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Sentimentos desencadeados no início da carreira

5.1 O início da carreira

5.1.1 Sentimentos desencadeados no início da carreira

Esta fase inicial da carreira é envolvida por diferentes sentimentos que podem marcar o percurso profissional do professor. Santos (2014, p. 68) destaca que é um momento [...] “permeado por inúmeras sensações, em que sentimentos de solidão, dúvida e indecisão” provocam “impactos de acordo com a estrutura emocional de cada um, mas que afetarão a vida desse profissional”.

Em seu relato, Daniel tem consciência que, dentro da sala de aula, não há ninguém para protegê-lo naquele exato momento, e expõe a dificuldade que sente

Então, para lidar na escola, você tem que ter um jogo de cintura, assim que você fecha à porta da sala, você tem que ter na sua cabeça, que não tem ninguém para te proteger, não importa o que a lei fale, porque ninguém colocará a mão no fogo por você. É muito difícil, então, você tem que ter o jogo de cintura, para se colocar no lugar do aluno e saber o que faria neste lugar. Ser malandro na sala de aula, ser malandro para dominar aquela situação sempre... não malandro-malandro, mas a malandragem para se sair bem, independentemente da situação, quer você esteja certo ou não (Professor Daniel).

O jogo de cintura ao qual Daniel se refere parece estar relacionado com a dificuldades que os professores iniciantes possuem quando se deparam com situações-problema na sala de aula. Ficam nervosos e não sabem como resolvê- las. Esse é um dos momentos em que se sentem sozinhos, sem o apoio devido, tanto dos professores experientes, como da equipe gestora. Surge, então, a necessidade de encontrar formas para “se sair bem, independentemente da situação”, conforme esse professor aponta. No entanto, causa preocupação o fato de o professor observar o “sair-se bem independentemente de ter tomado uma decisão considerada certa”.

Podemos atentar para o fato de que a solidão e o isolamento são sentimentos que os assolam e, isso, parece ter contribuído com a atitude de Daniel. Mariano (2006) afirma que isso ocorre sobretudo, porque os espaços de atividades do trabalho pedagógico, não funcionam como deveriam em razão da inexperiência e insegurança.

O professor Waldir sente dificuldade em relação ao planejamento e desenvolvimento da aula dada às realidades diversas encontradas nas cinco escolas diferentes onde lecionou, em menos de 2 anos. Ao planejar a aula, percebe que não conseguiu cumprir como havia estabelecido, ele tenta fazer as adequações necessárias que a realidade da turma exige.

Porque quando você está estudando a parte pedagógica e, até mesmo, a específica da História você tem relato dos professores da faculdade e de outros que já davam aula de que tudo é uma maravilha, se você fizer assim ou assado dá certo e não dá. E não é o que ocorre na prática, cada escola é uma realidade diferente, entre o ano de 2013 e esse ano, trabalhei em cinco escolas diferentes e tive que adaptar à realidade. Dentro de cada escola,

tem sala que é diferente, tem sala que posso dar uma aula tradicional e em outras tenho que descaracterizar todo o conteúdo da História, baixar a linguagem, contextualizar com uma situação que não tem muita coisa “a ver” para poder fazer com que eles raciocinem (Waldir).

Nesse excerto, o professor denuncia a falta de conexão entre a universidade e a escola. Durante a Licenciatura, o professor manteve contato com colegas de sua turma que já exerciam a profissão docente, apesar de não estarem formados. Nesses contatos o que se propagava, conforme ele, é que na Educação “tudo era uma maravilha!”. Mas, ao adentrar os portões das cinco escolas, onde atuou como docente, Waldir percebe que a realidade não era compatível com o que era divulgado quando ainda era aluno na graduação.

Ao enfrentar a realidade da sala de aula, como professor, precisou “baixar a linguagem e contextualizar a aula com situações que em um primeiro momento parecem não relacionadas aos conteúdos, mas, que os ajudam a pensar e para depois abordá-los diretamente”. Situação semelhante foi vivenciada pela professora Marina. Ela entrou na condição de substituta, pois, a professora regente afastou-se para cuidar da saúde. Marina planejou e preparou a aula, mas tudo foi alterado a fim de que seus alunos pudessem participar e acompanhar a aula por ela ministrada.

Tudo aquilo que eu tinha construído de ideia, por onde começar fiquei assim. Por onde ir? Por onde começar? Fui alterando na hora. Eu entrei na sala na condição de professora substituta, a professora Cida estava de licença, e eu fui substituí-la na 7ª série, que são esses meninos que estão hoje que estão indo para o 2º. Nossa... tremi nas bases. Sai totalmente do foco de História e dos Parâmetros Curriculares para o Estado de São Paulo. Mudei todo o foco do que deveria ensinar em História. O que a proposta de História estava propondo. Mudei tudo o que passei a noite preparando e comecei com o tema: a família, acredita? (Risos)

(Professora Marina).

Em seu relato, Maria denúncia a angústia que o iniciante sofre durante esse período de transição, “como se da noite para o dia deixasse subitamente de ser estudante e sobre os seus ombros caísse uma responsabilidade profissional, cada vez mais acrescida, para qual percebe não estar preparado” (SILVA, 1997 p.

53). Apesar disso, Marina mostrou consciência de seu papel e de sua dedicação e soube improvisar naquilo que a situação exigiu.

Os depoimentos desses professores mostram a lacuna existente entre os elementos teóricos oferecidos pelas instituições de ensino superior e a realidade curricular exigida para o exercício da prática docente na escola.

Mizukami et al. (2002) e Reali et al. (2009) citam que os questionamentos que acompanham os docentes em início de carreira são inúmeros e ocorrem em todo momento. As dúvidas, geradas pela insegurança que lhes é peculiar, são ressaltadas pelos complexos fatores que englobam a sala de aula.

Nas falas desses professores iniciantes, que são os atores principais da pesquisa, estão presentes elementos que são problematizados por Huberman (1995). O autor ressalta que o período de iniciação à docência é uma fase em que as aprendizagens e as experiências são marcantes, podendo desestabilizar ou estimular no docente a força para sobreviver aos desafios que a profissão possibilita. Os sentimentos de solidão, desistência, fadiga estão dentre as barreiras que os professores iniciantes precisam romper. Assim, cada dificuldade por eles superada é um verdadeiro troféu.

Outro fator responsável pelo sentimento de insegurança que acomete o professor no início da docência está relacionado à formação ofertada pelas instituições de ensino.

Em sua pesquisa, Gatti (2010) afirma que as licenciaturas:

São cursos que, pela legislação, têm por objetivo formar professores para a educação básica: educação infantil (creche e pré-escola); ensino fundamental; ensino médio; ensino profissionalizante; educação de jovens e adultos; educação especial. Sua institucionalização e currículos vêm sendo postos em questão, e isso não é de hoje (GATTI, 2010, p. 1359).

Apoiada nos estudos de Candau (1987); Braga (1988); Alves (1992) e Marques (1992), Gatti (2010, p. 1359) afirma que a formação de professores é lesada há “décadas; pois essa má formação prejudica as aprendizagens escolares em nossa sociedade, e complexifica-se a cada dia”.

Os estudos de Tancredi (1998) evidenciam o “processo de transformação que o mundo moderno está passando”. A globalização mundial favorece a rapidez para obter informações. Assim, a globalização do conhecimento exige que as mudanças na educação no Brasil sejam rápidas e pontuais.

Nessa direção, Tancredi (1998) afirma que:

As mudanças e necessidades indicadas, que já vinham se delineando há tempos, pegaram o Brasil ainda desprevenido, especialmente no que tange à área educacional. Além de a população não estar preparada para usufruir e participar criticamente da modernização rápida e crescente, a escola ainda não sabia ensinar bem a todos que nela ingressavam

(TANCREDI, 1998, p. 73).

A falta de preparo da escola e das pessoas para as mudanças na área educacional torna o trabalho dos professores iniciantes ainda mais complexo. Eles precisam lidar com seu despreparo e também são obrigados a digerir as mudanças que a Secretaria de Educação propõe.

De acordo com Tancredi (1998), no Estado de São Paulo, a reprovação praticamente deixou de existir com a implantação de propostas dessa natureza. No entanto, não houve relevantes alterações nos índices e os resultados não demostram melhoria na qualidade da educação.

Parafraseando a autora, o fato de não haver reprovação, não quer dizer que os alunos estejam aprendendo. Esse fator reflete diretamente na vida dos professores, mas os iniciantes são os que mais sofrem.

Essas mudanças que estão ocorrendo na Educação Básica refletem diretamente nas Licenciaturas, haja vista que, em sua maioria, os candidatos a esses cursos são alunos oriundos do Ensino Fundamental e Médio da Rede Oficial de Ensino do Estado de São Paulo.

Apontando nessa direção da origem dos estudantes que cursam a Licenciatura, os estudos de Gatti (2010, p. 1.364) demonstram que “os estudantes provêm, em sua maioria, da escola pública. São 68,4% os que cursaram todo o ensino médio no setor público e 14,2% os que o fizeram parcialmente”.

Marina em seu depoimento aponta que tem dificuldade em trabalhar o conteúdo, que é estabelecido pelo Currículo Oficial da Rede Estadual de Ensino.

Coloquei lá a família, que no caso seria a família real no Brasil. Eu teria que começar pela família real, ou a chegada da família real no Brasil, mas pensei, na hora: que tal se começar pela família deles para poder me entrosar com eles para depois trazê-los para o tema proposto. Ai pronto foi acontecendo. Quando acabaram os 50 minutos de aula, pensei: ufa! (risos), Jesus, obrigado por eu ter conseguido! (risos). Porque pensei que não ia conseguir informar sobre a família real. E se alguém for buscar lá atrás, então, teria que estar preparada para isso. Sai da sala com todos querendo falar sobre a sua família e querendo fazer uma cartinha sobre a sua família. Só fui trabalhar a família real na segunda aula

(Marina).

A professora relata a dificuldade enfrentada para contextualizar e relacionar o tema proposto com a realidade do aluno. Em sua entrevista, é visível a sensação de alívio que sentiu ao término da aula.

Com o professor Waldir, essa insegurança também é perceptível em seu depoimento declara que

[...] por ser Ensino Fundamental, quando entrei na sala, eram o pandemônio, brigavam e rolavam por causa de um lápis e caneta. Percebi que uma das aulas que ficavam quietos e participavam era a aula de Artes. Busquei desenhos, a aula seria sobre os astecas, então, levei desenhos e pedi que desenhassem iguais. Eles fizeram. E a sala ficou quieta. Comecei a contar a história dos desenhos, qual o significado. E despertou o interesse neles. Na outra aula, trouxeram imagens e textos de livros didáticos e que também acharam na internet. Então, foi uma forma que encontrei para chamar a atenção deles. A minha base foram os alunos. Tive que construir a minha aula em cima do interesse deles (Waldir).

Nesse sentido, Daniel assim declara,

Eu sabia que as pessoas iriam olhar para mim com preconceito já na questão de novo, então, eu precisava mostrar alguma coisa totalmente diferente do que estava sendo mostrado em sala. Tentei fazer isso no primeiro dia, deu certo no primeiro dia. Dentro da sala de aula, para lecionar, foi o que eu achei diferente, aquela aula com aquele desenhinho feio ocupando apenas um pequeno espaço da lousa, isso na aula de História que, geralmente, é texto [...] (Daniel).

Nas entrevistas, observamos um empenho de ir além das dificuldades cotidianas do mais perfeito modo possível. Constatamos nesses depoimentos que o professor iniciante almeja “fazer algo diferente” em suas aulas para demonstrar aos alunos que, mesmo sendo jovem e inexperiente, é o professor deles e, por isso, sabe o que está fazendo. Para esses professores iniciantes, é relevante demonstrar domínio sobre o conteúdo a ser ensinado a seus alunos. Quando conseguem alcançar esse objetivo expressam felicidade.

Conforme o estudo realizado por Silveira (2002), apoiado em Huberman (1995), a superação de cada dificuldade encontrada na carreira docente é realmente sentida como uma espécie de sobrevivência. A autora verificou também por meio da própria experiência, que o ato de ensinar é árduo, assinalado pelo improviso ou o popularmente chamado “jogo de cintura” (grifos da pesquisadora).

De acordo com Marcelo García (1992), três fatores tornam a fase de iniciação na profissão mais fácil ou mais difícil: as condições de trabalho encontradas pelos professores no local de trabalho, o apoio que recebem e as relações mais ou menos favoráveis que irão vivenciar.

Os dados obtidos por meio dos depoimentos desses iniciantes enfatizam que o início da carreira docente é muito importante e exige a integração com professores mais experientes.

Nas falas dos iniciantes, podemos observar como também são muito importantes as relações estabelecidas entre os docentes com quem trabalham. As trocas de experiências e interações entre os mais experientes e os iniciantes favorecem a aprendizagem da docência. A escola deve ser um ambiente coletivo de formação que possibilite as trocas de experiências, grupos de estudos que possibilitem aos iniciantes aprender como ser um bom professor.

Esses professores, ao relatarem como foi o início de suas carreiras, apontam sentimentos de luta ora de “descoberta”, ora de sobrevivência na profissão, destacados por Huberman (1992), em que são vivenciados momentos de intensas aprendizagens. Nesse período, conforme o autor destaca, prevalecem dois aspectos: a sobrevivência e a descoberta. A sobrevivência se

revela através do “choque com a realidade”, que os professores iniciantes sentem durante a confrontação inicial com a complexidade da situação profissional, a separação entre as ideias e as realidades da sala de aula, as dificuldades com os alunos que geram problemas, com o material didático inadequado, etc.