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CAPÍTULO 3 AÇÃO RESCISÓRIA

3.8. Hipóteses de cabimento

3.8.4. Ofensa à coisa julgada

Conforme o inciso IV do art. 485 do CPC, a coisa julgada, que, no curso do processo, é um pressuposto processual negativo, constitui fundamento para a ação rescisória. Se foi proferida em desrespeito à coisa julgada, a sentença pode ser desconstituída, mesmo após transitar em julgado, por ação rescisória.

Como visto no capítulo 2, a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito transitada em julgado. Por força de sua função exclusivamente negativa333, a coisa julgada veda qualquer novo pronunciamento judicial, em qualquer outro processo, que desrespeite os efeitos da sentença de mérito. Essa vedação abrange tanto o pronunciamento contrário, quanto aquele no mesmo sentido da sentença de mérito anterior transitada em julgado. Havida a coisa julgada, o que foi decidido deve Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 80-81; Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso

de direito processual civil. 9 ed. Salvador: Juspodium, 2008, v. 3, p. 370-371.

331 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro:

Forense, v. 5, 2005, p. 125.

332 Sergio Rizzi, Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 96-97. 333 Veja-se o item 2.5 acima.

109 prevalecer em qualquer outro processo, não podendo o Judiciário nem julgar no mesmo sentido.

Haverá agressão à coisa julgada, se a questão julgada pelo dispositivo da sentença transitada em julgado aparecer como questão prejudicial em outro processo, e, nesse caso, for decidida em sentido contrário ou, até mesmo, no mesmo sentido. Insista- se que a coisa julgada proíbe que a questão seja novamente julgada pelo Judiciário, quer como questão principal, quer como questão prejudicial334.

Questão importante refere-se ao conflito de coisas julgadas. Suponha-se que a segunda sentença ofendeu a coisa julgada ocorrida na primeira demanda, mas, por qualquer razão, transitou em julgado e não foi pedida sua impugnação por ação rescisória. Há, pois, duas coisas julgadas conflitantes: a do primeiro e a do segundo processo. Qual delas deve prevalecer?

Há duas correntes. A primeira, defendida por Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina335, Sérgio Rizzi336 e Cassio Scarpinella Bueno337, sustenta que a coisa julgada anterior deve preponderar, porque não há interesse de agir no segundo processo, pois a lide já estava solucionada, e, ausente uma das condições da ação, a segunda sentença é inexistente. Também é usado como argumento por essa corrente que a proteção constitucional da coisa julgada impede que a primeira seja desrespeitada.

A segunda corrente, sustentada por Barbosa Moreira338, Pontes de Miranda339, Ada Pellegrini Grinover340, Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha341, e Eduardo Talamini342, argumenta, em síntese, que a segunda sentença que

334 Em igual sentido, Barbosa Moreira, Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro:

Forense, v. 5, 2005, p. 128; Sergio Rizzi, Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 131-132; Alexandre Freitas Câmara, Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 73.

335 O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 36-

39.

336 Ação rescisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 133-139.

337 Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 5, p. 337-338.

338 Barbosa Moreira não chega a ser conclusivo, mas parece se inclinar para a segunda corrente

(Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005, p. 223-227).

339 Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5 ed. corrig.e aum. Rio de Janeiro:

Forense, 1976, p. 254-255.

340 Direito processual civil. São Paulo: Bushatsky, 1974, p. 133.

341 ; Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, Curso de direito processual civil. 9 ed.

Salvador: Juspodium, 2008, v. 3, p. 373-374.

342 Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 153-158. Frise-se, no entanto,

que o autor faz a ressalva que, “nos casos gravíssimos, em que o prevalecimento da segunda sentença revele-se extremamente aviltante também para outros valores constitucionais, haverá de se cogitar da quebra atípica da segunda coisa julgada” (Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 158).

110 ofendeu a coisa julgada só pode ser desconstituída por ação rescisória. Não ajuizada esta, a coisa julgada da segunda sentença prevalece.

Filio-me à segunda corrente. Se o legislador previu, expressamente, a ação rescisória contra a sentença que desrespeitou a coisa julgada, ele quis, e essa foi sua opção política, que, após o decurso do prazo bienal, o vício fosse sanado e, consequentemente, prevalecesse a segunda sentença. Barbosa Moreira é preciso ao ressaltar esse argumento:

“Seria evidente contra-senso recusar-se eficácia à segunda sentença, depois de consumada a decadência, quando nem sequer antes disso era recusável a eficácia. A passagem da sentença, da condição de rescindível à de irrescindível, não pode, é claro, diminuir-lhe o valor. Aberraria dos princípios tratar como inexistente ou como nula uma decisão que nem

rescindível é mais, atribuindo ao vício, agora, relevância maior do que a

tinha durante o prazo decadencial. Daí se infere que não há como obstar, só com a invocação da ofensa à cois julgada, à produção de quaisquer efeitos, inclusive executivos, da segunda sentença, quer antes, quer (a

fortiori!) depois do termo final do prazo extintivo”343.

Além disso, deve ser aplicado ao tema, por analogia, o critério temporal, que resolve o conflito entre normas. Assim, havendo duas coisas julgadas válidas, e a segunda o é – porque, em decorrência da não propositura da ação rescisória, o vício foi sanado –, deve prevalecer a mais recente.

Por outro lado, o fato de a coisa julgada ter proteção constitucional não impressiona, porque, como bem observou Barbosa Moreira, esse argumento também serve para defender a segunda coisa julgada:

“Por que a regra constitucional só protegerá a primeira sentença, e não a segunda, igualmente passada em julgado? Porventura nãos e desrespeitará, também, a garantia da res iudicata, fazendo tábua rasa da segunda sentença? E se se responder que esta não merece a mesma proteção porque posterior, sem dúvida se cairá em petição de princípio: o que se precisa demonstrar é exatamente a prevalência da coisa julgada anterior, enquanto tal”344.

Portanto, seja porque o legislador previu ação rescisória contra sentença que ofende à coisa julgada, o que nos leva a reconhecer a validade dessa sentença, se não pedida a sua desconstituição no prazo de dois anos; seja porque, por força do

343 Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005, p. 224. 344 Comentários ao código de processo civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5, 2005, p. 226.

111 critério temporal, deve prevalecer a coisa julgada posterior; seja porque o argumento da proteção constitucional da coisa julgada também serve para prestigiar a que foi posterior, entendo que, havendo duas coisas julgadas conflitantes, somente a segunda deve ser admitida.