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Colaboração limites e abrangências de uma proposta conceptual

Num segundo momento, a reflexão expande-se clarificando um elemento conceptual decisivo para a compreensão da problemática e para a orientação

1. Relações de Colaboração: Hierarquia, Simetria ou Complementaridade?

1.1. Colaboração limites e abrangências de uma proposta conceptual

A visão de uma comunidade abrangente de didatas defendida no capítulo anterior implica, como vimos, mudanças ao nível dos papéis, das funções e tarefas profissionais desempenhadas por Acds. e por Profs. no exercício da sua profissão, exigindo, assim, relações mais próximas e cúmplices. É no quadro deste pensamento e da reflexão em torno das condições de atualização dos princípios e convicções que lhe subjazem que a ideia de colaboração tem adquirido forte expressividade (cf. Afonso, 2001: 428).

Aludida frequentemente em textos científicos e fóruns de discussão, tal ideia nem sempre é suficientemente explicitada como conceito, porventura por se julgar geradora de uma significação pacífica, de consenso. Contudo, atualiza-se num termo potencialmente equívoco. Por exemplo, adquire frequentemente, no senso comum, um sentido condescendente de ajuda que se oferece ou assistência que se presta ao outro22 e revestiu-se de uma conotação perversa, em França na altura da segunda guerra mundial, associando-se a uma forma de traição, ao auxílio prestado ao invasor totalitário pelos povos subjugados. É, pois, um conceito permeável e flexível, adquirindo especificidade em função dos propósitos que animam os atores e que os levam a interagir, do modo como estes mutuamente se veem nessa interação e mesmo do contexto histórico e social em que o uso do termo emerge. Importa, por isso, circunstanciá-lo na matriz do pensamento que deu forma a este trabalho, distinguindo-o de outros que, de igual modo apontando para relações tendencialmente aproximativas e de parceria entre Profs. e Acds., não servem a orientação conceptual que tenho vindo a construir.

Recordemos, primeiramente, que a aproximação entre as vivências profissionais de Acds. e de Profs. é aqui tomada como crucial para o desenvolvimento integrado do conhecimento científico em Didática e das práticas de E/A, dando lugar a uma relação de simbiose e de dependência mútua entre estes domínios que remete para a noção de praxis (Chioca & Martins, 2004: 89). Trata-se de uma afinidade que, desde já, identifico com o conceito de colaboração e em que se edifica, como anteriormente argumentei, o

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Por exemplo, quando um empregador se refere a um empregado como colaborador, ou quando, numa família tradicional em que a mulher assume a responsabilidade da gestão da vida doméstica, se refere como colaboração o desempenho de pequenas tarefas pelo marido e/ou pelos filhos.

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desenvolvimento mais amplo do campo, nas suas dimensões de investigação, de formação e política. Deste modo, numa primeira aceção, colaboração reveste-se de um sentido instrumental. Embora constituindo um ideal, na medida em que aponta para cenários em construção, é entendida não como um fim em si, mas como um dispositivo de eficácia, conducente à concretização de objetivos de desenvolvimento efetivo (cf. Attard & Armour, 2005: 195; Carpenter, 2002: 2; Paquay, 2005: 112; Vescio, Ross & Adams, 2008: 89).

O desenvolvimento que preconizo como fruto da colaboração entre Acds. e Profs. confere, naturalmente, um lugar de destaque à investigação sobre e para o E/A, como processo de construção de conhecimento e de influência das práticas, valorizando-se o seu poder transformador (cf. Wood, 2007: 282). Através dela e das interações colaborativas que promove, celebra-se uma visão da articulação entre os domínios da teorização e da prática de E/A consonante com a noção de “transformação” do conhecimento (McArdle & Ackland, 2007: 109), por oposição a uma perspetiva aplicacionista, segundo a qual a teoria se produz num contexto que lhe é peculiar e se transporta ou transfere para outro mundo, habitado por atores que a executam. Note-se que esta ideia que tomo como relevante em Didática parece ser igualmente aclamada em outros campos disciplinares, validando-a como entendimento genérico da relação entre processos de teorização e de realização prática e, necessariamente, como princípio regulador da relação entre os atores que os protagonizam. Na verdade, a citação que seguidamente registo como apontamento, reportando-se à agricultura enquanto área de atividade, poderia ser intencionalmente recuperada por um didata, como metáfora marcada por alguma ironia:

« Tout le monde semble-t-il, ou la plupart s’accordent à penser qu’il faut abandonner le taylorisme et les pratiques exclusivement ‘descendantes’ de naguère, que les concepteurs ne sont pas seuls à disposer de moyens de penser, que les exécutants, donc, ont eux aussi une tête qui peut fonctionner pour autre chose que la conduite de leurs bras et jambes, et de leurs doigts agiles, et qu’en outre leur expérience doit être ‘valorisée’ » (Darré, 1994 : 89).

A investigação colaborativa assim entendida é, pois, uma noção que acredita o Prof. como investigador, permitindo-lhe desenvolver a sua “practical wisdom” (Sutherland, Scanlon & Sperring, 2005: 80), e a escola como locus (e não apenas como objeto) de investigação (Chioca & Martins, 2004: 90; Wood, 2007: 282, 284).

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Nesta perspetiva, Tripp (1989: 16-7) definiu quatro modos de participação do Prof. na condução de investigação, que se ancoram nos conceitos de cooptação, cooperação e colaboração. O primeiro distingue-se pelo acentuado desequilíbrio das responsabilidades de Profs. e Acds. no controle processual da investigação, que é exercido claramente por uns ou por outros; ao Prof. ou Acd. cooptado cabe o papel de auxiliar o processo investigativo, respondendo às solicitações de informação dirigidas pelo investigador. O segundo conceito, cooperação, aponta para cenários de interação mais estreita, em que o Acd., detendo o poder na conceção e gestão do processo, inclui o Prof., com ele negociando e, se possível, acordando os procedimentos investigativos. Muito embora seja de admitir que o Prof. possa também, atualmente, exercer o papel atribuído pelo autor ao Acd. neste tipo de investigação, releva da proposta o teor de responsabilidade dos participantes como elemento aferidor das noções em discussão. É este elemento que sublinho como crucial na clarificação do conceito de colaboração e na sua autonomia relativamente ao conceito anterior, apesar de reconhecer outras possibilidades conceptuais, como por exemplo a de Cuseo (2000, citado em Filipe, 2006: 7), que, considerando a amplitude dos termos, identifica cooperação como um “subtipo” do processo colaborativo. De novo alinhando com o pensamento de Tripp, a investigação de tipo colaborativo caracteriza-se pela partilha plena entre Acds. e Profs. de todo percurso investigativo e dos seus frutos. Exige, por isso, igual comprometimento com a necessidade de a realizar, uma agenda que acolhe preocupações e temas de interesse comum e proporciona ganhos que, podendo ser de natureza distinta, se aproximam no valor que representam para os participantes, em termos profissionais. É ela que, promovendo o desenvolvimento equilibrado de todos os participantes, melhor serve as finalidades de desenvolvimento do conhecimento científico e da profissão ensino (Tripp, 1989: 6).

A investigação em colaboração radica, pois, numa relação não hierarquizada entre Profs. e Acds. que, trabalhando em conjunto, se assumem como pares numa equipa que se constitui como “unidade central” (Afonso, 2001: 428; Saraiva & Ponte, 2003: 40), diversa nas identidades e nas experiências individuais (por isso, rica e fecunda), mas una nos interesses, nos propósitos, nos caminhos traçados para os concretizar e na expectativa de benefícios (Afonso, 2001; 430; Chioca & Martins, 2004: 91; Lieberman, 2000: 221-22; Lima, 2004: 38; Saraiva & Ponte, 2003: 49). Como tal, a investigação colaborativa implica, numa primeira instância, convergência conceptual, designadamente, no que toca aos tópicos escolhidos como objeto de investigação (Durand, Saury & Veyrunes, 2005: 150) e à sua validade didática, bem como no que se refere ao próprio

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conceito de colaboração, já que ele é determinante do modo como se vive o trabalho em equipa (Dooner, Mandzuk & Clifton, 2008: 564; Filipe, 2006: 109). Por outro lado, carece de acordo na definição de objetivos capazes de concretizar as grandes finalidades de construção de conhecimento e de melhoria das práticas de E/A. A este plano se alia o da gestão processual partilhada, exigindo corresponsabilização nas tomadas de decisão e na condução da ação investigativa. Finalmente, corolário dos anteriores, outro domínio ainda remete para a necessidade de antecipação de ganhos individuais e comuns, que se cifram no desenvolvimento pessoal e profissional de todos os implicados e do campo em que se movimentam.

Esta visão das relações entre Acds. e Profs. envolvidos em investigação colaborativa implica que cada elemento da equipa seja capaz de alinhar o seu pensamento e a sua ação com o pensamento e a ação dos seus parceiros, na expectativa de melhor compreender a realidade e de sobre ela agir, uma capacidade individual que Edwards & Mackenzie (2005) designam relational agency. É, pois, um entendimento que se associa a uma compreensão particular dos papéis a desempenhar nestes contextos. Neles, cada participante é equitativamente reconhecido e valorizado no seu pensamento, na sua experiência e nos seus contributos, ie, no “portmanteau” pessoal (McArdle & Ackland, 2007: 110) que consigo traz e que coloca à disposição do grupo e dos seus intentos. No desenvolvimento da investigação, esta mesma expertise vai sendo convocada de acordo com as necessidades de concretização do plano traçado, alterando os papéis individuais, que são, por isso, instáveis, mutantes e que se reconfiguram também à medida que o processo avança e habilita cada elemento a desempenhar novas responsabilidades e a realizar novas tarefas (Paquay, 2005: 113). Por isso, contesto a ideia segundo a qual os Acds. podem/devem exercer funções diferenciadas de critical friends, consultores ou observadores (cf. inter alia, Angelides, 2002: 82; Aubusson et al, 2007: 134; Saraiva & Ponte, 2003: 31; Sillam, 2002: 2; Visscher & Witziers, 2004: 787), preconizando que estes, tal como outros papéis, possam ser exercidos por qualquer dos participantes.

Deste ponto de vista, as relações de colaboração, não sendo hierarquizadas, são analogamente não simétricas, já que não é esperado, nem tão pouco desejável, que os contributos pessoais se aproximem na sua natureza, na sua dimensão e que ocorram sincronicamente. Como escrevi em outro momento, são relações de complementaridade:

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“Distanciamo-nos de um conceito de colaboração sinónimo de acumulação de contributos pessoais idênticos na medida e na essência, aproximando-nos de um entendimento que identifica uma relação de natureza colaborativa como uma combinação feliz dos diversos contributos que cada um pode trazer num dado momento” (Canha, 2009a: 1).

Tais relações tecem-se, como se disse, entre elementos de uma equipa que se reúnem em torno de interesses comuns e que põem o seu conhecimento e experiência ao serviço do seu desenvolvimento. Ao valorizar o papel da equipa, o processo investigativo confere protagonismo à dimensão local da construção do conhecimento, como forma de atender aos “discrete needs” (Lieberman, 2000: 221) de pessoas reais, em contextos específicos, animadas por problemas e objetivos concretos. Na rede de interações que se estabelece no seu seio, cada um dos seus elementos desenvolve-se, aprendendo (cf. Fuller et al, 2005: 51; Lima, 2004: 29) já que todas as formas de prática social conduzem à aprendizagem (Lave & Wenger, 1991: 34-5). A aprendizagem alia e combina, assim, dimensões do individual e do coletivo, do interpessoal e do intrapessoal (Vygotsky, 1989), que se interpenetram na motivação para o desenvolvimento, na conceção e condução dos trajetos que a viabilizam e no usufruto dos seus produtos, ie, na interiorização e rentabilização do conhecimento que é construído (cf. Chalmers & Keown, 2006: 142; Chioca & Martins, 2004: 90; Lave & Wenger, 1991: 47; Llera, s/d: 5-6; Lin, Lin & Huang, 2008: 749; McArdle & Ackland, 2007: 117; Nissilä, 2005: 211, Wenger, 2008: 12).

O conceito de aprendizagem, tal como o apresento, dá substância à noção de colaboração. Contudo, não cobre todas as suas vertentes, não sendo suficiente para tornar clara a sua abrangência. O encontro colaborativo, como acabamos de ver, respeitando e incluindo cada Acd. e cada Prof. como pessoa profissional, dotada de uma expertise individual tida como fonte de aprendizagem, exige, simultaneamente, zonas de consenso. É, por isso, um processo de negociação, de confronto entre o eu, o outro e o nós, que encontra na palavra a moeda de troca e no diálogo a plataforma de aproximação e de entendimento, de crescimento pessoal e coletivo. Diálogo e partilha convertem-se pois numa estratégia com dupla valência: por um lado, possibilitam a gestão conjunta do percurso, comprometendo todos os participantes nas tomadas de decisão; por outro, permitem exteriorizar a experiência e o saber individuais, cruzando-os e combinando-os com a experiência e o saber dos pares, metamorfoseando-os num bem

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comum e transformando-se, assim, num decisivo recurso de aprendizagem (Freire, 1979; Vygotsky, 1989).

O lugar central ocupado pelo diálogo conduz à necessidade de cada ator permanentemente se abrir ao outro e à possibilidade de autotransformação, podendo implicar ruturas violentas ou reconfiguração de identidades individuais, profissionais e pessoais. Ao contrário da aprendizagem, que pode, de acordo com Lave & Wenger (1991), decorrer de situações de interação social pré-existentes, não provocadas, colaborar é uma iniciativa, é intencional. Torna-se, pois, determinante que estes atores desejem essa aproximação e se invistam de “uma nova postura”, geradora de “uma autotransformação que enfatiza o ser” (Chioca & Martins, 2004: 92), reconstruindo a cultura que sustenta as suas relações, agindo de acordo com desígnios próprios (cf. Nissilä, 2005: 218). Nesta aceção, colaboração é também uma atitude:

“Collaboration is one way to break through the barriers between schools and the academic world, but collaboration is not just about working together. It is essentially about the feeling of togetherness, in trying to set up common plans based upon shared preoccupations and goals, in reconciling different voices around a common direction, in seeking to build a common ground of knowledge and experience” (Vieira, 2002: 1-2).

É esta atitude que, no âmbito do presente estudo, permite perspetivar uma comunidade alargada de didatas, integrando Acds. e Profs., envolvida num ambiente e enraizada numa cultura de colaboração autênticos, despudorada de preconceitos e confiante na interação com outros pares profissionais.

Enquanto disposição e vontade para investigar, para aprender e crescer em conjunto, colaborar aponta para cenários de liberdade, uma liberdade que, num alerta inerente ao significado do termo, precisa de ser praticada criticamente, numa conduta avisada, não militante no sentido dogmático. É ela que permite perceber os perigos de manipulação, quando, ao abrigo de uma ideologia emancipadora que a contemporaneidade aclama, se acoitam práticas que a distorcem, instigando a replicação encapotada do pensamento e dos planos do poder (Canha, 2009b; Neto Mendes, 2009; Paquay, 2005: 124). Colaboração (tal como direitos humanos, liberdade ou democracia23)

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Recordemos a intervenção no Iraque liderada pelos EUA, sob a administração Bush, e as lições históricas que a humanidade, desejavelmente, daí retirou.

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não é uma ideia que possa ser decretada. Precisa de ser sentida, valorizada e vivida na primeira pessoa.

Nas últimas páginas, caracterizei colaboração como um instrumento que promove o desenvolvimento, como um processo de construção de conhecimento pela investigação, logo de aprendizagem, e também como uma atitude de aproximação construtiva, entre Profs. e Acds. Numa altura em que preparava o início deste trabalho, produzi, em conjunto com a minha orientadora, uma definição que sintetiza num enunciado simples o pensamento que venho a expor. Por essa razão, aqui a reproduzo e revalido:

“Yrelação partilhada de complementaridade entre parceiros, na prossecução de finalidades comuns e com benefícios mútuos” (Canha & Alarcão, 2004b)

Ao identificar os elementos que caracterizam o conceito, concomitantemente, fui estabelecendo algumas das suas condições de existência. Destas me continuarei a ocupar seguidamente, revelando outros intervenientes que a dinâmica colaborativa convoca, descrevendo o papel que estes são chamados a desempenhar e dando conta das implicações da sua participação.

1.2. O plano institucional e interinstitucional, em alinhamento com a noçãode escola reflexiva

Em I. 2.2.1, nesta Parte I, aludi a constrangimentos que, alegadamente, se interpõem entre a necessidade de estreitar laços profissionais entre Profs. e Acds. e a concretização dessa aproximação. Referi obstáculos de ordem cultural, que se prendem com um passado de relações distantes, balizadas por um entendimento que os isolou nos domínios de atividade abrangidos pelos seus contextos institucionais restritos. E apontei também dificuldades inerentes às exigências profissionais que sobre eles recaem, limitando a sua autonomia no desenho das suas carreiras e, neste contexto, a possibilidade de se envolverem em dinâmicas de trabalho em conjunto, ie, em dinâmicas colaborativas de investigação e desenvolvimento, à luz do conceito de colaboração que anteriormente discuti. Relativizei o peso destas dificuldades, refutando-as como impeditivos definitivos e incontornáveis, mas reconhecendo que é preciso encará-las e pensar estrategicamente modos de as superar. É neste sentido que agora me debruço sobre o espaço que, em meu entender, deverá ser ocupado por escolas e universidades,

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enquanto instituições que enquadram as atividades profissionais de Profs. e de Acds. envolvidos em iniciativas de colaboração.

Vive-se, atualmente, uma época em que os docentes em qualquer nível de ensino se veem confrontados com uma acelerada acumulação de tarefas e de responsabilidades, potenciando o seu fechamento nos espaços próprios (Day, 1997: 19) e limitando a consolidação de uma cultura de colaboração entre si necessária à inovação educativa (cf. Moreira, 2000: 147; 2002: 46). A realidade quotidiana de cada um de nós diz-nos quanto é difícil gerir uma agenda sobrecarregada em que frequentemente se sobrepõem compromissos, dificultando o normal funcionamento dos grupos de trabalho a que pertencemos, obrigados a reunir sem a presença de todos os seus elementos. É um tempo em que não há tempo profissional suficiente para atender a todas as solicitações, dando origem a um crescente clima de stress, marcado por um incómodo sentimento de incapacidade de realizar o que é esperado e de agir com base numa reflexão sistemática e profunda que se anuncia como princípio regulador da prática. Para cumprir a profissão, torna-se necessário invadir o tempo pessoal, obrigando Acds. e Profs. a privarem-se de um usufruto mais pleno do seu mundo afetivo e usurpando do convívio consigo os outros que habitam esse mundo essencial à pessoa. O tempo (ou a sua falta) converte-se num sério obstáculo à realização, à satisfação e ao prazer pessoais, à felicidade (Rios, 2009).

Nestas circunstâncias, as atividades profissionais para além das responsabilidades atribuídas pelo sistema e pelas instituições, aquelas que frequentemente vão ao encontro e surgem de um interesse genuíno de desenvolvimento, ficam à mercê da determinação, da tenacidade e do sentido de missão individuais. Assim acontece com as iniciativas de colaboração implicando Acds. e Profs.. Entre nós, o Grupo de Trabalho Pedagogia para a Autonomia (GTPA), em atividade sistemática desde 1997 (cf. Vieira, 2002) ou, mais recentemente, o projeto “Línguas e Educação: Construir e Partilhar a Formação” (Andrade et al, 2008) testemunham esse espírito e atestam a sua força enquanto fator que despoleta a mudança pela ação consequente. Por outro lado, não cabe aqui discutir cada uma das obrigações de Acds. e de Profs. na tentativa de perceber a sua pertinência relativa e de reconfigurar um quadro institucionalizável e hierarquizado de deveres e tarefas profissionais. Mas não basta aclamar a ideia de colaboração se, na prática, ela é desconsiderada como prioridade no exercício da profissão, negando-lhe condições de existência. Se a investigação realizada colaborativamente por equipas de Acds. e de Profs. é, como tenho vindo a defender, fator decisivo de desenvolvimento, é

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imprescindível colocá-la no centro da agenda, disponibilizando recursos e espaços, autorizando tempos de trabalho em comum:

“Restructuring the job assignments of educators so that time for collective inquiry is built into the workplace will increase school improvement activity” (Coppieters, 2005: 136).

Nesta medida, universidade e escola adquirem um papel de relevo, enquanto instituições profissionais de Acds. e de Profs.. Numa primeira análise, cabe-lhes apoiar as iniciativas de colaboração dos seus docentes, proporcionando meios operacionais de concretização (Nissila, 2005: 218; Zeichner & Diniz-Pereira, 2005: 68). Trata-se, pois, de um papel facilitador de propostas e projetos. Contudo, tais projetos não podem ser meramente acarinhados, consentidos. Para adquirirem o protagonismo que lhes atribuo na vida da universidade e da escola, é necessário que esse estatuto seja reconhecido institucionalmente na sua importância, como fator de desenvolvimento das pessoas envolvidas numa equipa, mas também das próprias instituições (Mullen & Schunk, 2010: 193).

Nesta reflexão, o conceito de organização aprendente ganha um interesse particular, alargando a perspetiva sobre a natureza da intervenção institucional. Tal conceito remete para uma organização que se desenvolve através do desenvolvimento das pessoas que dela fazem parte (Borg & Bezzina, 2005: 107; Nissila, 2005: 210; Paquay, 2005: 112; Wenger, 1998: 8), baseando-se no conhecimento e, como tal, valorizando e encorajando a investigação (Lima, 2004: 38; Paquay, 2005: 120). Nesta linha de pensamento, partindo das contribuições de Schön (1983), Senge (1990) e também Stenhouse (1978), Alarcão fala de uma escola reflexiva, uma escola24 que se transforma “por dentro”, “com as pessoas que a constituem” (2003: 36) e que, assim, se pensa “... no presente para se projetar no futuro” (Alarcão, 2001a: 25). Como tal, traça o