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Clermont Gauthier: um ofício feito de saberes

A forma plural de perceber os saberes docentes e a relação existente entre eles, destacada nos estudos de Tardif, é reforçada por Gauthier et al. (1998), quando esclarecem que

De fato, é muito mais pertinente conceber o ensino como a mobilização de vários saberes que formam uma espécie de reservatório no qual o professor se abastece para responder a exigências específicas de sua situação concreta de ensino

(GAUTHIER et al.,1998, p. 28).

Os autores apontam que ser complexo identificar os atos do professor em sala de aula e que ainda se está tentando perceber como ocorre a aprendizagem dos alunos, bem como a interação entre professor e aluno. Mas, salientam ser fundamental conhecer “esses elementos do saber profissional docente”, para que os docentes atuem com perfeição.

“O que acontece quando o professor ensina? O que ele faz exaustivamente para instruir e educar as crianças? O que é preciso saber para ensinar?” São problematizações trazidas pelos autores em seus estudos (Gauthier et al.,1998, p. 17, 18) e utilizam a afirmação “conhece-te a ti mesmo”, do oráculo de Delfos, para indicar que ainda se sabe muito pouco a respeito dos fatos que são essenciais ao ensino. Eles defendem que as várias pesquisas sobre a temática, podem servir como incentivo para que o professor se conheça como professor.

Gauthier et al. (1998,) destacam que uma das condições essenciais a toda profissão é a “formalização dos saberes necessários à execução das tarefas que lhe são próprias”. Os autores apontam para duas ideias que mantêm “o ensino em uma espécie de cegueira conceitual, “ofícios sem saberes” e “saberes sem ofício”. Referindo-se ao ofício sem saberes, os autores mencionam seis erros que conservam o ensino na ignorância: ter conteúdo; ter talento; ter bom senso; seguir sua intuição; ter experiência e ter cultura. Estas ideias preconcebidas, conforme os autores prejudicam o processo de profissionalização do ensino. São essenciais para o exercício da prática docente, mas “tomá-los como exclusivos é mais uma vez contribuir para manter o ensino na ignorância” (GAUTHIER et al., 1998, p. 20,

Em compensação, em saberes sem ofício, pretendeu-se “formalizar o ensino”, por meio das ideias nascidas na Ciência da Educação. Mas, conforme os autores, “esse saber foi reduzido de tal modo na sua complexidade que ele não mais se encontra na realidade”. São saberes que não se dirigiam aos professores reais, “cuja atuação se dá numa sala de aula, mas, a uma espécie de professor formal, fictício, que atua num contexto idealizado” (Gauthier et al., p. 25-26). O grande equívoco desse processo é que essas pesquisas não consideraram a situação real do professor em sala de aula.

Assim como as ideias preconcebidas de um oficio sem saberes, denunciadas anteriormente, bloqueavam a constituição de um saber pedagógico, do mesmo modo essa versão universitária científica e reducionista dos saberes negava a complexidade do real do ensino e impedia o surgimento de um saber profissional. É como se, fugindo de um mal para cair num outro, tivéssemos passado de um ofício sem saberes a saberes sem um ofício capaz de colocá-los em prática, saberes esses que podem ser pertinentes em si mesmos, mas que nunca são reexaminados à luz do contexto real e complexo de sala de aula (GAUTHIER et al.,

1998, p. 27).

Os autores propõem um ensino mobilizado por vários saberes, constituindo uma espécie de reservatório onde o docente é provido para atender às demandas de sua situação concreta de ensino.

Nos dados do Quadro 3 estão, conforme os estudos de Gauthier et al. (1998), os saberes que fazem parte do reservatório de saberes dos professores mencionados:

Quadro 3. O reservatório de saberes

SABERES SABERES SABERES SABERES SABERES SABERES

Disciplinares Curriculares Das Ciências da Educação Da Tradição Pedagógica (o uso) Experienciais (A jurisprudência) Da ação pedagógica (o repertório de conhecimentos do ensino ou a jurisprudência pública validada Fonte: (Gauthier et al., 1998, p. 29)

De acordo com a concepção dos autores, os saberes disciplinares são os saberes produzidos pelos pesquisadores e cientistas envolvidos com atividades de pesquisa nas distintas áreas de conhecimento. Dessa forma, embora não se encontrem envolvidos no processo de produção dos saberes disciplinares, os professores têm como uma de suas funções principais extrair desses saberes aquilo que é importante a ser ensinado. O ato de ensinar exige o conhecimento do assunto a ser transmitido.

Na compreensão de Gauthier et al. (1998), o simples fato de conhecer profundamente a matéria a ser ensinada, sua estrutura, sua construção histórica, bem como os métodos, técnicas, analogias ou metáforas que melhor se aplicam a seu ensino é o que diferencia o professor de qualquer outro leigo que entende e se interessa pelo assunto objeto de seu ensino.

Para os autores supracitados, “pouco importa a maneira como é definido, o saber disciplinar sozinho, não representa “O” saber docente” (p. 30). Esse saber agrupado com os demais saberes integram o reservatório de saberes.

Gauthier et al. (1998, p. 31) ressaltam que o saber curricular abrange os conhecimentos referentes aos programas escolares e quem os elabora são os “funcionários do Estado ou especialistas das diversas disciplinas”. Os autores elucidam que, apesar dos professores não apresentarem influência sobre a criação dos programas escolares, o conhecimento a respeito deles também faz parte de seus saberes. “É de fato, o programa que lhe serve de guia para planejar, para avaliar”. Nessa direção, o autor e seus colaboradores, trazem alguns questionamentos: a) conhecer o programa significa conhecer o programa oficial ou o que foi transformado pelas editoras; b) que transformações do programa o próprio professor efetua? c) ele conserva todos os elementos ou faz uma seleção? d) baseado em quais critérios?

O saber das Ciências da Educação refere-se ao conjunto de saberes produzidos a respeito da escola, sua organização, seu funcionamento, saberes sobre o que é um conselho escolar, um sindicato, uma carga horária e evolução de sua carreira. Esse saber é adquirido pelos professores, ao longo de sua formação ou em seu trabalho, também o que os diferenciam de qualquer outra pessoa que saiba apenas o que é uma escola, é um saber profissional específico.

A origem da tradição pedagógica, conforme os autores, remonta da ação dos Irmãos das Escolas Cristãs e dos Jesuítas. Essas representações foram construídas, conforme argumentação dos autores, em etapas anteriores ao ingresso na carreira, ou seja, antes mesmo de o professor decidir ser professor e ingressar em um curso de formação inicial. Diz respeito às representações que cada docente tem a respeito da escola, do professor, dos alunos, dos processos de aprender e ensinar, entre outros. Para os autores, esse saber da tradição pedagógica apresenta muitas fraquezas, pois sempre será adaptado e modificado pelo saber experiencial, e, sobretudo, validado ou não pelo saber da ação pedagógica.

O saber experiencial, segundo Gauthier et al. (1998, p. 33), por sua vez, corresponde aos conhecimentos construídos pelos professores por meio de suas próprias experiências, ou seja, é um processo individual de aprendizagem da profissão. “Essa experiência torna-se então a regra e, ao ser repetida, assume muitas vezes a forma de uma atividade de rotina”. Ao ser frequente, essa experiência torna-se algo corriqueiro, mas não deixa de ser algo pessoal e particular. Sendo assim, apesar do conhecimento que possui, o professor pode dar esclarecimentos equivocados a fim de justificar sua maneira de atuar. Para os autores o saber experiencial é restrito, pois ele é construído por hipóteses e contextos que não são examinados por métodos científicos.

O saber da ação pedagógica, conforme os escritos de Gauthier et al. (1998, p. 33), “é o saber experiencial dos professores a partir do momento em que se torna público e que é testado através de pesquisas realizadas em sala de aula”. Nesse estudo, o autor mostra que os resultados das pesquisas referentes ao saber da ação pedagógica contribuiriam para o aprimoramento da ação do professor na sala de aula. Para os autores, enquanto “esse tipo de saber não for mais explicitado”, não haverá profissionalização do ensino.

De acordo com Gauthier et al. (1998, p. 34) para a efetivação da profissionalização do ensino se faz necessário reconhecer “saberes da ação pedagógica válidos e levar a outros atores sociais a aceitar a pertinência desses saberes”. Os autores evidenciam a necessidade de mostrar os resultados dessas pesquisas com o propósito do aperfeiçoamento da prática docente e da profissionalização do ensino.

Embora as duas abordagens, as de Tardif (2012) e as de Gauthier et al. (1998), digam respeito às perspectivas teóricas individuais, há uma relação inconfundível nos conceitos sobre os saberes docentes. Os autores relacionam os saberes disciplinares, curriculares e experienciais, e os disciplinares e curriculares, conforme Gauthier et al. (1998) não são produzidos pelos professores, ao passo que os experienciais nascem diretamente da vivência do professor (TARDIF, 2012).

Conforme o autor supracitado menciona os saberes transmitidos pelas instituições na qual o professor concretiza sua formação; Gauthier et al. (1998) por sua vez, não faz esta conexão dos saberes acadêmicos. Apesar disso, acrescenta os saberes docentes, categorizados por Tardif (2012), ao observar os saberes da ciência da educação e da tradição pedagógica.

Concluindo, notamos que a pluridimensionalidade do saber docente é corroborada por Gauthier et al. (1998) e por Tardif (2012), ao desenvolvê-lo como um saber composto por diversos saberes, provenientes de fontes distintas e produzidos no decorrer de sua prática, sendo assim, o saber do professor promove nele mesmo, as marcas de seu trabalho, que ele não é somente utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho (Tardif, 2012). Consequentemente, a relação dos docentes com os saberes não se fundamenta em um mero ofício de transmissão dos conhecimentos antecipadamente constituídos, e sim constitui-se na multiplicidade própria do trabalho.

Com base nos resultados e análises apresentadas por Gauthier et al. (1998) e Tardif (2012), podemos assegurar que o processo que torna um professor o que ele é e que consente a aquisição e a construção dos saberes necessários à sua prática profissional é difícil e caracterizado por diferentes épocas e distintas experiências.

Nesse sentido, a fase inicial da carreira constitui-se em um momento em que a emergência de novos saberes visa a atender às experiências do cotidiano escolar e a contribuição dos dois pesquisadores para a compreensão da relação que os professores iniciantes estabelecem com esses saberes tornou-se fundamental para a pesquisa.

C

APÍTULO

4

AS DIFICULDADES DO PROFESSOR INICIANTE

O início da carreira docente é um momento marcante na constituição da carreira do professor. Esse momento vem sendo apontado pelas suas características próprias e compreendido pela ocorrência das principais marcas da identidade que constituem a profissionalidade docente. É uma fase especial também é um período marcado pelo medo e incerteza. Assim, esse capítulo tem como finalidade divulgar os aportes teóricos sobre o início da docência e apresentar as dificuldades que acometem os professores iniciantes.