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Classificação das sentenças

Para a ciência do Direito, como ensinou Francesco Carnelutti, a classificação serve como forma de identificar, por meio de um único critério, características comuns entre objetos, a fim de separar objetos com características comuns em classes, tudo com o propósito de melhor compreender esses objetos, que, a rigor, são convencionados pela vontade humana79.

Nesse sentido, a classificação das sentenças tem o propósito de entender o que são e como atuam esses pronunciamentos judiciais, o que interessa, sobretudo, para determinar seu modo de cumprimento, caso não sejam respeitados espontaneamente pelo réu.

Há, preponderantemente, duas correntes a respeito da classificação das sentenças: a ternária e a quinária.

A primeira, sustentada, entre outros, por Humberto Theodoro Jr.80, classifica as sentenças em declaratória, constitutiva e condenatória.

Prevista expressamente no art. 4º do CPC, a sentença declaratória é a que declara a existência ou a inexistência de uma situação jurídica, assim como reconhece a autenticidade ou a falsidade de um documento. Salvo a hipótese do inciso II do art. 4º do CPC, a sentença declaratória não ter por objeto nenhuma situação de fato, mas apenas uma determinada situação jurídica.

A sentença declaratória, normalmente, reconhece a existência de uma situação jurídica como forma prevenir a ocorrência de violação ao direito material. Porém, o parágrafo único do art. 4º do CPC prevê a possibilidade de a sentença

78 Nem sempre a distinção entre efeitos secundários da sentença e pedido sucessivo é simples. Caso peça

a nulidade do contrato, o autor deve também pedir a condenação do réu a lhe devolver as quantias pagas por força desse mesmo contrato? Se se entender que a devolução das quantias é um efeito secundário da sentença de nulidade, como o autor executará o réu, se a sentença tem natureza constitutiva? Para quem interpreta extensivamente o art. 475-N, inciso I, do CPC, a sentença constitutiva pode ser executada.

79 Metodologia do direito. Campinas: Bookseller, 2000, p. 57-59.

31 declaratória reconhecer não só a existência de um direito material, mas também a violação a esse direito, declarando, mais precisamente, a responsabilidade do agente do ato ilícito a repará-lo. Esse caso de sentença declaratória, também chamada de sentença declaratória impura, é incomum, pois, quando tem seu direito violado, o indivíduo, normalmente, ajuíza uma ação para pedir a condenação do réu a reparar o dano, e não para pedir a declaração de que o réu é responsável pela reparação do dano. Todavia, se o interesse do autor se limitar a essa declaração, tal sentença é viável.

A sentença declaratória, por apenas reconhecer uma situação que já preexistia à propositura da ação, tem efeitos ex tunc, isto é, a declaração tem eficácia desde o momento em que surgiu a situação jurídica ou foi produzido o documento declarado autêntico ou falso. Essa sentença não precisa ser executada, porquanto a declaração judicial, para ser eficaz, não depende do comportamento do réu.

Se a sentença declaratória reconhece uma situação jurídica, a sentença constitutiva tem por objetivo modificá-la. Essa sentença tutela um direito potestativo, que, segundo Giuseppe Chiovenda, é aquele em que o titular pode modificar uma situação jurídica alheia, sem depender do concurso da vontade do sujeito passivo81.

Mais precisamente, a sentença constitutiva cria, altera e extingue uma situação jurídica. Com exceção da sentença de nulidade, que tem efeitos ex tunc, a alteração promovida pela sentença constitutiva tem efeitos ex nunc, isto é, a partir do momento da declaração judicial, e seu comando, assim como o da sentença declaratória, dispensa execução. Como não depende de ato do réu para ser observada, a sentença constitutiva, assim que adquire eficácia, promove a alteração desejada, sem necessidade de realização de nenhuma atividade jurisdicional.

A sentença condenatória, por sua vez, impõe ao réu o cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar. Note-se que, em relação às três espécies de obrigações existentes no plano material, o Código de Processo Civil decompõe a obrigação de dar em obrigação de entregar coisa e obrigação de pagar, com o propósito de tornar peculiar o cumprimento de cada um dessas prestações.

A sentença condenatória, caso não seja cumprida espontaneamente pelo réu, necessita ser executada por meio de uma atividade jurisdicional própria, que, hoje,

81 “Em duas grandes categorias, como já indicarmos, se dividem todos esses direitos: direitos tendentes a

um bem da vida a conseguir-se, antes de tudo, mediante a prestação positiva ou negativa de outros (direitos a uma prestação); direitos tendentes à modificação do estado jurídico existente (direitos potestativos)” (Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio, com anotações de Enrico Tullio Liebman. Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, p. 26).

32 após as reformas que se operam no Código desde 1994, se realiza numa fase do mesmo processo. É por conta da execução promovida no mesmo processo, sine intervallo, que o processo de conhecimento condenatório passou a ser chamado de processo sincrético, porquanto mistura as atividades jurisdicionais de conhecimento e de execução, antes legadas a processos distintos.

A classificação quinária, defendida, entre outros, por Ovídio A. Baptista da Silva82, compreende cinco espécies de sentenças: declaratória, constitutiva, condenatória, executiva83 e mandamental84. Essa classificação, inspirada na doutrina de Pontes de Miranda, adota as mesmas definições da classificação ternária para sentença declaratória e sentença constitutiva, mas distingue sentença condenatória, sentença executiva e sentença mandamental.

Segundo a classificação quinária, sentença condenatória constitui aquela que condena o réu numa obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar, mas sua execução ocorre em processo autônomo.

A sentença executiva também condena o réu numa obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar, mas, ao contrário da sentença condenatória, sua execução dá-se no mesmo processo. A execução, nesse tipo de sentença, é caracterizada por meio de medidas de sub-rogação, em que o Estado cumpre a sentença no lugar do réu.

A sentença mandamental, a seu turno, não condena o réu numa obrigação, mas lhe impõe uma ordem, que deve ser executada no próprio processo, por meio de medidas de coerção. Na sentença mandamental, o Estado limita-se a coagir o réu a cumprir a sentença, sem substituir a sua vontade, para ensejar esse cumprimento.

Expostas as duas classificações, entendo que não faz mais sentido diferenciar sentença condenatória, sentença executiva e sentença mandamental, como sugere a classificação quinária, porque, após as reformas processuais, todas as três sentenças, em regra, são executadas no mesmo processo em que foram proferidas e podem se valer de medidas de sub-rogação ou de coerção. Desaparece, assim, a diferença de eficácia dessas três sentenças, devendo-se ainda levar em conta que, quanto ao conteúdo, não há distinção entre os seus comandos, porque, como ensina Humberto Theodoro Jr., “tanto as que se dizem executivas como as mandamentais realizam a

82 Sentença e coisa julgada. 3 ed. rev. e aum. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 98-104.

83 Prefiro me referir à sentença executiva apenas, sem o adjetivo “lato sensu”, porque é essa a

denominação usada por Pontes de Miranda.

33 essência das condenatórias, isto é, declaram a situação jurídica dos litigantes e ordenam uma prestação de uma parte em favor da outra”85.

Não se pode perder de vista que a forma de cumprimento da sentença (se no mesmo processo ou em outro processo; se por medidas de sub-rogação ou de coerção) é uma questão de técnica processual; entenda-se técnica processual como a

forma prevista em lei para a entrega da tutela jurisdicional. A técnica processual, por

essência, é incapaz de caracterizar uma sentença, o que a determina sempre é o seu conteúdo.

Por fim, a classificação quinária, como bem anotou Barbosa Moreira, comete o pecado de usar dois critérios distintos para classificar as sentenças, o que não é concebível para classificar espécies de um mesmo gênero: as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória são diferenciadas pelo conteúdo; as sentenças condenatória, executiva e mandamental, por sua vez, são distinguidas pelos efeitos sobre o processo86.

Assim, a classificação ternária ainda permanece atual, devendo-se compreender que qualquer sentença que impõe uma conduta ao réu é condenatória, sendo irrelevante, para fins de classificação, sua técnica processual de cumprimento.

85 Curso de direito processual civil. 44 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 1, p. 565-566.

86 “Toda classificação é, antes de mais nada, uma operação lógica. Ora, em qualquer manual elementar de

lógica encontram-se várias regras básicas, e uma delas impõe que o critério classificatório seja uniforme. Aplicado à matéria de que estamos cuidando, ele exclui que se possa legitimamente colocar a tônica, para uma classe, no conteúdo da sentença e, para outra, nos efeitos” (“Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças”. Temas de direito processual: oitavo série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 141).

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CAPÍTULO 2