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Desnecessidade de prequestionamento

AÇÃO RESCISÓRIA POR VIOLAÇÃO DA NORMA JURÍDICA

4.5. Desnecessidade de prequestionamento

Como nos recursos excepcionais, a ação rescisória fundada no inciso V alega violação da norma. Dada a semelhança entre esses meios de impugnação, cumpre saber se a ação rescisória exige prequestionamento da norma alegada como ofendida, ou seja, se a norma tida por violada foi apreciada, implícita ou explicitamente, pela sentença rescindenda.

O prequestionamento é exigido nos recursos excepcionais, porque esses recursos visam a uniformização da interpretação das normas constitucionais e federais. A proteção do direito da parte é apenas consequência dessa uniformização, não constitui, de fato, o objetivo dos recursos excepcionais.

Assim, para fazer a uniformização da interpretação da norma, os recursos excepcionais apenas admitem as decisões judiciais que tenham se manifestado sobre a questão constitucional ou federal a ser enfrentada.

Muito embora seja meio de impugnação de estrito direito, a ação rescisória não visa uniformizar a interpretação das normas jurídicas, tal como os recursos excepcionais, mas constitui meio de tutela do direito material da parte405. É uma ação ajuizada pela parte, para proteger, direta ou indiretamente, o seu direito material, lesado por uma sentença que contém um dos vícios do art. 485 do CPC ou, que a controvérsia decidida pela sentença tenha por origem não o fato gerador instantâneo, mas a situação jurídica de caráter permanente na qual ele se encontra inserido, e que também compõe o suporte desencadeador do fenômeno de incidência. Tal situação, por seu caráter duradouro, está apta a perdurar no tempo, podendo persistir quando, no futuro, houver a repetição de outros fatos geradores instantâneos, semelhantes ao examinado na sentença. Nestes casos, admite-se a eficácia vinculante da sentença também em relação aos eventos recorrentes, que se conservará enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático objeto do juízo de certeza.

4. No caso presente, houve sentença que, bem ou mal, fez juízo a respeito não de uma relação tributária isolada, nascida de um específico fato gerador, mas de uma situação jurídica mais ampla, de trato sucessivo, desobrigando a impetrante de se sujeitar ao recolhimento da contribuição prevista na Lei 7.689/88, considerada inconstitucional. Todavia, o estado de direito foi alterado pelas Leis 7.856/89, 8.034/90 e 8.212/91, cujas disposições não foram, nem poderiam ser, apreciadas pelo provimento anterior transitado em julgado, caracterizando alteração no quadro normativo capaz de fazer cessar sua eficácia vinculante.

5. Configura "violação a literal disposição de lei" (CPC, art. 485, V), dando ensejo á propositura da ação rescisória, não apenas a sua aplicação de forma equivocada, como, também, a negativa de sua aplicação a hipótese em que deveria incidir.

6. Recurso especial provido” (STJ, Primeira Turma, recurso especial nº 638.377/MG, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 03.03.2005).

405 “Também não é certo que a ação rescisória tenha por fito, como o recurso extraordinário, manter a

unidade do direito federal. O remédio da rescisão nunca possuiu tal função” (MIRANDA, Pontes.

Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. corrig. e aum. Rio de Janeiro:

132 especificamente no caso do inciso V, que violou a norma jurídica. Por conseguinte, para o órgão julgador da rescisória, não interessam apenas as sentenças que se pronunciaram sobre a norma ofendida, mas todas as sentenças que ofenderam a norma, seja por ação, seja por omissão. Como diz Pontes de Miranda, “a sentença rescindenda pode ofender, até por omissão, o direito”406.

Portanto, por ser meio de tutela do direito material da parte, a ação rescisória dispensa o prequestionamento da norma violada. Esse é o entendimento da doutrina, especificamente Pontes de Miranda407, Barbosa Moreira408, Sérgio Rizzi409, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha410, Eduardo Talamini411, Bernardo Pimentel Souza412 e Adriane Donadel413.

Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento pacífico no mesmo sentido. Leia-se, para ilustrar, a ementa do julgado mais recente:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Rescisória. Cabimento. Exigência de prequestionamento. Prazo decadencial. Inobservância. Violação efetiva à coisa julgada.

1. Ação rescisória. Cabimento. Exigência de prequestionamento para a sua admissibilidade. Insubsistência. O Supremo Tribunal Federal, à época em que detinha competência para apreciar a negativa de vigência de legislação federal, assentou que as hipóteses enunciadas nos incisos do artigo 485 do Código de Processo Civil evidenciam a inaplicabilidade, à rescisória, do pressuposto concernente ao prequestionamento, dado que a rescisória não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em julgado. Precedentes.

2. Ação rescisória. Julgamento sem observância do prazo bienal. Decadência. Há efetiva violação à coisa julgada, se conhecida e julgada procedente ação rescisória proposta quando já decorrido o prazo bienal, contado a partir do trânsito em julgado da decisão rescindenda. Agravo regimental não provido”414.

406 Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. corrig. e aum. Rio de Janeiro:

Forense, 1976, p. 291.

407 Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. corrig. e aum. Rio de Janeiro:

Forense, 1976, p. 291-292.

408 Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005, p. 132. 409 Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 110-111.

410 Curso de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodium, 2008, v. 3, p. 375. 411 Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 159-160.

412 Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 219. 413 A ação rescisória no direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 148-149. 414 STF, Primeira Turma, agravo regimental no recurso extraordinário 444.810/DF, rel. Min. Eros Grau, j.

133 No Superior Tribunal de Justiça, a matéria não é pacífica415, havendo julgados contra e a favor do prequestionamento na rescisória do inciso V. Leia-se a ementa do julgado mais recente que se manifestou contrário ao prequestionamento:

“Processual civil. Ação rescisória. Literal violação a lei. Art. 485, V, do CPC. Ausência de manifestação no acórdão rescindendo. Desnecessidade.

1. A admissibilidade da ação rescisória fundada em literal violação a lei (art. 485, V, do CPC) não exige que os dispositivos legais supostamente vulnerados tenham sido debatidos no acórdão rescindendo. Precedentes do STF de do STJ.

2. Recurso especial provido”416.

Veja-se, agora, a ementa do acórdão mais recente que se posicionou a favor do prequestionamento:

“Processual civil e previdenciário. Ação rescisória. Violação a literal disposição de lei. Tema não apreciado na decisão rescindenda. Não cabimento. Erro de fato. Não-ocorrência.

1. O cabimento da ação rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC, pressupõe que o julgado rescindendo, ao aplicar determinada norma na decisão da causa, tenha violado sua literalidade, seu sentido, seu propósito. Assim, evidencia-se a inadmissibilidade da ação rescisória com fundamento no referido dispositivo legal quando não há qualquer pronunciamento da questão tida como violada no aresto rescindendo. 2. Para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade do julgado é necessário, dentre outros pressupostos, que "o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente" (Barbosa Moreira, in Comentários ao Código de Processo Civil, Ed.

Forense, 7ª Edição, volume V, nº 86, págs. 147/148). 3. Ação julgada improcedente”417.

Apesar de a sentença rescindenda não precisar cogitar da norma violada, porquanto dispensável o prequestionamento, o autor da rescisória, no entanto, necessita indicar, na petição inicial, a norma ofendida. A indicação da norma violada constitui a causa de pedir da ação rescisória do inciso V e, por isso, precisa ser feita com clareza

415 Anote-se que, no processo trabalhista, a matéria encontra-se pacificada em sentido diverso do processo

civil, tendo o Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, editado a Súmula nº 298: “A conclusão acerca da ocorrência de violação literal de lei pressupõe pronunciamento explícito, na sentença rescindenda, sobre a matéria veiculada”.

416 STJ, Segunda Turma, recurso especial nº 797.127/DF, rel. Min. Castro Meira, j. em 25.11.2008. Com

o mesmo entendimento, existem os julgados REsp 791.199/SP, REsp 741.753/RS e REsp 468.229/SC.

134 pelo autor. Sem apontar a norma infringida, não será possível ao órgão julgador fazer o juízo rescindente, porque não conhecerá o motivo pelo qual o autor entende que a sentença deve ser rescindida. Como assevera Pontes de Mirada, “se houve violação, é preciso que, na ação rescisória, se diga qual foi”418.

Contudo, alguns autores, como Barbosa Moreira419 e Teresa Arruda Alvim Wambier420, mitigam essa exigência, desde que, apesar da omissão do autor, se possa depreender a norma violada a partir dos fatos narrados na petição inicial.