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A primeira produção desse autor publicada no Brasil é de 1991, em parceria com Lessard e Lahaye, na Revista Teoria & Educação, de Porto Alegre (apud Monteiro, 2007). Tal estudo propõe a primeira tipologia de saberes baseada em sua origem social e nos modos de integração à carreira, categorizados em saberes: da formação profissional, disciplinares, curriculares e saberes de experiência. Contribui, ainda, para o entendimento da desvalorização da docência na qualidade de profissão e evidencia o papel da experiência na construção do saber.

De acordo com Tardif (2012) a formação inicial tem uma função de essencial importância na obtenção dos saberes profissionais. Certamente, se esta não consegue abranger seu objetivo, que é modificar as concepções impróprias que o aluno traz com ele no início da graduação e ajustar o conhecimento

específico de sua área, possivelmente, acarretará problemas quando esse professor estiver atuando na sala de aula.

A relação dos docentes com os saberes, conforme Tardif (2012) não se reduz à função de transmissão aos alunos de um conhecimento já construído, sua prática agrega diferentes saberes, com os quais o professor mantém distintas relações. Nesse estudo autor situa o saber do professor entre o individual e o social. Para isso, baseia-se em seis fios condutores para conceituar cada um dos saberes mobilizadores de seu trabalho.

O primeiro fio está relacionado ao saber e trabalho – “os saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas” (TARDIF, 2012, p. 15).

Conforme os estudos de Tardif (2012, p. 17), o saber do professor deve ser compreendido, em íntima relação com o trabalho na escola e na sala de aula. Na concepção do autor, “o saber do professor traz em si as marcas de seu trabalho, que ele não é somente utilizado como meio de trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho”. Portanto, são as relações mediadas pelo trabalho diário na escola e na sala de aula que fornecem regras para enfrentar e solucionar situações cotidianas.

O segundo fio condutor referido por Tardif (2012) é a diversidade ou pluralismo do saber, pois entende que o saber dos professores é plural, heterogêneo, envolvendo, no exercício da ação docente, conhecimentos bastante variados e, normalmente, de natureza diferente.

A característica plural do saber dos professores assinala para o autor sua característica social. O saber docente é formado por conhecimentos que provêm da família do professor, da escola onde estudou quando criança, da formação inicial, da instituição de ensino superior, dos cursos de formação continuada, etc., ou seja, os professores usam saberes produzidos por diferentes grupos sociais incorporados a seu trabalho.

O terceiro fio condutor refere-se à temporalidade do saber. O saber dos professores é temporal, uma vez que é alcançado na esfera de uma história de vida e de uma carreira profissional. Em outras palavras, afirmar que o saber dos

professores é temporal sugere dizer que “ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente” (TARDIF, 2012, p. 20).

Tardif (2002, p. 20), que é referência para várias pesquisas realizadas na área de ensino, evidencia o valor das experiências familiares e escolares anteriores à formação inicial no desenvolvimento do saber ensinar e acrescenta que a ideia de temporalidade aplica-se diretamente à sua carreira, compreendida como “um processo temporal marcado pela construção do saber profissional”.

O quarto fio condutor, diz respeito à experiência de trabalho como base do saber. Possui como foco os saberes procedentes da vivência do trabalho diário, como base da prática e da aptidão dos profissionais.

Em seus estudos, Tardif (2012) ressalta que os professores tendem a classificar/categorizar seus saberes profissionais em função de sua utilidade no ensino, de forma que os saberes originários da experiência na prática docente formam o alicerce da prática e da competência profissionais, sendo a experiência a condição para aquisição e produção de seus saberes.

O quinto fio condutor apresenta o conceito de trabalho interativo, no que o trabalhador estabelece relação com o seu objeto de trabalho essencialmente pela interação humana. Com base nessa ideia, Tardif (2012) busca compreender as características da interação humana que marcam os saberes dos professores com seus alunos em sala de aula. Assim, o saber docente está ligado às questões de poderes e regras, valores e ética.

O sexto e último fio, saberes da formação profissional, na visão do autor supracitado, é decorrente dos anteriores e expressa a necessidade de repensar a formação para o magistério, considerando os saberes dos professores e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano.

De acordo com Tardif (2012)

O conhecimento do trabalho dos professores e o fato de levar em consideração os seus saberes cotidianos permite renovar nossa concepção não só a respeito da formação deles, mas também de suas identidades, contribuições e diferentes papéis profissionais

O autor valoriza as questões pertinentes ao trabalho docente e suas relações com o ser humano e seu saber, destaca a importância de contemplar e conhecer o trabalho que os professores desempenham, a fim de propiciar um olhar que contemple a formação deles.

Desse modo Tardif (2012) enfatiza que os saberes provêm de diversas fontes, como da história de vida; da cultura pessoal; da universidade que abastece os saberes disciplinares e os conhecimentos didáticos e pedagógicos; dos programas, guias e manuais didáticos que acarretam os saberes curriculares e do conhecimento de outros professores e de seu próprio saber ligado a situações peculiares do ofício de professor. Essa diversidade de fontes de aquisição de saber não permite que se forme um repertório de conhecimentos unificados, garantindo a característica eclética e sincrética dos saberes docentes.

De acordo com o pesquisador supracitado, ao mesmo tempo, os professores buscam atingir objetivos variados, o que exige a mobilização de diferentes conhecimentos e competências, de modo simultâneo, como motivar os alunos, gerenciar a turma, trabalhar a matéria, lidar com a diferença entre os indivíduos, avaliar, etc. O fator temporal também é relevante na perspectiva do autor, pois considera que os saberes são adquiridos no decorrer da história da vida e de carreira do professor.

Portanto, para Tardif (2012), os saberes são temporais em três sentidos:

1- São oriundos das concepções sobre o ensino, do papel do professor e

como vai ensinar decorre de sua história de vida, especificamente, a história de vida escolar. Isso significa que as concepções, representações e certezas sobre a prática docente são formadas, antes dos professores passarem pelos cursos de formação inicial de professores.

2- Nos primeiros anos da prática docente, a maioria das competências é

adquirida e são estabelecidas as rotinas de trabalho; ou seja, é o período em que se configura uma aprendizagem intensa do oficio e quando são formados os primeiros saberes experienciais; e

3- Os saberes são formados e modificam-se durante todo o período da

carreira do professor, tanto em sala de aula com os alunos como no processo de socialização com os demais indivíduos do ambiente escolar (equipe de professores, direção, coordenação etc.).

A partir desses pressupostos, Tardif e Raymond (2000) propõem um modelo tipológico de classificação dos saberes, conforme os dados do Quadro 2. Com o modelo, que está representado abaixo, os autores buscavam associar a questão da natureza e da diversidade dos saberes do professor às suas fontes de aquisição, o que permite evitar a utilização de critérios epistemológicos dissonantes que reflitam seus postulados teóricos.

Quadro 2. Tipologia dos Saberes Docentes de acordo com a fonte de aquisição do saber

Saberes dos professores Fontes de aquisição Modos de integração ao

trabalho docente Saberes pessoais dos

professores.

Família, ambiente de vida e a educação no sentido lato,

etc.

Pela história de vida e pela socialização primária

Saberes provenientes da formação escolar anterior.

A escola primária e secundária, os estudos pós-

secundários não especializados, etc.

Pela formação e pela socialização pré-

profissionais.

Saberes provenientes da formação profissional para o

magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os

estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização profissional nas

instituições de formação de professores.

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos

usados no trabalho.

Na utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de

exercícios, fichas, etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho e

sua adaptação às tarefas.

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e

na escola

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização

profissional.

Para Tardif (2012), podem ser estabelecidas algumas características dos saberes necessários à docência que são exclusivos do professor:

Primeiramente, os saberes dos professores são temporais, à medida que se constituem durante toda a vida do professor, desde o momento que ele nasce, assim, provêm de sua própria história de vida.

Os saberes profissionais dos professores são plurais e heterogêneos, pois, procedem de várias fontes. De acordo com Tardif (2012), um professor serve-se de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e de sua cultura escolar anterior, também se sustenta em conhecimentos adquiridos na faculdade, na experiência e em tradições características de professores. Além disso, os professores precisam atingir múltiplos objetivos que nem sempre requerem os mesmos tipos de conhecimento, deixando a atuação docente ainda mais complexa e plural.

Finalmente, como já dito antes, a relação travada na intervenção pelo docente são os seres humanos, logo, os saberes docentes necessitam ter o ser humano como atenção central.

O professor deve se atentar para o fato de que mesmo ministrando aula para uma classe com vários alunos, deve observar que cada aluno é um indivíduo único e possui sua própria individualidade (TARDIF, 2012).

A aquisição da sensibilidade relativa às diferenças entre os alunos constitui uma das principais características do trabalho docente. Essa sensibilidade exige do professor um investimento contínuo e a longuíssimo prazo, assim como a disposição de estar constantemente revisando o repertório de saberes adquiridos por meio da experiência (TARDIF, 2002).

Nesse sentido, também os professores iniciantes de História vão construindo seus saberes necessários à sua prática docente, buscando referências desde os remotos tempos, enquanto ainda eram estudantes. Em seus relatos, percebemos a constante referência ao tipo de aula que tiveram com seus respectivos professores e como esses profissionais e sua docência marcaram suas vidas, até mesmo em relação à escolha da carreira profissional.