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Eficácia preclusiva da coisa julgada

CAPÍTULO 2 COISA JULGADA

2.8. Eficácia preclusiva da coisa julgada

O art. 474 do CPC prevê a regra da eficácia preclusiva da coisa julgada, também conhecida como o princípio do deduzido e do dedutível. Segundo esse dispositivo, transitada em julgada a sentença de mérito, “reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”.

Essa regra tem o objetivo de impedir, em processos futuros, alegações que possam pôr em risco a autoridade da coisa julgada171. Como diz Dinamarco, de nada adiantaria consagrar a intangibilidade da coisa julgada, se novas decisões pudessem ser proferidas sobre alegações suscetíveis de modificar o que foi julgado. Daí a necessidade do art. 474 do CPC, que deve ser compreendida como uma regra de reforço da coisa julgada.

Sublinhe-se que a eficácia preclusiva da coisa julgada atinge tanto os argumentos apresentados durante o processo, o que é óbvio, quanto aqueles que poderiam ter sido, mas não foram afirmados pelas partes172. Para ilustrar, imagine-se o seguinte exemplo: o autor ajuizou ação, pedindo a invalidação do contrato por coação. Segundo o autor, houve coação, com base no fatos A, B e C. O juiz não restou convencido e julgou improcedente o pedido. Após o trânsito em julgado da sentença de improcedência, o autor propôs nova ação, pedindo a invalidação do contrato por coação,

171 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros, 2009, v. 3, p. 330.

172 “O significado do art. 474 é impedir não só que o vencido volte à discussão de pontos já discutidos e

resolvidos na motivação da sentença, como também que ele venha a suscitar pontos novos, não alegados nem apreciados, mas que sejam capazes de alterar a conclusão contida no decisório. São razões que a parte poderia opor ao acolhimento do pedido, as defesas que o réu talvez pudesse levantar, mas omitiu” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 3, p. 331).

58 só que agora com fundamento no fato D, que ele poderia ter alegado, mas não o fez na primeira demanda. Sem dificuldade, percebe-se que essa segunda ação encontra óbice no art. 474 do CPC, porque, com a coisa julgada, precluiu a alegação do fato D173.

No entanto, é preciso compreender que, após a coisa julgada, somente precluem as alegações referentes à causa de pedir deduzida em juízo, e não a qualquer causa de pedir que o pedido formulado pelo autor poderia ter. Defendem essa posição, a qual me filio, José Carlos Barbosa Moreira174, Cândido Rangel Dinamarco175, Egas Monis de Aragão176, José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier177, Cassio Scarpinella Bueno178, Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira179, e Daniel Mitidiero180.

Para ilustrar esse entendimento, veja-se o seguinte exemplo, com a mesma situação hipotética transcrita acima: o autor propôs ação, pedindo a invalidação do contrato por coação. O juiz julgou improcedente o pedido e a sentença transitou em julgado. Inconformado, o autor ajuizou nova ação, formulando o mesmo pedido de invalidação do contrato, mas, dessa feita, fundamentando-o no dolo. Note-se que essa segunda demanda não fere o art. 474 do CPC, porque a alegação de dolo não diz respeito à causa de pedir da primeira demanda, mas integra nova causa de pedir.

Sobre o alcance do art. 474 do CPC, Cassio Scarpinella Bueno esclarece com precisão:

“As ‘alegações’ e ‘defesas’ referidas no art. 474 não se confundem com ‘causa de pedir’. Bem diferentemente, elas se relacionam, muito mais, com os ‘argumentos’, com a ‘retórica’ utilizada para fins de convencimento e formação da cognição judicial a partir de um fato jurídico”181.

Discrepa desse entendimento Araken de Assis, para quem a eficácia preclusiva da coisa julgada abrange todas as possíveis causas de pedir do pedido

173 “A expressão eficácia preclusiva expressa a ideia de que a coisa julgada é tomada pela lei como um

fator que opera a preclusão das faculdades processuais” (DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de

direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 3, p. 330).

174 “Eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro”. Temas de

direito processual: primeira série. São Paulo, 1977, p. 99 e 103-108.

175 Instituições de direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 3, p. 332. 176 Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 327-328.

177 Parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 263.

178 Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 2: tomo 1, p. 390-391. 179 Curso de direito processual civil. 2 ed. Salvador: Juspodium, 2008, v. 2, p. 570-572.

180 “Coisa julgada, limites objetivos e eficácia preclusiva”. Introdução ao estudo do processo civil:

primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2004, p. 220.

59 formulado em juízo182. Assim, segundo seu entendimento, e me valendo do mesmo exemplo acima, se transitou em julgado a sentença de improcedência do pedido de invalidação do contrato, tanto a coação, que foi a causa de pedir apresentada, quanto qualquer outra causa de pedir, como, por exemplo, erro, dolo, estado de perigo, lesão ou fraude, considera-se repelida por força da coisa julgada.

Há, ainda, uma tese intermediária, sustentada por José Maria Tesheiner. Para o processualista gaúcho, o art. 474 do CPC alcança todos os fatos jurídicos de idêntica natureza, da mesma ou de outra causa de pedir, que podem gerar o mesmo pedido formulado. Observe-se o exemplo citado pelo próprio autor:

“Se o autor pede despejo, alegando danos nas paredes do imóvel, não pode propor outra, alegando danos nas portas, salvo se ocorridos após o encerramento da instrução. Não se lhe veda, porém, a propositura, concomitante ou posterior, de ação de despejo fundada em locação não consentida, porque se trata de fato de natureza diversa”183.

As correntes que propõem uma interpretação mais abrangente do art. 474 do CPC, para abranger alegações relativas a outras causas de pedir, violam o princípio da ampla defesa, eis que, no contraditório processual, as partes não se manifestam sobre fundamentos que são estranhos à causa de pedir posta em juízo, e seria inviável exigir que assim fizessem.

Portanto, deve prevalecer a interpretação de que o art. 474 do CPC não veda que o mesmo pedido seja formulado no Judiciário, desde que com base em outra causa de pedir184.

182 Cumulação de ações. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 145 e 147. Parece, também, ser

essa a posição, apesar de não estar muito claro no seu texto, de Ovídio, Sentença e coisa julgada. 3 ed. rev. e aum. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 133-170.

183 Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2001, p.

161-162.

184 No mesmo sentido, seguem alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“Processual civil. Administrativo. Servidor público. Reintegração. Ofensa à coisa julgada. Inexistência. Causa de pedir diversa. Recurso especial improvido.

1. ‘Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido’ (art. 301, § 2º, do CPC). Distinta, na segunda demanda, a causa de pedir, não há falar em coisa julgada. 2. In casu, na primeira ação, o pedido de reintegração se baseou na suposta incompetência de um dos membros da comissão disciplinar, alegação refutada. Na presente demanda, todavia, a causa de pedir diz respeito à desproporcionalidade entre a infração imputada e a pena imposta, argumento que embasou a decisão do Tribunal de origem de reconhecer à autora o direito à reintegração no serviço público.

3. Recurso especial conhecido e improvido” (STJ, 5ª Turma, recurso especial nº 633.378/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 06.03.2007).

“Civil e processual civil. Segunda ação de investigação da paternidade. Causas de pedir distintas.

Pelo disposto no três incisos do art. 363 do Código Civil o filho dispõe de três fundamentos distintos e autônomos para propor a ação de investigação da paternidade.

60 Por fim, cabe, ainda, uma explicação sobre o art. 474 do CPC. A eficácia preclusiva da coisa julgada aplica-se a todas as alegações de fatos ocorridos até o último

momento possível185 para alegá-los. Não seria correto considerar preclusa a alegação

sobre fato acontecido em momento quando já não era mais possível afirmá-lo no processo. Se, por exemplo, o fato ocorreu quando o processo já se encontrava na fase de recurso extraordinário ou especial, momento em que não é mais viável a discussão sobre fatos, a parte poderá alegá-lo em outra ação, ficando a salvo do art. 474 do CPC. A respeito, leia-se o que diz Barbosa Moreira:

“Se ocorridos os fatos em ocasião na qual já não teria o interessa, ainda

in abstracto, como alegá-los, não se sujeitas eles à eficácia preclusiva. O

plano divisório entre fatos preclusos e fatos não preclusos, quanto à época da respectiva ocorrência, corta o processo no último instante em que, objetivamente, era lícita a argüição”186.

Como explica Dinamarco187, o entendimento do que seja o último

momento possível deve ser visto casuisticamente, pois é verdadeiramente impossível

determinar esse momento de forma genérica, para qualquer hipótese.