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A natureza da investigação em Didática e a recente evolução dos contextos e práticas de ensino/aprendizagem, num apelo a mudanças

CAPÍTULO I – SINAIS DE TRANSIÇÃO PARADIGMÁTICA NAS ATUAIS RELAÇÕES ENTRE INVESTIGAÇÃO EM DIDÁTICA E PRÁTICA DOCENTE : UM MOVIMENTO DE

2. A Interação entre Investigação e Ensino/Aprendizagem nas Escolas e a Afirmação Identitária em Didática

2.2. Atores/autores e seus papéis: das relações construídas pela história à história das relações que se pretende construir

2.2.2. A natureza da investigação em Didática e a recente evolução dos contextos e práticas de ensino/aprendizagem, num apelo a mudanças

nos papéis dos intervenientes

Neste momento em que proponho mergulhar mais a fundo sobre a natureza da investigação em Didática na sua relação com as práticas de E/A e com as implicações que, na análise que aqui faço, se projetam atualmente nos papéis dos investigadores/Acds. e dos Profs, justifica-se clarificar o conceito de investigação aqui presente. De si, esta preocupação denota a assunção de alguma ambiguidade relativamente às possíveis leituras e usos do termo, perceção partilhada por Lüdke & Cruz (2005: 90), ao considerarem que “R a dificuldade diante de um conceito não consensual de pesquisa por vezes ocasiona distorções que acabam limitando a própria conceção de pesquisa19”.

Uma primeira aproximação vai no sentido de distinguir dois níveis de abrangência que remetem para atividades com características diferentes, embora sustentadas numa atitude comum face a um mesmo objeto de interesse (Alarcão & Canha, 2008: 12). Por um lado, num entendimento largo do conceito, investigação designa um esforço pessoal sistemático em busca de respostas para questões emergentes do quotidiano profissional, que se concretiza na procura de informação de referência e de outros suportes que possam iluminar a mudança das práticas, originando novos ciclos de questionamento, de aprofundamento conceptual e de reinvestimento na ação. Ao assumir este significado, a

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investigação manifesta-se a partir de um posicionamento autonomizante de abertura crítica face à possibilidade de renovação das próprias práticas, que consubstancia a noção de professor reflexivo inspirada pelo conceito de profissional reflexivo teorizado por Schön (1983). É esta mesma atitude que guia este professor20 comprometido com o desenvolvimento dos seus alunos e lhe permite, interrogando-se e interrogando a sua atuação, construir um conhecimento próprio que, frequentemente partilhado com os pares em situações de maior ou menor informalidade, também se dissemina e se reconstrói em cada sujeito que com ele se confronta. Neste contexto em que o termo investigação é frequentemente usado em alternância com pesquisa, a atividade a que se refere é, assim, percebida como um exercício reflexivo que articula dimensões de inquirição sobre o E/A, de transformação da ação profissional e de divulgação do conhecimento construído.

Numa outra aceção, investigação remete-nos para uma prática fundada numa atitude análoga de reflexão centrada no E/A e orientada para o seu desenvolvimento positivo, mas que se materializa em processos sólidos e aprofundados de ancoragem teórica, em desenhos metodológicos reconhecidos por outros investigadores e em ações de divulgação, particularmente, junto dessa mesma comunidade, que avalia e valida (ou não) os seus processos e frutos (cf. Hall, 1996: 30; Nóvoa, 2002: 28). Com base em argumentos semelhantes, Tardif & Zourhlal (2005: 16) caracterizam-na do seguinte modo:

“Definimos claramente a pesquisa sobre o ensino como uma abordagem rigorosa que respeita as normas de outros pesquisadores e conduz a novos conhecimentos que se tornarão públicos por diversos meios.”

No fundo, o que distingue esta investigação é a acreditação do seu valor empírico pela comunidade de investigadores em Didática e a credibilidade que tal reconhecimento lhe confere enquanto atividade científica, o que permite constituir o conhecimento que através dela se produz como património público de referência. Por esta razão, porque é esta investigação que dá corpo a uma das dimensões da Didática em foco na conceptualização deste estudo – a sua dimensão de Ciência – e porque é dela que os Profs. se têm visto mais arredados (cf. 2.2.1, neste capítulo), será este o conceito enquadrador do uso que aqui farei do termo investigação em Didática.

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Como anteriormente explicitei, a abreviatura Profs. designa, neste texto, os professores das escolas dos EBS. Assim, a palavra na sua versão extensa é aqui usada, deliberadamente, para referir qualquer professor em qualquer nível de ensino.

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Esta noção de investigação científica, empírica (escuse-se, pela intencionalidade, o pleonasmoduplo), não é todavia suficiente para gerar consenso entre as representações que evoca nos próprios investigadores autores da atividade que neste quadro conceptual se realiza. Na tentativa de uma maior precisão deste sentido terminológico, torna-se necessário responder a uma questão decisiva: que investigação empírica permitirá conhecer melhor o objeto de estudo em Didática, servindo, simultaneamente, o propósito de contribuir para o desenvolvimento do campo? Para tanto, é preciso recuperar o entendimento que se faz do primeiro, percebendo conexões com o modo como se compreende a área na sua globalidade (cf. Oancea, 2005: 178).

Em polos opostos numa primeira análise, confrontam-se uma visão que, restringindo os limites do objeto e do campo, condiciona a opção por abordagens empíricas estreitas e uma compreensão mais complexa, que alarga o foco restrito aos fatores que com ele se intersetam, exigindo desenhos metodológicos múltiplos e ecléticos. Assim, por um lado, circunscreve-se o objeto ao E/A em contexto formal, vedando o âmbito da investigação sobre ele às condições que o circundam e influenciam. Assumindo este posicionamento, Wilson afirma que “R, education’ refers to some serious and sustained programme of learning,R” (2003a: 119). E indo mais além, clarifica os limites da investigação educacional:

“R, educational research should stick to educational goods: its extension into politics or social theory is no more justified than would be its extension into architecture or dietetics” (op. cit.: 120).

Noutra perspetiva, defende-se o alargamento do conceito de E/A para além dos limites ditados por realidades passadas que o circunscreviam aos processos que ocorrem entre Profs. e alunos, no espaço físico da sala de aula. Deste modo, reconhece-se a aplicação do conceito a contextos diversos que incluem situações e ambientes informais (White, 2003: 135), tomando em linha de conta as mudanças que a contemporaneidade tem produzido e a que já fiz referência neste capítulo (cf. 1.2), e sugere-se que a investigação se estenda a domínios que permitam compreender este objeto, que se entende diverso e complexo:

“To restrict educational research to learning alone, without allowing it to extend into how that learning is organized and assessed within society, would achieve exactly what Wilson warns against. It would rob educational research of the power to ask and answer many of the questions that really matter” (Sainsbury, 2003: 139).

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Na linha deste pensamento e perante a falência das abordagens positivistas no estudo da complexidade que caracteriza a atividade humana (Lather, 2004: 760; van der Maren, 1996: 33; Winter, 1996: 21), desenha-se um entendimento mais liberal, que relativiza a compreensão desse objeto em função das suas condicionantes contextuais e dos sujeitos que nele tomam parte. O investigador é igualmente percebido como pessoa implicada (Zemelman, 2003: 435) e o produto do seu trabalho é tomado como uma narrativa pessoal, capaz de gerar uma compreensão aproximativa de questões-chave sobre o E/A e a Educação (Hammersley, 2005: 140). Como tal, a investigação não se compadece com metodologias rígidas, prescritas, necessitando contrariamente de uma abertura e de uma flexibilidade que permitam a tomada de opções ao longo de um percurso que assim se constrói (cf. Hodkinson: 2004: 16).

Por seu turno, os críticos deste posicionamento, que caracterizam como “laissez- faire” (Hammersley, 2005: 144), têm dificuldade em aceitar uma amplitude conceptual que alegadamente inibe referências claras na compreensão do âmbito da investigação educacional, autorizando uma diversidade ilimitada de temas e domínios (Wilson, 2003b: 139), ao mesmo tempo que alertam para a necessidade de identificar as configurações metodológicas que possibilitem o reconhecimento da investigação no campo (Hammersley, 2005: 142) e que, numa manifestação de teor ideológico, lhe confiram uma capacidade transformadora da sociedade (Kemmis, 1996: 224).

No contexto deste confronto de pensamentos e de posições, levanta-se o dilema objetividade/subjetividade, a que uns respondem evocando uma noção de investigação como dispositivo de averiguação da “verdade” (Wilson, 2003a: 122), que implica um distanciamento claro entre investigador e objeto de estudo (cf. Hammersley, 2005: 148), e a que outros reagem fundados num conceito de objetividade como produto de um processo intersubjetivo de interpretação do mundo (Badley, 2003: 302), que inclui a individualidade do investigador:

“R ‘rationality’ is an evaluative term, rather than the name for a particular faculty. It is a judgement about whether the actor took due account of all relevant considerations in pursuit of a particular goal. And these will sometimes need to include his or her own identity and emotions” (Hammersley, 2005: 149).

O presente trabalho, ainda que focado no E/A em contexto formal, assenta numa compreensão que identifica tal objeto como fenómeno complexo, que se constrói nas relações entre os sujeitos que nele tomam parte (mais diretamente, os alunos e os

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professores) e entre eles e os saberes e competências que se pretende desenvolver e as tarefas de aprendizagem que com esse fim se levam a cabo (cf. Andrade & Araújo e Sá, 1994). Nesta leitura, percebe-se o E/A como processo centrado no aluno, nas atitudes e comportamentos que adota para se desenvolver, e em que o professor desempenha um papel de orientador, agindo, na perspetiva de uma abordagem accional, como mediador entre o aluno, o seu contexto de formação e um currículo focalizado no desenvolvimento de competências (Pérrenoud, 2001). Atribui-se, pois, a cada percurso de E/A um caráter único, local, determinado pelos contextos, pelos atores e pelas suas inter-relações (cf. van der Maren, 1996: 33).

A investigação sobre este objeto, tal como a entendo, situa-se no continuum das perspetivas que atrás enunciei e que, como adiantei, aparentemente se extremam em polos antagónicos. Ao debruçar-se sobre o E/A percebido na sua complexidade intrínseca e nas teias contextuais que o conformam, reveste-se de uma natureza eminentemente compreensiva (op. cit.: 35). Nesta medida, integra, numa ótica interdisciplinar, os saberes próprios e de áreas afins que iluminam o seu trajeto (Wilson, 2003a: 122), recorrendo aos procedimentos metodológicos quantitativos e qualitativos que melhor sirvam as questões que a mobilizam (Labaree, 2003: 15) e acolhendo os diferentes olhares e vozes dos intervenientes, na linha do pensamento do filósofo Hans- Georg Gadamer (Hammersley, 2005: 147). É esta investigação que me parece reunir melhores condições de, atendendo ao teor complexo do seu objeto, se constituir como um suporte sólido e credível na produção de conhecimento sustentador de mudanças no E/A, mudanças que concebo como reinterpretações contextualizadas desse conhecimento. A investigação assim entendida é caracterizada, por outro autor, nas palavras que a seguir se citam:

“In these respects, then, critical and scientific realism are agreed, but in the argument of this article that critique supports the case not for the abandonment of statistical models and explanations based on them, but the adoption of a realist epistemology sufficiently robust to improve the multilevel explanatory narratives of a naturalised social science” (Nash, 2005: 203).

Necessitando da perspetiva própria de cada interveniente, a atividade investigativa não pode, naturalmente, dispensar a intervenção dos professores, Acds. e Profs., designadamente, dos últimos que, por razões já apontadas, têm tido menos oportunidades de contribuir para a construção do saber científico. Mais ainda, se

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considerarmos a influência que as culturas académicas têm exercido sobre a investigação realizada por estes atores educativos (Canha, 2001: 126, Hammersley, 2005: 142; Wilson, 2003a: 123), é de admitir que o conhecimento que se tem produzido possa estar cativo de determinados formatos conceptuais e empíricos, sendo consequentemente omisso, ou grandemente lacunar, no que toca à visão das práticas nas escolas.

Por outro lado, ao atuar, em contextos situados, sobre o processo de formação de cada aluno, também ele singular, o Prof. precisa de construir um conhecimento próprio que o habilite na orientação da sua atividade (Oliveri, Coutrin e Nunes, 2010: 302). Com base neste pensamento, Stenhouse introduziu, há já três décadas, a ideia de professor investigador: “It is not enough that teachers’ work should be studied: they need to study it themselves” (1978: 143).

Esta proposta, consensual nos seus pressupostos globais (cf. Everton et al, 2000: 180), tem sido questionada em termos das suas possibilidades efetivas de concretização, face aos obstáculos que a profissionalidade do Prof. coloca e que, segundo os mais céticos, constituem, mais do que dificuldades, impedimentos definitivos. A reflexão e o debate têm, assim, procurado esclarecer o tipo de participação na investigação que é lícito esperar dos Profs., ao mesmo tempo que se equacionam modelos operacionais compatíveis com as suas características, com os seus interesses e com os condicionalismos que envolvem a sua atividade profissional.

A este propósito, identificando níveis diferentes de participação e responsabilização na investigação, Lüdke & Cruz (2005: 89) recordam a proposta de Beillerot (1991) que distingue “estar em pesquisa, fazer pesquisa e ser pesquisador”. Prevê-se, assim, que o Prof. possa estar associado a um projeto de investigação, sem contudo assumir responsabilidades relevantes na sua condução, que desempenhe um papel mais comprometido e determinante em experiências ocasionais, ou ainda que, desenvolvendo uma atividade regular neste domínio, possa ser considerado um investigador. Porém, de acordo com as autoras e com o estudo por si realizado relativamente à realidade no Brasil, a primeira situação é aquela que ainda caracteriza a participação da maioria dos Profs. na realização da investigação educacional.

Por seu turno, Labaree (2003: 15-16) considera que os Profs. reúnem três características fundamentais que favorecem a sua “transição” para investigadores,

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nomeadamente, no âmbito de projetos de pós-graduação. Do seu ponto de vista, um traço distintivo enquanto estudantes de investigação decorre da experiência de vida de que já dispõem quando iniciam este percurso, ao contrário do que acontece em outras áreas em que estes estudantes são jovens recém-graduados. Segundo a autora, são dotados de uma “maturidade” que advém da sua condição de adultos, com responsabilidades enquanto tal, frequentemente, da mesma idade dos seus professores e com uma experiência profissional de anos. Os trabalhos que realizam no cumprimento do seu programa de formação são, pois, convertidos em instrumentos que servem os seus interesses pessoais e profissionais. Apesar de esta ser, maioritariamente, uma realidade típica também do caso português, é igualmente um facto que convive com estes estudantes assim descritos como pessoas e profissionais maduros um número crescente de jovens investigadores que iniciam a sua atividade e o seu percurso de pós- graduação logo após a conclusão dos seus cursos de Licenciatura, designadamente, como bolseiros da FCT. Ainda assim, este dado não invalida a identificação da característica enunciada, entre os Profs.. Para além desta, Labaree aponta ainda a capacidade de confrontar a atividade de teorização com o conhecimento privilegiado que detêm das práticas educativas e que se vai construindo com a “experiência profissional”. Finalmente, destaca a sua “dedicação à Educação” como um traço visível da identidade dos Profs., que os estimula a orientarem os seus trabalhos de investigação no sentido da transformação e da melhoria das suas práticas.

Por outro lado, a mesma autora alerta para um conjunto de condicionantes da investigação realizada por Profs. que, no seu entender, são tributários das diferenças que demarcam o seu papel do papel do investigador (op. cit.: 17-20). Assim, diz, as especificidades das suas funções são percetíveis à luz dos binómios “normativo- analítico”, “pessoal-intelectual”, “particular-universal”, “experiencial-teórico”. De acordo com este entendimento, o Prof. exerce uma atividade orientada para a busca de respostas que permitam resolver problemas, determinada pelas relações pessoais que estabelece com os seus alunos, situada no caso particular de cada um deles e geradora da construção de um saber enraizado na experiência, ao passo que o investigador desenvolve um trabalho de análise de questões educativas, por isso, um trabalho intelectual que requer distanciamento do observado e que conduz à produção de um conhecimento teórico com relevância em situações múltiplas.

Orientada para a resolução de problemas e questões emergentes da prática, a investigação-ação (I/A) surge, na argumentação de Labaree (op. cit.: 18), como uma

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abordagem que concilia e rentabiliza as perspetivas do Prof. e do investigador, uma vez que, sendo investigativa, favorece o desenvolvimento da aptidão analítica pelos Profs. e que, concretizando-se com o intuito explícito de agir sobre situações reais de E/A, comporta uma dimensão normativa que aproxima a investigação do terreno. É nesta linha que os numerosos adeptos e teorizadores da I/A (inter alia, Barbosa & Paiva, 2002; Jennings & Graham, 1996; Kemmis, 1996; Lewin, 1946; McTaggart, 1996; Moreira, 2002; Sanger, 1996; Webb, 1996; Winter, 1996; Zuber-Skerritt, 1996) a têm apresentado, pela sua vocação transformadora, como uma resposta eficaz à atitude, a seu ver, inconsequente do laissez-faire relativista e, concomitantemente, como um poderoso instrumento de emancipação do Prof., ao conferir-lhe o poder de agir sustentadamente sobre a prática, construindo o seu próprio saber.

Apesar disso, os autores que têm refletido sobre a I/A alertam para efeitos perversos a que a generalização da sua prática pode conduzir, negando as suas potencialidades emancipatórias. Desde logo, tais efeitos manifestam-se na busca de respostas prontas e céleres, instigada pela centração na resolução de problemas, criando-se assim condições para a tentativa de construção de uma verdade acrítica, fundada numa reflexão pouco profunda (cf. Jennings & Graham, 1996: 175-76). Mas tendem também a materializar-se numa forma encapotada de replicação do poder (op. cit., 1996: 166), constituindo-se como mecanismo de implementação das políticas governamentais (Blackmore, 2002: 259), ou frustrando os Profs. nos seus intentos de se centrarem no seu universo práxico, através da exigência de credibilização dos processos e produtos pelos investigadores tradicionais, os Acds. (Sanger, 1996: 182).

Acrescento ainda que, ao preconizar-se a I/A como o formato de investigação que melhor se adequa aos interesses dos Profs. e às suas exigências profissionais, se cria, embora involuntariamente, um nicho reservado a estes atores, no que toca à construção do saber científico em Didática. Por outras palavras, julgo revelar-se uma atitude de alguma condescendência, nos pressupostos de que os Profs. não são capazes de se interessar por questões que extrapolem a resolução imediata de problemas e de que não têm condições de realização de investigação de natureza mais teórica. Ilustrando, de outra perspetiva, refira-se que raramente os investigadores Acds. assumem realizar I/A, ainda que alguns dos projetos em que se envolvem dela se aproximem conceptual e metodologicamente (Sanger, 1996: 184).

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Parece, pois, que os Profs. não deverão ficar reféns deste modelo, sob pena de se fortalecer uma perspetiva tecnicista da investigação e do E/A (cf. Moreira, 1999: 166), incoerente com a complexidade que caracteriza o objeto e com a natureza eclética da investigação que se propõe compreendê-lo e sobre ele agir (Blackmore, 2002: 264). Admitir o contrário, implicaria aceitar que a própria investigação e o pensamento em Didática permanecerão privados do contributo pleno do Prof.:

“Reconhecemos que existe uma dimensão educativa forte na pesquisa-ação, tornando-a uma abordagem favorável ao estudo da escola, mas não somos inclinados à ideia de restringir a pesquisa do professor a esse tipo de abordagem metodológica. A própria complexidade que cerca o conceito e os critérios de validação de uma pesquisa nos leva a não aceitar que postulemos à pesquisa do professor um tipo próprio, sob o risco de minimizarmos as suas possibilidades investigativas” (Lüdke & Cruz, 2005: 101).

A sua participação, deseja-se, deverá ser mais ampla, pela sua necessidade pessoal de desenvolver um pensamento sólido e ecológico sobre a sua área de trabalho (cf. Tardif & Zourhlal, 2005: 31), mas também pelas qualidades, que tal como com os Acds., o equacionam com extended professional (Stenhouse, 1978: 144) e aclamam como intelectual (Giroux, 1990: 175-76), capaz de usar a investigação como ferramenta ao serviço do seu desenvolvimento, da melhoria das suas práticas profissionais e do conhecimento no campo (cf. Hargreaves & Shirley, 2011: 17; Roldão, 2007: 102). Importa, pois, realizar uma ação concertada, que inclui Profs. e Acds. e que visa investigar em conjunto para compreender a Educação:

“Estudar. Conhecer. Investigar. Avaliar. Caso contrário continuaremos reféns da demagogia e da ignorância. As mudanças nas escolas estão, por vezes, tão próximas que provocam um efeito de cegueira. Só conseguiremos sair da penumbra através de uma reflexão coletiva, informada e crítica” (Nóvoa, 2002: 29).

Assim, com outros autores, defendo uma participação não-hierarquizada de Acds. e Profs. na construção de conhecimento científico em Didática (Webb, 1996: 142-43), acreditando que só ela poderá conduzir a um corpo forte de saberes, produzido e partilhado por estes intervenientes centrais e, deste modo, a uma mudança lúcida, sustentada, concertada e confiante das práticas de investigação e de E/A.