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Com o intuito de unir as inúmeras frentes de trabalho, foram criados diferen- tes mecanismos de coesão. Um deles era inserir nas diferentes comissões um dos membros da secretaria. A presença desta pessoa na comissão permitia que as informações sobre o que estava sendo produzido nas diferentes fren- tes de organização do Congresso fossem de conhecimento da secretaria que, assim, podia também fazer circular informações de interesse e confluência entre mais de uma comissão. Outro mecanismo foi a criação de momentos de integração interna à secretaria, em espaços de encontro como os almoços semanais com a equipe e em atividades de bem-estar, coordenados por uma das comissões do evento que visavam ao relaxamento e compartilhamento semanal de um momento de encontro e integração não verbal.

A presença de membros da coordenação geral em tempo integral na secretaria foi também uma garantia de apoio à equipe de bolsistas na reso- lução e encaminhamento de inúmeras atividades da secretaria e, em espe- cial, na resposta às permanentes dúvidas ligadas às respostas a demandas de participantes.

O fato de todos os membros da secretaria atuarem em diferentes co- missões organizadoras e trabalharem no mesmo espaço físico durante o período de preparação do Congresso permitiu que processos referentes à organização do evento fossem encaminhados de maneira muito ágil e efi- caz. Por exemplo, demandas vindas por meio das redes sociais ou por e- -mail eram rapidamente comunicadas às comissões através dos membros da secretaria que atuavam nelas, e assim era possível obter respostas e solu- ções imediatas às novas demandas que chegavam ininterruptamente.

As reuniões/almoço semanais, realizadas na sala auxiliar da secreta- ria, que contava com uma grande mesa e equipamentos de copa-cozinha, eram momentos em que a equipe relatava suas atividades e as dificulda- des encontradas e nos quais as principais e mais complexas demandas eram discutidas coletivamente. Estas reuniões serviam para discutir com o grupo os princípios gerais do Congresso e, desse modo, produzir uma orientação coletiva sobre os procedimentos e as prioridades de cada semana. Este era, em geral, um momento de rediscussão das regras de submissão de trabalho e onde se buscava encontrar formas de flexibilizar prazos, demanda que re- cebemos em todas as fases da organização do Congresso. As reuniões eram momentos de reelaboração coletiva do processo de organização do Con- gresso e também um momento para repensar as metodologias de trabalho. As reuniões/almoço propiciavam um ambiente amistoso que contri- buiu para fortalecer sentimentos de grupo. Como relata um estudante,

Após a seleção, veio o que normalmente resulta incômodo: a etapa de integração da equipe, acrescida da dificuldade de tra- tar-se de pessoas que vêm de cursos diferentes. Nesse sentido, houve muitos esforços das coordenadoras do congresso, para proporcionar espaços carregados de certa “leveza” para faci- litar a interação. Espaços como almoços semanais ou o café no meio da manhã onde se discutia aleatoriedades relacionadas ao que vínhamos fazendo em cada curso, fatos engraçados ou bizarros do processo de interação com os congressistas, ame- nidades de nossas vidas pessoais.

Após este tipo de atividade mais recreativa, período que cha- marei de “encontro” de nossa equipe multidisciplinar, foi mais claro e até orgânico (no sentido teatral da palavra) a distribuição das tarefas, nas quais cada um ou em conjunto fomos tomando frente. Nesses momentos, eram discutidos problemas que chegaram via e-mails em inglês ou em espanhol, relatando dificuldades referentes a assuntos diplomáticos (como o conteú- do necessário nas cartas de aceite e outras documentações do congresso, que podem variar segundo o país no qual o congres- sista se encontrava). A pessoa que recebia o e-mail identificava

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ao congressista, pensando na sua nacionalidade, histórico de emails entre muitos outros dados; encaminhava para os colegas do curso de Relações Internacionais que pensavam na solução diplomática que o congressista precisava e a frente de tradução realizava o necessário para enviar a mensagem e documentação no idioma que era requerido pelo/a congressista. (Dario Lopez,

estudante da 8ª fase em Antropologia na UFSC)

Além do almoço coletivo, em geral produzido pela coordenação, dia- riamente estudantes e professoras que frequentavam a secretaria, levavam bolos, biscoitos, doces que eram compartilhados entre todos que ali tra- balhavam e passavam para reuniões ou para “visitas” onde sempre se to- mava um “cafezinho”. Frequentadoras/es da secretaria compareciam com também muito seguido frutas, geleias, doces, biscoitinhos, bolos, cucas, chocolates e outras delícias para compartilhamento de todas/os. Quartas- -feiras, dia da tradicional feira ecológica na UFSC, era um dia onde sempre se adquiriam produtos para lanches coletivos da secretaria. Esta intensa circulação de alimentos foi, sem dúvida, uma das características funda- mentais do processo de integração da equipe.

Certamente, nenhum/a antropólogo/a que tenha lido Marcel Mauss (2003) desconhece o poder que compartilhar alimentos tem para a forma- ção de grupos na construção de laços sociais dados por processos de reci- procidade. Nas atividades da secretaria o dom, enquanto sistema de troca- -dádiva, estava sempre presente. Para Marcel Mauss, o sistema de troca e em especial a obrigação de retribuir é universal, estando presente em mui- tos grupos e sua finalidade é, antes de tudo, moral, pois produz sentimentos de obrigação a longo prazo entre os envolvidos nas trocas:

Trata-se, no fundo, de misturas. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturam-se as vi- das, e assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é precisamente o contrato e a troca (MAUSS, 2003, p. 212).

Afinal, o que mais além da “mistura das almas” poderia levar a se ter prazer em horas infindáveis de elaboração de tabelas ou em ficar até tar- de da noite na UFSC, no domingo, 15 de julho, após um dia exaustivo de trabalho no credenciamento das primeiras levas de participantes, à espera das bolsas indígenas vindas do interior do Rio Grande do Sul no ônibus dos estudantes da Licenciatura Indígena sem ter ideia de que horas ou mesmo se essas chegariam naquela noite? Não se sabia exatamente o horário pre- visto de chegada, mas precisava-se de pessoas para descarregar as cestas. A equipe da secretaria era a única ainda no campus e nenhum dos mem- bros quis ir embora. Ficamos todos quase até as 10h da noite esperando pela resposta, comendo pizza, tomando refrigerante e compartilhando histórias vividas por cada um no primeiro dia de credenciamento. Havia algo mais sendo trocado ali, algo muito, muito além do valor recebido como bolsas de estágios aos/as alunos/as que atuaram na organização do Congresso. Eram, como nos ensinou Mauss, “almas se misturando”.