cada indivíduo que acarreta a necessidade de, eventualmente, defrontar-se com a inevitável cedência destes direitos, o que deverá ser orientado pelos parâmetros adequados, a fim de que os direitos possam ser compatibilizados numa organicidade una e lógica.