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Coisa julgada formal e coisa julgada material

CAPÍTULO 2 COISA JULGADA

2.3. Coisa julgada formal e coisa julgada material

A coisa julgada pode ser classificada em formal e material. A coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença no próprio processo em que foi proferida. Após transitar em julgado, a sentença não poderá mais ser modificada no processo em que foi prolatada. Trata-se de fenômeno endoprocessual, com eficácia para dentro do processo.

147 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Ainda e sempre a coisa julgada”. Direito processual civil: estudos e

pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 139. A mesma crítica é feita no artigo “Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada”. Temas de direito processual: terceira série. Rio de Janeiro: Saraiva, 1984, p. 135-136.

48 Alguns autores equiparam a coisa julgada formal à preclusão, chegando a chamá-la de “preclusão máxima” 148. Porém, como anota Ada Pellegrini Grinover, são fenômenos distintos149. A preclusão é a perda da prática do ato processual, seja porque esse ato não foi praticado dentro do prazo legal, seja porque esse ato já foi praticado, seja porque foi praticado outro ato que é contraditório com o ato que deveria ter sido exercido. A coisa julgada formal não significa perda de nenhum ato processual, mas uma qualidade da sentença, que a torna imutável dentro do processo.

A coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos da sentença (ou do conteúdo, ou do elemento declaratório, a depender da corrente que se adote) para os processos futuros. É fenômeno panprocessual, pois tem eficácia para fora do processo em que foi proferida a sentença. Na verdade, a coisa julgada material corresponde à própria coisa julgada. Aliás, quando não puserem nenhum adjetivo no substantivo coisa julgada, a lei, a doutrina e a jurisprudência querem se referir à coisa julgada material. Diversamente, a coisa julgada formal sempre vem acompanhada do adjetivo que a qualifica.

Todas as sentenças fazem coisa julgada formal, mas apenas as sentenças de mérito geram coisa julgada material. Assim, a coisa julgada formal é um pressuposto necessário para a material; antes de se tornar imutável para qualquer outro processo futuro, a sentença se consolida no próprio processo em que foi proferida.

Para confirmar a distinção entre coisa julgada formal e material, o art. 268 do CPC dispõe que, salvo as hipóteses de perempção, litispendência e coisa julgada, o autor pode ajuizar, novamente, a mesma ação.

Existe, no entanto, posição singular, sustentada por Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, defendendo que a coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença terminativa para os processos futuros, ao passo que a coisa julgada material constitui a imutabilidade da sentença definitiva para as demais demandas. Para Mourão, a diferença entre coisa julgada formal e material cingi-se apenas ao conteúdo da sentença,

148 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 2

ed. Salvador: Juspodium, 2008, v. 2, p. 553.

149 Notas ao §3º da obra Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada.

Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires, tradução dos textos posteriores à edição de 1945 com notas relativas ao direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 68.

49 se terminativa ou definitiva, uma vez que as duas coisas julgadas geram a imutabilidade do que foi decidido para os outros processos150.

A tese de Mourão dá nova interpretação ao art. 268 do CPC, para compreender que, diante de sentença terminativa transitada em julgado, o autor somente poderá ajuizar novamente a ação, se corrigir o vício que determinou a solução do processo. Por exemplo: após o trânsito em julgado de uma sentença de ilegitimidade passiva, o autor apenas poderá ajuizar novamente a ação, se puser, no polo passivo, outro réu.

Discordo, contudo, dessa posição. O art. 268 do CPC é claro ao dispor que, após o trânsito em julgado da sentença terminativa, o autor poderá ajuizar novamente a ação. Ora, ajuizar novamente a ação significa propor a mesma ação, sem alterar nenhum de seus elementos identificadores.

Assim, o art. 268 do CPC consagra o entendimento de que a sentença terminativa transitada em julgado não impede que a mesma ação seja novamente julgada pelo Judiciário, confirmando a noção de que a coisa julgada formal tem eficácia apenas endoprocessual.

2.4. Pressupostos

Para a formação da coisa julgada, são necessários a concorrência de três pressupostos: sentença de mérito, cognição exauriente e trânsito em julgado151.

Como visto, somente a sentença de mérito é capaz de formar coisa julgada. Qualquer sentença faz coisa julgada formal, mas apenas a sentença de mérito faz coisa julgada material ou simplesmente coisa julgada.

150 “Do que estudamos até agora podemos afirmar o seguinte: (a) a coisa julgada refere-se ao

impedimento legal de se exercer a mesma atividade jurisdicional, em duplicidade, sobre o mesmo objeto, em processos futuros; (b) a preclusão de uma decisão judicial consiste na perda da possibilidade de a parte impugná-la, ou no poder do juiz de reformá-la, dentro do processo em que foi esta proferida; (c) a principal diferença entre a coisa julgada – seja essa formal ou material – e a preclusão reside no fato de esta gerar efeitos endoprocessuais e aquela extraprocessuais; (d) o critério para diferenciação entre a coisa julgada material e coisa julgada formal é a natureza do conteúdo da decisão imutabilizada.

O conceito de coisa julgada apresentado no Capítulo I deve ser aplicado ao gênero “coisa julgada”, cujas espécies serão classificadas em função do conteúdo da decisão judicial: se esta julgar o mérito, forma-se a

coisa julgada material; caso o julgamento incida sobre questão formal, forma-se a coisa julgada formal.

Entretanto, em ambas as hipóteses a imutabilidade da decisão judicial vinculará os julgadores em processos futuros” (Coisa julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 167).

151 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 2

50 É importante observar que discordo daqueles que sustentam que uma decisão interlocutória pode gerar coisa julgada152. A coisa julgada somente se opera a partir de sentenças de mérito, conforme a opção política do legislador, prevista no art. art. 468 do CPC: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”.

Pode-se até admitir que certas decisões interlocutórias, como a que indefere liminarmente a reconvenção, tenham cognição exauriente. Porém, apesar disso, essas interlocutórias não fazem coisa julgada, por força do que dispõe o aludido art. 468 do CPC153.

Mas não basta a sentença de mérito para que haja a coisa julgada. Essa sentença deve ser proferida mediante cognição exauriente. Entenda-se cognição exauriente como a atividade intelectual em que o juiz analisa profundamente as questões que lhe são postas154. Normalmente, todo processo é capaz de gerar uma sentença de cognição exauriente. No entanto, nem sempre isso ocorre. No processo cautelar, a sentença de mérito não é proferida com base em cognição exauriente, porque o juiz não analisa, com profundidade, a existência do direito material afirmado pelo autor, mas apenas a sua plausibilidade (fumus boni iuris). Não tendo havido cognição exauriente, a

152 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:

Saraiva, 2008, v. 5, p. 322-323; José Henrique Mouta Araújo, Coisa julgada e resolução parcial de

mérito. Curitiba: Juruá: 2008, p. 320-340 e 431.

153 Em sentido contrário, veja-se Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual

civil. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 5, p. 322-333.

O Superior Tribunal de Justiça tem admitido, excepcionalmente, ação rescisória contra decisão interlocutórias. Leia-se o julgado abaixo:

“Processual civil. Administrativo. Servidor público. Reajuste de 26, 05%. Ação rescisória. Propositura contra recurso especial interposto de decisão de natureza interlocutória. Cabimento. Exceção. Art. 485,

caput, do CPC. Pedido julgado procedente.

1. A parte autora que litiga sob o pálio da assistência judiciária não se mostra obrigada ao depósito previsto no art. 488, inc. II, do CPC. Preliminar de inépcia da petição inicial rejeitada.

2. Segundo o art. 485, caput, do CPC, cabe ação rescisória de sentença de mérito transitada em julgado. Por conseguinte, em regra, não se presta para desconstituir acórdão proferido em recurso especial que julga, em última análise, decisão de natureza interlocutória.

3. Hipótese em que se apresenta aplicável a exceção à regra. O acórdão rescindendo, proferido pela Sexta Turma nos autos do REsp 230.694/SE, ao julgar incabível a concessão do reajuste de 26,05%, reformou decisão interlocutória que, em execução, determinara a citação da União e o cumprimento da obrigação de fazer, consistente em implantar nos proventos do autor o reajuste em tela.

4. Por conseguinte, além de examinar o próprio mérito, acabou por impedir a percepção do reajuste pelo autor da ação rescisória, já assegurado em sentença transitada em julgado. Assim, incorreu em julgamento extra petita e contrariou a coisa julgada, violando, de forma literal, os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil.

5. Pedido julgado procedente” (STJ, 3ª Seção, ação rescisória nº 2099/SE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 22.08.2007).

Na mesma linha, observem-se ainda os seguintes julgados: REsp 628.464/GO, REsp 100.902/BA e AR 311/MA.

51 sentença cautelar de mérito não produz coisa julgada. Tal regra encontra-se disposta, inclusive, no art. 810 do CPC, que ressalva apenas a sentença cautelar que reconhece a prescrição ou a decadência.

Além da sentença de mérito e da cognição exauriente, ainda há a necessidade do trânsito em julgado. A sentença de mérito, prolatada mediante cognição exauriente, deve transitar em julgado, para formar coisa julgada. Como se sabe, o trânsito em julgado ocorre no momento em que não cabe mais nenhum recurso contra a sentença ou o recurso cabível não foi interposto.