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Estado Social de Direito Democrático como protetor dos direitos fundamentais

No processo de evolução do Estado, nota-se, sobretudo na primeira metade do século XX, a adequação do funcionamento deste organismo às finalidades e anseios da sociedade. Assim, a assunção do princípio da sociabilidade tornou o Estado um instrumento fundamental para garantia da existência digna da vida humana, exigindo-se uma interligação, sob a atuação do Estado, da atividade econômica com os objetivos políticos definidos65.

Na medida em que esta nova visão e postura do Estado passou a ser indispensável para a existência humana, não se poderia admitir que os direitos reconhecidos como fundamentais para o indivíduo fossem extirpados da ordem jurídica como forma de “liberar” o compromisso do Estado. Ao contrário, a partir de então não seria suficiente ao Estado entregar ao indivíduo um rol de direitos positivados, porquanto, para além disso, seria necessário que o Estado garantisse que aquelas normas compreendidas como fundamentais fossem cumpridas a despeito das oposições ocasionais causadas por divergências ideológicas66.

É bem verdade que a possibilidade de atuação do Estado na defesa dos direitos do indivíduo já havia sido reconhecida no início do século XIX, através de julgamento da Suprema Corte americana, na célebre decisão do Juiz Marshall67. Contudo, passados mais de um século e meio, a nova compreensão dos direitos fundamentais68, em especial em solo europeu, achava-se ainda mais fortalecida com a aceitação da Constituição como instrumento

65 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Contributo para uma teoria de Estado de Direito, op. cit., pp. 183/185.

66 Cf. CATARINA SANTOS BOTELHO, A tutela directa dos direitos fundamentais: avanços e recuos na dinâmica garantística das justiças constitucional, administrativa e Internacional, Almedina, Coimbra,

2010, p. 23.

67 É de se destacar que a visão de soberania da Constituição sobre as demais normas já era um pensamento presente nas ideias jurídico-políticas do século XVIII, tanto que, como adverte Adhemar Fereira Maciel ao se referir à Constituição americana, “a questão era tão pacífica e consensual entre os constituintes, que se deixou de colocar a competência expressamente na Constituição”. Cf. ADHEMAR FERREIRA MACIEL,

op. cit., p. 80.

68 A temática dos direitos fundamentais, com sua evolução e questionamentos acerca dos direitos que teriam natureza jusfundamental será analisada no decorrer do “capítulo 2”, oportunidade na qual se buscará um enquadramento adequado dos direitos. Assim, partimos, neste momento, do entendimento de que os direitos sociais também integram os direitos fundamentais, cabendo ao Estado atuar de forma indistinta, respeitadas as características específicas de efetividade de cada direito.

essencialmente jurídico69, impondo-se ao Estado uma atuação efetivamente voltada para a proteção destes direitos.

Agora, portanto, além de simplesmente positivar os direitos sociais, o Estado Social de Direito que protege os direitos fundamentais é identificado pelo compromisso na garantia destes direitos mais indispensáveis para existência humana. A caracterização deste modelo vai além do Estado que atua em respeito às leis como sujeito de direitos e deveres. Mais do que isto, o Estado de Direito, a partir da segunda metade do século XX70, passou a existir em submissão às normas constitucionais que resguardam a dignidade da pessoa humana e garantem os direitos fundamentais, sendo dotado de instituições comprometidas na proteção destes direitos71.

Esta nova perspectiva na concepção do Estado decorreu do reposicionamento do indivíduo frente ao Estado, o que em muito resulta da concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, a partir do qual a condição de vida humana tem papel preponderante nos fins do Estado. Assim, já não mais seria o indivíduo em prol do Estado, mas este em função do indivíduo72. Firmado o Estado, portanto, como responsável por garantir os direitos fundamentais do indivíduo, haveria a necessidade de um sistema conjugado capaz de preservar estes direitos, evitando-se que eventual discordância política

69 Somente após a segunda guerra mundial foi que os países europeu reconheceram que o Estado de legalidade, baseado na simples obediência à lei, não resguardava os direitos fundamentais do cidadão, pois, formalmente, as ações da Alemanha nazista teriam sido respaldadas pela letra da Lei. Diante deste dilema, a Constituição, até então compreendida como documento político, de caráter simbólico, passou a ter relevância no Ordenamento Jurídico, aplicando-se como base e fundamento para as demais normas, as quais lhe deviam obediência. Cf. JORGE REIS NOVAIS, Em Defesa do Tribunal Constitucional, op. cit., p. 31. No mesmo sentido, cf. LUÍS ROBERTO BARROSO, Curso de Direito Constitucional

Contemporâneo..., op. cit., p. 296.

70 Ao abordar a evolução do Estado na perspectiva de um moderno “Estado fiscal”, cujo financiamento de suas atividades decorreria do recolhimento de tributos, José Casalta Nabais destaca que a crise do estado nos últimos anos está mais afeta a sua vertente “social”. Cf. JOSÉ CASALTA NABAIS, “Da sustentabilidade ao estado fiscal”, in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes

Canotilho, Vol. IV, pp. 421/448, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 426/427.

71 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional em Estado de Direito

Democrático, op. cit., p. 17.

72 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, 1ª ed.,

Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 52. Citando célebre pensamento de Herbert Krueger, de meados do século XX, Paulo Bonavides reafirma que o núcleo das transformações constitucionais reside no reconhecimento de que, agora, “já não são os direitos fundamentais que valem unicamente na moldura das leis, mas as leis na moldura dos direitos fundamentais”. Cf. PAULO BONAVIDES, Curso de Direito

aniquilasse a previsão normativa73.

Por conta desta “revolução constitucional do segundo Estado de Direito”, como afirma Paulo Bonavides, os direitos fundamentais passaram a ter primazia na estrutura e finalidade do Estado, de onde provem, inclusive, a legitimidade do próprio Ordenamento Jurídico, já que neste modelo o “Estado avulta menos e a Sociedade mais”74. Assim, o Estado Social de Direito, hoje, justifica-se, legitima-se e atua em defesa dos direitos fundamentais75.

73 Ao tratar do processo de positivação, institucionalização e garantia dos direitos, José de Melo Alexandrino pontua a evolução do Estado moderno fundada em “quatro linhas”: “positivação dos direitos na Constituição”; reconhecimento de novos direitos, dentre os quais os direitos sociais; desenvolvimento progressivo do modelo de Estado; e, por último, aperfeiçoamento dos “mecanismo jurídicos operacionais dirigidos à tutela efectiva dos direitos fundamentais”. Cf. JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Direitos

Fundamentais: Introdução Geral, 2ª ed., Cascais, Princípia, 2011, pp. 17/18.

74 Cf. PAULO BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, op. cit., p. 33.

75 Para Perez Luño, os direitos fundamentais, no curso da evolução do Estado, funcionam, atualmente, como conjunto de valores a definir “la acción positiva de los poderes públicos”, deixando ser apenas garantias negativas dos interesses individuais. Cf. ANTONIO-ENRIQUE PEREZ LUÑO, op. cit., p. 21.