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CAPÍTULO 2 COISA JULGADA

2.7. Limites subjetivos

Os limites subjetivos da coisa julgada dizem respeito a quem foi atingido por ela e não pode mais modificá-la em qualquer outro processo. Como decorrência lógica do princípio da ampla defesa163, o resultado de mérito do processo somente pode se tornar definitivo para as partes, uma vez que elas participaram do contraditório

161 Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio, com anotações de Enrico Tullio

Liebman. Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, p. 497-498.

162 Instituições de direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 3, p. 319. 163 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6 ed. rev. e atual. São Paulo:

55 processual e puderam fazer suas alegações a favor ou contra o pedido de tutela jurisdicional. Os terceiros, por sua vez, não devem se submeter à coisa julgada, porque não tiveram oportunidade de participar do contraditório processual.

O art. 472 do CPC confirma essa regra, que, aliás, remonta à Lex Saepe do Direito Romano: “Saepe constitutum est, res inter alios iudicatas aliis non

praeiudicare” (Digesto 42.1.63)164. A parte final do art. 472 do CPC, ao contrário do

que se imagina, não contém exceção à regra. Ao dizer que, nas causas relativas ao estado da pessoa, a coisa julgada atinge todos os interessados, o dispositivo prescreve que eles são atingidos somente se forem citados, ou seja, apenas se forem partes, e não se forem terceiros165.

Alguns autores, como Emilio Betti166, fazem a distinção entre terceiros, para determinar se eles são abrangidos pela coisa julgada. Para esse entendimento, os

terceiros indiferentes são atingidos pela coisa julgada, na medida em que a sentença é

juridicamente irrelevante para eles, e, exatamente por isso, não têm interesse em contrastá-la; os terceiros interessados praticamente, entendidos como aqueles que sofrem apenas prejuízos práticos com a sentença, são alcançados pela coisa julgada, porque apenas aqueles que têm sua situação jurídica afetada possuem interesse de agir, uma das condição da ação, para modificar a sentença em outro processo; os terceiros

interessados juridicamente, com situação jurídica igual à das partes, não são

abrangidos pela coisa julgada, pois tem sua situação jurídica afetada, e, por esse motivo, lhes deve ser assegurado o direito de modificá-la em outro processo; os terceiros

interessados juridicamente, com situação jurídica subordinada à das partes, como, por

exemplo, o sublocatário diante da ação de despejo, são atingidos pela coisa julgada, mas podem infirmá-la, se alegarem a injustiça da sentença. Compreenda-se sentença injusta como aquela que contraria o direito em tese ou que é proferida contra a prova dos autos.

164 “Muitas vezes se determinou que a coisa julgada em relação a uns não prejudica a outros” (vide

TUCCI, José Rogério Cruz e. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 46).

165 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,

2007, v. 2: tomo 1, p. 395.

166 Diritto processuale civile italiano, 2 ed. Roma: Foro Italiano, 1936, p. 603 e seguintes. Há autores,

como Moacyr Amaral Santos, que erradamente apontam esse entendimento como sendo de Liebman (vide SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 22 ed. rev. e atual. por Maria Beatriz Amaral Santos Köhnen.São Paulo: Saraiva, 2008, v. 3, p. 77). A confusão se dá porque Liebman, na famosa obra Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada, resumiu as teses de outros autores, antes de dar a sua contribuição.

56 Todavia, como apontou Pedro Batista Martins167, seguido por José Frederico Marques168, depois que Liebman diferenciou eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada, não faz sentido diferenciar os terceiros, para determinar os limites subjetivos da res iudicata. Isso porque a teoria de Betti leva em conta os efeitos da sentença, para determinar a abrangência da coisa julgada aos terceiros.

Ademais, se os terceiros têm ou não interesse jurídico para modificar a sentença transitada em julgado, critério levado em conta por Betti, essa é uma questão que não diz com a coisa julgada, mas com as condições da ação, mas precisamente com o interesse de agir.

Insista-se, neste passo, que, conforme visto no item 1.5 acima, a eficácia da sentença não pode ser confundida com a coisa julgada. Conforme o ensinamento de Liebman, a sentença produz efeitos perante todos, partes e terceiros, mas, com a coisa julgada, esses efeitos somente se tornam imutáveis perante as partes. Os terceiros podem pretender modificar a sentença e seus efeitos em outro processo. Veja-se o que diz Liebman:

“A natureza dessa sujeição é para todos, partes ou terceiros, a mesma; a medida da sujeição determina-se, ao revés, pela relação de cada um com o objeto da decisão. Entre as partes e terceiros só há esta grande diferença: que para as partes, quando a sentença passa em julgado, os

seus efeitos se tornam imutáveis, ao passo que para os terceiros isso não acontece”169.

Apesar da regra do art. 472 do CPC, há casos em que a coisa julgada é estendida a terceiros, ampliando-se os seus limites subjetivos. Dependendo dessa ampliação, a coisa julgada pode ser ultra partes, se atingir determinados terceiros, ou

erga omnes, se afetar a todos. Vejam-se algumas hipóteses.

No caso de substituição processual, o substituído, muito embora terceiro, é alcançado pela coisa julgada, tal como se fosse parte170. A justificativa para tal ampliação reside na evidência de que o substituído é titular do direito material que foi julgado e, como tal, deve ser abrangido pela coisa julgada.

167 Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1942, v. 3, p. 311 e seguintes. 168 Instituições de direito processual civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, vol. 4, p. 344.

169 Eficácia e autoridade da sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Tradução de Alfredo

Buzaid e Benvindo Aires, tradução dos textos posteriores à edição de 1945 com notas relativas ao direito brasileiro vigente de Ada Pellegrini Grinover. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 125.

57 Da mesma forma, na hipótese de sucessão processual, o sucessor que não ingressa no processo também é atingido pela coisa julgada. Nessa condição, o sucessor equipara-se ao substituído processual, uma vez que o direito ou a coisa litigiosa é sua e está sendo defendida no processo pelo sucedido.

Há, ainda, os casos de coisa julgada no processo coletivo, que, conforme o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, usado como paradigma para qualquer ação coletiva, pode ter eficácia ultra partes ou erga omnes, a depender do direito coletivo tutelado.